Governo deve manter o regime dos vistos dourados
Numa altura de grandes dificuldades, resultantes da pandemia, o mercado imobiliário precisa de manter o investimento, pelo que o Governo deverá recuar na intenção de acabar com os regime dos vistos Gold, alerta Luís Lima, responsável da APEMIP. Para este dirigente associativo, parece óbvia a necessidade de recuar na autorização legislativa prevista no OE e nas alterações ao regime fiscal para residentes não habituais.
Quais os impactos imediatos que se estão a sentir no setor imobiliário, em consequência da pandemia de Covid-19?
O primeiro – e imediato – impacto prende-se com o adiamento de negócios (que se sentiu particularmente durante o período de estado de emergência) e a quebra da procura, nacional e estrangeira.
O setor imobiliário fechou 2019 a registar um crescimento de 2% nas transações de imóveis habitacionais, reafirmando o ciclo de crescimento que se vinha a verificar deste 2013. A expetativa para 2020 era de que este ciclo de crescimento se manteria, embora a um ritmo mais lento que se justificaria exclusivamente pela ausência de stock imobiliário, sobretudo nos segmentos médio e médio baixo.
Não estávamos preparados para uma situação desta natureza e o pior desta pandemia é a incerteza sobre o futuro e o impacto que a sua evolução terá na economia. É muito difícil delinear estratégias num panorama que é um enorme ponto de interrogação.
Os valores atualmente praticados no mercado de compra estão a sofrer alguma redução de preços?
Para já, não podemos falar de redução de preços no mercado de compra e venda, aliás os dados apontam para uma estabilização do valor dos imóveis. E, efetivamente, não há nenhuma justificação para que se assista a uma desvalorização do património, podendo, sim, assistir-se a uma correção dos preços de imóveis que já estariam a ser comercializados a preços especulados, numa situação que é também desejável.
Felizmente, o mercado imobiliário está hoje muito mais firme do que estava na anterior crise, e os riscos de desvalorização são menores, uma vez que os níveis de endividamento são muito inferiores àqueles a que assistimos no período da “troika” e não existe excesso de oferta no mercado, aliás, nos segmentos médio e médio baixo assiste-se precisamente a uma necessidade enorme de aumento de oferta que possa suprir as necessidades e possibilidades da procura.
E para o próximo ano, qual é a perspetiva para a evolução dos preços?
É muito difícil fazer previsões num cenário de incerteza como o que vivemos. A situação pandémica tem um impacto direto na economia, na situação laboral das pessoas, nos investimentos e consequentemente na procura. Como referi, não há nenhum motivo para que se verifique uma desvalorização do mercado, pelo que a expetativa é a de estabilização e manutenção dos preços. Mas por muito otimistas que possamos ser, não conseguimos controlar a questão sanitária e o seu impacto, que se reflete também na procura estrangeira.
E quanto ao número de transações, qual a expetativa da APEMIP para este ano?
É, naturalmente, de quebra, ainda que não consigamos adiantar uma previsão devido ao cenário de incerteza que vivemos. Como referi, a expetativa deste ano era de manutenção do número de transações. Janeiro e Fevereiro foram meses positivos, que pareciam confirmar a expetativa de que existia, mas a partir de março o mercado ressentiu-se imediatamente com a crise pandémica. Neste primeiro trimestre, venderam-se 43.532 casas, registando-se uma quebra de 0.7% face ao período homólogo. Uma quebra que se deverá acentuar consideravelmente nos próximos dados oficiais, referentes ao segundo trimestre, que espelharão o impacto do decreto do Estado de Emergência que levou ao adiamento de escrituras, encerramento de estabelecimentos e impedimento de realizar visitas presenciais a imóveis.
O mercado já sente os efeitos da quebra da procura?
De acordo com os dados recolhidos pela APEMIP junto das empresas de mediação imobiliária para o seu Barómetro mensal, no mês de julho, 34.3% das empresas inquiridas indicaram ter sentido um aumento da procura e 34.3% que a mesma se manteve (em comparação com o mês anterior). No entanto, quando confrontamos com o período homólogo, os mediadores apontam para quebras da procura na ordem dos 70%.
O surto pandémico teve um impacto brutal no turismo. O imobiliário também ressente este impacto?
Costumo dizer que o turismo e o imobiliário têm uma união de facto. O que beneficia um beneficia o outro, e o que prejudica um prejudica o outro. Não há dúvida de que o cancelamento de voos aéreos e as quebras no número de turistas a visitar o nosso País teve impacto na procura imobiliária por estrangeiros.
Qual é o ponto de situação da procura estrangeira?
Continuamos a ter procura por estrangeiros, mas não aos níveis pré-pandemia, pelo menos para já. Sobre este ponto é absolutamente fundamental que haja uma visão estratégia de recuperação que passe pelo investimento estrangeiro, tal como aconteceu na anterior crise. Tal passa obrigatoriamente pela manutenção de programas como os Vistos Gold ou o Regime Fiscal para Residentes não Habituais. Países como a Espanha, Grécia ou Itália estão já a trabalhar nesse sentido, e se perdermos o “comboio”, iremos perder este investimento para os nossos concorrentes diretos.
O Governo deve recuar no travão aos Vistos Gold, que estava previsto no Orçamento de Estado para 2020?
Sem dúvida, é fundamental que se dê um passo atrás neste aspeto. Esta pandemia veio acentuar a importância que o investimento estrangeiro tem no desenvolvimento e manutenção de determinados sectores económicos, e não há dúvida de que o imobiliário é um deles, pelo que me parece óbvia a necessidade de recuar face à autorização legislativa prevista no OE2020, e também nas alterações ao Regime Fiscal para Residentes Não Habituais.
Ao invés de tentar travar o investimento estrangeiro, o nosso papel deverá ser o de o voltar a captar, através de programas como estes, integrados numa estratégia de recuperação. Tenhamos em conta que um euro investido por estrangeiros no imobiliário se multiplica rapidamente por quatro ou cinco, tendo também um impacto significativo no aumento de receita para o Estado através dos impostos.
Acredita que Portugal se manterá na linha de interesse dos investidores estrangeiros?
Claro! O País continua a ter as mesmas qualidades que fizeram dele um porto seguro de investimentos no sector imobiliário! Temos um País absolutamente incrível: seguro, com bom clima, boa gastronomia, boa qualidade de vida e continuamos a ter grandes oportunidades de investimento no setor imobiliário, sobretudo se for feita uma aposta na descentralização deste investimento para fora das principais cidades. Apesar de os tempos próximos serem de incerteza, que se refletirá necessariamente numa quebra da procura estrangeira, estou convicto que, ultrapassada toda esta questão sanitária, continuaremos nos lugares cimeiros no panorama da captação de investimento.
O alojamento local ressentiu-se particularmente. O que vai acontecer a estes ativos: vão ser dirigidos para o mercado de arrendamento ou é expectável que entrem no mercado de compra e venda?
Enquanto profissional imobiliário, a minha recomendação é de que estes ativos sejam dirigidos para o mercado de arrendamento urbano de longa duração, sobretudo neste período em que se estima uma maior dificuldade na concessão de crédito para compra de habitação, logo uma maior procura no mercado de arrendamento que também tem falta de ativos para dar resposta à procura.
Apesar de a rentabilidade ser inferior àquela que seria obtida no mercado de alojamento local, é muito mais segura, o que é particularmente relevante neste período de incerteza em que não há qualquer previsão sobre quando o turismo poderá começar a recuperar, o que, na minha opinião, ainda vai levar algum tempo. Assim sendo, é preferível que obtenham rendimento num mercado seguro, ajudando também a dar resposta aos problemas habitacionais que se verificam no País do que ficar a aguardar por uma recuperação do setor turístico que poderá tardar a chegar.
No entanto, poderá haver pessoas que investiram no Alojamento Local a contar com determinada rentabilidade, que não conseguirão retirar do arrendamento urbano, e sem a qual não conseguirão assumir os seus compromissos. Nesses casos, é natural que haja uma procura pela venda do imóvel.
É expectável que os bancos “fechem” a torneira do crédito à habitação?
Não que fechem, mas é natural que haja uma maior dificuldade no acesso ao crédito, assente no impacto no aumento da instabilidade laboral (desemprego, empresas em “lay-off”…), que obrigará a uma análise de risco mais efetiva.
O fim das moratórias no crédito à habitação está previsto para março do próximo ano. Quais as consequências que terá no panorama imobiliário?
Sou um acérrimo defensor das moratórias de crédito e bati-me pela sua extensão de seis para doze meses. Creio que este tipo de medidas que não têm impacto orçamental para o Estado são absolutamente fundamentais para apoiar as famílias em maior dificuldade por resultado da pandemia, e também para evitar o crescimento do crédito malparado.
Neste momento, ainda não sabemos qual será o ponto de situação em março do ano que vem, mas as perspetivas não são animadoras e há um facto inegável: estamos a viver uma crise económica sem precedentes e com impactos diretos no rendimento das famílias. Parece-me que poderá ser necessária uma reavaliação destas moratórias e um eventual prolongamento, que beneficiará a própria banca, pela necessidade de aumento de provisões. Para o mercado imobiliário, poderia ser também uma decisão benéfica, impedido que eventuais questões mais emocionais relacionadas com a gestão financeira das famílias leve as pessoas ao desespero e, consequentemente, à necessidade de vender os imóveis com relativa rapidez, o que poderá ter impacto numa eventual desvalorização do património construído.
Quais as oportunidades que esta crise poderá trazer ao setor imobiliário?
De facto, costuma-se dizer que as crises trazem sempre oportunidades, que neste caso em particular serão também desafios. Temos pela frente uma oportunidade de apostar na dinamização do mercado de arrendamento e de captação de investimento para este segmento, que se espera que cresça. Temos também uma oportunidade na captação de não residentes para o País, que não sendo imediata, poderá ser promovida pela generalização do teletrabalho pela segurança e dimensão e localização estratégica de Portugal.