Contratos vinculísticos – Sem fim à vista?;

Consultório Jurídico
Contratos vinculísticos – Sem fim à vista?
Com o anunciado pacote Mais Habitação, aguardava-se com alguma expetativa, o que iria acontecer aos chamados contratos de arrendamento vinculísticos.
Estes contratos, assim designados, por se tratarem de contratos de arrendamento sem duração limitada, englobam os contratos de arrendamento habitacional celebrados antes ou na vigência do Regime do Arrendamento Urbano – DL. nº 321-B/90, de 15 de outubro (vulgo RAU), aos quais tem vindo a ser aplicado o regime transitório, previsto na Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro – Novo Regime do Arrendamento Urbano (vulgo NRAU), com as respetivas alterações de que tem sido objeto.
O Regime Transitório do NRAU estabelece um conjunto de regras que permitem a atualização gradual dos contratos antigos de arrendamento urbano (prevendo, por exemplo, limites máximos para o aumento das rendas antigas), definindo as condições e os prazos para a sua conversão em contratos de arrendamento urbano regulados pelo NRAU. Em resumo, o Regime Transitório do NRAU tem como objetivo integrar os contratos de arrendamento habitacional anteriores a 1990 no novo regime de arrendamento urbano de forma justa e equilibrada, garantindo a proteção dos direitos tanto dos senhorios como dos arrendatários.
Ao abrigo deste regime transitório (na sua versão vigente), o contrato poderá transitar para o NRAU, distinguindo, no entanto, o regime transitório dois casos: (i) arrendatário que comprove ter idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60% e (ii) arrendatário que invoque, comprovadamente, que o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA).   
No primeiro caso, se o arrendatário, não concordar com a transição do seu contrato para o NRAU, o contrato mantém-se no regime vinculístico, sendo a renda atualizada (uma única vez) nos termos do art. 36º do NRAU.
No segundo caso, na falta de acordo entre as partes, atendendo à circunstância financeira invocada pelo arrendatário, o contrato fica submetido ao NRAU, decorridos que sejam 10 anos a contar da receção pelo senhorio da resposta do arrendatário. À semelhança do que sucede no primeiro caso, a renda é atualizada (uma única vez) nos termos do art. 36º do NRAU, sendo que, neste caso em particular, durante o referido período de dez anos, o arrendatário tem de, anualmente, demonstrar e provar, sempre que o senhorio o exija, que a situação económica do seu agregado familiar se mantém, sob pena de não poder prevalecer-se daquela circunstância.
Ora, relativamente a estes contratos vinculísticos, o pacote Mais Habitação, prevê a alteração da redação dos artigos 35º e 36º do NRAU.
Esta alteração afasta, por um lado, qualquer possibilidade de acordo entre as partes para a transição destes contratos para o NRAU, impondo que, caso o arrendatário invoque e comprove ter idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, ou que o rendimento do seu agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, o contrato de arrendamento não transita para o NRAU, mantendo-se definitivamente como contrato vinculístico.
Por outro, quanto à situação económica do agregado familiar do arrendatário, bastará ao mesmo invocar e demonstrar uma única vez que o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA) para que o contrato já não transite para o NRAU, independente de, nesse mesmo ano ou nos anos seguintes, a situação do seu agregado familiar poder melhorar consideravelmente, deixando o mesmo de reunir esta condição.
Por último, as rendas destes contratos, que se manterão definitivamente como vinculísticos, passarão a ser aumentadas anualmente de acordo com o coeficiente de atualização previsto no artigo 24.º do NRAU, que tem por base a variação do índice de preços no consumidor sem habitação, apurado pelo INE e publicado em Diário da República até 30 de outubro de cada ano.
Da análise do pacote Mais Habitação, parece resultar a intenção de reforçar a proteção dos arrendatários destes contratos mais antigos, pondo fim às já diminutas situações em que os mesmos poderiam transitar para o NRAU.
Ivone Abreu, Associada sénior da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados – Sociedade de Advogados, 17/03/2023
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