É a Irlanda um paraíso fiscal?;

É a Irlanda um paraíso fiscal?
Quase 1/6 dos portugueses são representados por partidos que têm a Coreia do Norte como modelo e denigrem a Irlanda. Ambas um paraíso. Aquela, dos “trabalhadores”. Esta, fiscal. E dado que todos gostam da palavra paraíso e poucos de pagar impostos, a Irlanda merece, creio, ser analisada.
Eis as questões. Primeiro, o que é um paraíso fiscal? Segundo, a Irlanda é-o? Terceiro, caso o seja qual a parte da riqueza irlandesa a tal devido? E por último, so what…, e daí… e então?
A OCDE define paraíso fiscal como um país em que:
1) A taxa de imposto é zero ou perto;
2) Não fornece informação solicitada pela OCDE; e consequentemente
3) Carece de transparência.
A Irlanda tem uma taxa formal/geral de imposto sobre os lucros das empresas de 12,5% e por isso pelo primeiro critério não seria um paraíso fiscal.
Mas há contudo várias deduções e excepções que levam alguns economistas a considerar que a taxa efectiva é apenas de ± 1/3 da formal, isto é 4% de taxa na prática, ao que acresce o tratamento selectivo dado a algumas empresas segundo a comissária europeia Vestager: p.e. a taxa de 1% à Apple.
Assim, para alguns economistas o veredicto final se a Irlanda é um paraíso fiscal é dúbio, enquanto para outros é um sim, à luz do primeiro critério com as deduções, exclusões e tratamentos selectivos ocasionais, e também à luz dos 2º e 3º critérios da OCDE.
Algumas estimativas indicam que as multinacionais são responsáveis por 70% do comércio internacional e que transferem 40% dos seus lucros de uma região para outra(s) no mundo para minimizar impostos. O valor recebido pela Irlanda é cerca de 90 mil milhões de dólares. Mais que todas as ilhas das Caraíbas, Singapura, Suíça e Holanda.
Que parte do PIB irlandês se deve à fiscalidade? A resposta é 38%. Um valor tão substancial que levou o governo a criar uma medida única no mundo (o rendimento nacional modificado) para medir a verdadeira riqueza do país, a qual é apenas 62% do PIB (100-38).
Isto é, quando o Eurostat fornece os dados do PIB dos vários países, no caso da Irlanda há que multiplicar por 0,62 ficando ainda assim a riqueza da Irlanda acima da média europeia, mas agora atrás do Luxemburgo e Holanda (ambos por sua vez e sobretudo o segundo acusados de oferecerem taxas paradisíacas) e da Áustria, Dinamarca, Suécia e Alemanha. Isto é, em sétimo lugar no ranking dos países mais ricos da EU-14.
Segue-se a Bélgica e a Finlândia (ainda acima da média) e os países abaixo da média são o eterno clube mediterranée: França, Itália, Espanha, Portugal e Grécia.
E daí, então (relativamente às taxas fiscais irlandesas paradisíacas)? Que mal vem ao mundo? A resposta é: depende. Para as empresas (e seus accionistas) é obviamente muito positivo a existência de paraísos fiscais.
E para estes países também: ainda que a taxa efectiva de imposto na Irlanda seja só 4% (??), 4% a multiplicar por 90 mil milhões de euros de lucros para lá transferidos representam 3,6 mil milhões de colecta de impostos...
Mas já para os outros países é negativo. No presente. E no futuro. No presente porque sobrecarrega os seus contribuintes. E no futuro, porque constituindo a sobrecarga de impostos um desincentivo ao trabalho, prejudica o crescimento e a criação de riqueza. Na ausência desta, as taxas de imposto não podem baixar e entra-se num ciclo vicioso.
Soluções? Dividem-se em dois tipos: o que não fazer. E o que fazer.
Não fazer: não tentar resolver o problema das Bahamas ou Trinidad e Tobago antes de resolver os de dentro de casa, isto é, na União Europeia (Irlanda, Holanda, Luxemburgo, Ilha de Jersey, offshore da Madeira, etc.).
Acresce que não se deve na EU impor uma taxa igual para todos os países  porque tal mataria a concorrência, a qual estimula a usar com muito cuidado o dinheiro que coercivamente, pela força, é retirado aos contribuintes. Nuns países paga-se impostos e recebe-se algo em troca. Noutros não. Assim, nestes, os impostos são um roubo pela mão do estado.
A fazer (dentro da UE): impor um valor mínimo (porque não os 12,5% nominais da Irlanda?) e proibindo deduções, excepções e tratamentos selectivos.
E finalmente exigir que as multinacionais, para beneficiar das taxas de imposto de determinado país, têm que ter nele um investimento (em fábricas, equipamentos, etc.) e custos (pessoal, matérias-primas, etc.) nunca inferior a 1/4 (25%) da média dessa multinacional em todo o mundo.
Não é perfeito? Certamente. Mas a perfeição soletra-se… p.a.r.a.l.i.s.i.a (como dizia Churchill). Quem tudo quer, nada faz. A política do já agora leva ao nunca mais. “Megasoluções”. Na justiça, na fiscalidade, no que for. Num mundo ideal, soluções ideais. Num mundo real, soluções reais.
Além de que pagar muitos impostos nunca foi uma virtude. Se a taxa for zero, a colecta é zero. Se a taxa for 100%, ninguém trabalha (para quê?) e a colecta também é zero. Ou seja, (como referiu Laffer) a colecta total, absoluta, de impostos primeiro cresce com a taxa e depois diminui a partir de determinado valor de taxa (entre 0% e 100%).
Quanto ao mais, a Irlanda tem um rendimento real (isto é, corrigido do efeito das multinacionais) 55% superior ao português. Será que é porque como diz o provérbio popular: ninguém gosta de trabalhar para aquecer?

Blog Instituto Liberdade Económica:
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Vasconcellos Sá, 06/05/2021
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