É de esperar um aumento do valor agregado de cada operação de fusão e aquisição
As operações de fusões e aquisições, no mercado nacional, registaram comportamentos diferentes, de acordo com a dimensão das entidades envolvidas, com as grandes organizações a revelarem uma tendência de crescimento, ao longo do ano em curso. Para o próximo exercício, os movimentos terão mais a ver com os setores, com destaque para aqueles que beneficiaram da pandemia, como são os casos da tecnologia ou da saúde. Também são de esperar incorporações de empresas fragilizadas na esfera jurídica de grupos que estão com liquidez e uma situação financeira sólida, de acordo com João Corte Real.
Qual o balanço que faz da atividade de fusões e aquisições para o ano em curso e o que perspetiva para 2021?
O corrente ano destaca-se como um dos mais difíceis na memória recente devido aos profundos problemas – sociais e económicos – causados pela pandemia global decorrente da crise sanitária provocada pela Covid-19, pelo que o mercado das fusões e aquisições não poderia ficar indiferente a este fenómeno. Assim, no que diz respeito ao mercado transacional, e de acordo com os indicadores da plataforma TTR – “Transactional Track Record”, podemos constatar que o investimento estrangeiro foi o primeiro a ressentir-se; veja-se o exemplo dos Estados Unidos, que reduziu as suas aquisições em Portugal em expressivos 62%. Por outro lado, o mercado totalizou até ao final do passado mês de outubro 306 operações, das quais 113 correspondem ao montante de EUR 15,5 mil milhões. Analisando os números do relatório do terceiro trimestre, foram registadas 248 operações, das quais 113 tiveram valor divulgado que soma EUR 20,4 mil milhões, o que compara YoY com uma diminuição de 26% no número de transações e um aumento de 90% do valor agregado movimentado. Perante este panorama, o qual se manteve durante todo o ano, é fácil compreender que as transações envolvendo menor expressão financeira e, quiçá, complexidade se reduziram, no entanto, operações de média e elevada dimensão, com valores monetários de grande ordem e com complexidade que reclama alta especialização, não só continuaram a ter o seu espaço como têm vindo a crescer significativamente, tendo por referência os períodos homólogos do ano transato.
Perspetivando o ano 2021, em termos macroeconómicos, pese embora Portugal esteja em rota de recuperação, julgamos demasiado otimista admitir o regresso do PIB aos níveis anteriores à pandemia. Devido à paragem abrupta e perturbação contínua da atividade, de acordo com os principais institutos de estatística, em valores médios, o PIB português deverá registar uma contração em 2020 entre 7,5% e 9,8%, sendo que em 2021 cresceria entre 3,0% e 6,3%, com o FMI a avançar 6,5%.
Neste cenário, atendendo às profundas mudanças estruturais impostas a Portugal e à União Europeia em razão das fragilidades expostas associadas ao atual modelo económico, financeiro e industrial, mais aparentes com a quebra nos elos de ligação entre cadeias de produção/distribuição e os fornecedores de bens e/ou serviços em determinados setores, mantemo-nos moderadamente otimistas quanto à performance do mercado transacional em 2021, sendo a crise ambiente propício de oportunidades para entidades com liquidez – tendo o capital acumulado pelas entidades sido contabilizado em níveis recorde até à paragem abrupta da atividade – de modo a que quem esteja em posição de participar na inevitável transformação social e económica certamente potenciará o aumento de operações M&A através da aquisição cirúrgica de entidades que contribuam para o aumento da sua quota de mercado ou a sua consolidação, continuando a tendência já sentida relativa à diminuição do número concreto de transações realizadas, com o aumento paralelo do valor agregado de cada operação.
A política monetária expansionista do Banco Central Europeu, a qual tem como objetivo aumentar a liquidez de moeda na economia e reduzir os juros, contribuindo para o investimento, continuará a ter um papel fundamental ao criar condições favoráveis para o financiamento destas transações.
Voltando a este ano, na sua perspetiva, perante a atual conjuntura socioeconómica, tomando em consideração o “feedback” obtido de alguns dos principais “players” atuantes no mercado, será melhor desinvestir? Ou existem oportunidades estratégicas no plano de M&A que merecem um real investimento?
Historicamente, o clima de crise económica, imprevisibilidade e incerteza sempre augurou o aumento das oportunidades para a realização de operações de M&A.
Aliás, a procura pela eficiência empresarial, acentuada pela crise sentida, faz realizar a necessidade de reestruturação ou investimento, a qual pode materializar-se em aquisições atinentes ao domínio total, hostis ou não, bem como em incorporações de estruturas na esfera jurídica da própria entidade mediante uma das modalidades de fusão legalmente previstas.
Neste particular, o feedback recebido de players do mercado e clientes tem sido positivo – ainda que cauteloso – no sentido de acreditarem que “o pior já passou”, vendo de igual modo uma oportunidade de investimento nesta economia imprevisível.
Assim, cremos serem de considerar investimentos em função da natureza cíclica dos setores influenciados – positiva ou negativamente – pelo fenómeno pandémico de acordo com a maior ou menor flutuação do valor dos ativos, alienando, quando em alta, e procurando transações para aquisição de negócios em elevado stress, sendo aconselhável a diversificação do portfolio.
Face ao exposto, naturalmente que entidades no setor da saúde, da tecnologia (esta especialmente em virtude da adaptação digital da sociedade necessária em todos os planos da nossa vida) e da logística viram a sua posição consolidada
Contrastam com as atividades ora referidas aquelas que sejam fortemente restringidas, e, nalguns casos, mesmo proibidas, pela pandemia, pelo que estas sempre estarão mais vulneráveis a constituir alvos de operações M&A contra a sua vontade, designadamente, no setor do turismo, hotelaria, restauração, aviação, bares, discotecas e animadores e da banca, podendo prever-se um impacto negativo neste segmento após o fim das moratórias de crédito com o aumento do crédito malparado que se adivinha, configurando estas boas oportunidades de investimento.
Por fim, o setor do imobiliário continua em destaque como uma das forças motrizes da economia portuguesa, sendo o mais animado do ano, com 64 transações, segundo a TTR.
É possível, na sua ótica, neste ambiente de crise, conseguir um aumento de negócio e da própria estrutura societária de uma empresa através de operações de M&A? Poderá ser um instrumento essencial para responder a crises futuras?
No seio desta crise é possível aumentar o negócio e a estrutura societária de uma empresa, desde que, contando com, uma sequência de aquisições e/ou fusões bem planeadas em sede de M&A, com a identificação de “targets” nos setores estratégicos acima identificados, com o objetivo de adquirir ou incorporar entidades cuja flutuação negativa dos ativos permita o melhor custo de oportunidade por forma a aumentar a eficiência e ganhos, acoplada com o necessário acompanhamento especializado para garantia da legalidade de todos os procedimentos jurídicos em causa.
As entidades que estejam a passar muitas dificuldades também têm vantagens em ser adquiridas pela sociedade mãe ou incorporadas numa entidade ou grupo com robustez e solidez económica, permitindo a sobrevivência do substrato pessoal do seu centro de organização empresarial e, quiçá, mantendo até alguma da sua autonomia, dependendo do tipo de operação projetada.
Por outro lado, o processo de insolvência poderá configurar um mecanismo viável para a aquisição de empresas em dificuldades e dos negócios por estas prosseguidos, os quais passariam a ser assumidos por credores que demonstrem essa intenção no âmbito deste tipo de processos, nomeadamente, através da homologação de um plano de insolvência que poderá prever (i) um aumento do capital social, em dinheiro ou em espécie, a subscrever por terceiros ou por credores, nomeadamente mediante a conversão de créditos em participações sociais, ou (ii) a constituição de uma ou mais sociedades destinadas à exploração de um ou mais estabelecimentos adquiridos à massa insolvente, conforme previsto nos artigos 198.º e 199.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). Acresce ainda que, prestes a ser aprovado pelo Parlamento, se encontra um novo mecanismo excecional com carácter temporário e urgente, designado pelo Governo como “Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE), especificamente desenhado para empresas em situação económica difícil ou de insolvência, iminente ou atual, em virtude da Covid-19, o qual pretende, no mais, agilizar a recuperação de empresas viáveis, determinando a prioridade na tramitação deste processo sobre os demais de natureza urgente, bem como tornando por exemplo possível a redução da taxa de juros de mora de créditos tributários, em desvio ao princípio geral da intangibilidade dos créditos tributários, e eliminando mesmo a fase da reclamação de créditos. Estes institutos constituem outros meios de reestruturação e/ou de aquisição de entidades societárias, consubstanciando, deste modo, instrumentos essenciais para responder a crises futuras mediante a consolidação das estruturas por esta via.