Contratos – alteração das circunstâncias em Cabo Verde
Carla Monteiro
Sócia da Carla Monteiro
& Associados
Atualmente vivemos numa situação de pandemia provocada pelo vírus vulgarmente denominado de Covid-19. Sendo uma epidemia que está a atravessar fronteiras internacionais, afetando pessoas numa escala mundial, a pandemia da Covid-19 tem consequências não apenas de ordem biomédica e epidemiológica em escala mundial, mas também consequências e impactos em outras vertentes da sociedade, mormente social, económico, político, cultural e histórico.
No que toca a Cabo Verde, não obstante todas as leis aprovadas e medidas adotadas pelo Governo bem como as variadas recomendações feitas pelas entidades nacionais competentes, ainda não foi possível evitar a propagação da Covid-19, para além da agravação acentuada na Europa, com especial foco para os países emissores de turistas para Cabo Verde. Sendo que, principalmente pela paralisação do sector do turismo há exactamente um ano, o país vem sofrendo efeitos financeiros e económicos devastadores.
Nesta senda, a pandemia da Covid-19 veio obrigar a transformações nas diversas vertentes da sociedade, obrigando, mais do que nunca, as pessoas a ponderarem as suas atuações e decisões, ou ainda a modificar decisões já tomadas (anteriores à divulgação da pandemia da Covid-19).
A área do direito não foge à regra, sendo que, por força da pandemia da Covid-19, as pessoas foram obrigadas a refletir sobre a intenção de contratar determinado serviço, ou mesmo a modificar contratos já existentes (anteriores à divulgação da pandemia da Covid-19).
Sobre esse tema, no que tange ao ordenamento jurídico cabo-verdiano, para fazer face à nova realidade provocada pela pandemia da Covid 19, o Código Civil prevê que, se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato (nos termos do n.º 1 do artigo 437.º).
Ora, conforme resulta da referida disposição legal, não basta haver uma anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar para que a parte lesada reclame ou exija a resolução ou modificação do respetivo contrato, é obrigatória a verificação de mais dois requisitos legais, mormente a anormal alteração das circunstâncias não estar coberta pelos riscos próprios do respetivo contrato e que a exigência das obrigações contratuais assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé.
Nos termos da supra citada disposição legal, a alteração anormal das circunstâncias refere-se a uma modificação invulgar da base negocial em que as partes tenham fundado a celebração do contrato, sendo que essa base negocial, no âmbito da alteração das circunstâncias, assume natureza objetiva e deve respeitar juntamente a ambas as partes contratantes.
Por outro lado, a alteração anormal das circunstâncias deve ser considerável e relevante, ou seja, deve assumir proporções tais que subvertam a própria economia do contrato, tornando-o lesivo para uma das partes contratantes no sentido de, caso o respetivo contrato se mantenha nos termos em que foi celebrado, a exigência das obrigações por ela assumidas, sem se mostrar coberta pelos riscos próprios do contrato, afete gravemente os princípios da boa-fé.
Conforme resulta da disposição legal supra citada, o princípio da boa-fé tem um peso significativo na resolução ou modificação do contrato devido a anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, pelo que devemos debruçar-nos sobre esse ponto.
Ora, a boa-fé assume feição de uma regra ética de conduta, sendo que no direito é fonte de novos deveres de conduta anexos à relação contratual, limite dos direitos subjetivos advindos da autonomia da vontade, bem como norma de interpretação (observar a real intenção do contraente) e integração do contrato.
O princípio da boa fé distingue-se em boa-fé subjetiva e objetiva, sendo que a boa fé subjetiva está relacionada com a intenção do agente (oposto da má-fé), já a boa-fé objetiva está relacionada com um comportamento, com o respeito à intenção do pactuado ou da promessa, ao agir com lealdade jurídica.
Por conseguinte, dentro do caso em análise, a boa-fé objetiva nada mais é do que uma exigência de uma conduta leal por parte dos contratantes, sendo que as partes contratantes devem observar os deveres que estão relacionados com a conduta de uma relação contratual.
Por fim, o último requisito legal prende-se com o facto de a anormal alteração das circunstâncias não estar coberta pelos riscos próprios do contrato. Sobre esse requisito, como é obvio, teremos que analisar a tipologia e características do contrato em questão, devendo ser feito caso a caso, de modo a determinar se efetivamente a própria natureza do contrato não prevê essa possibilidade. De qualquer modo, no que tange à situação vivida pela pandemia da Covid-19, salvo alguma exceção, sendo um caso de força maior, entende-se que dificilmente as atuais circunstâncias estejam cobertas pelo risco do próprio contrato.
Porém, não obstante a verificação dos referidos pressupostos legais, é entendimento bem assente no ordenamento jurídico cabo-verdiano, nomeadamente na doutrina, que a resolução ou modificação do contrato por anormal alteração das circunstâncias não pode ser visto como regra geral, devendo-se verificar excecionalmente e em situações de maior necessidade.
Ora, de facto, a resolução ou modificação do contrato por anormal alteração das circunstâncias deve ter uma natureza excecional, já que a segurança e certeza jurídica assim o exigem, pois é preciso salvaguardar o princípio da estabilidade dos contratos.
Por outro lado, não basta apenas invocar a anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, é sempre necessário fazer a obrigatória prova dos factos, de forma a permitir que, numa ação judicial, o tribunal decida em conformidade, sendo que, nos termos legais, o ónus da prova recaisobre a parte que invoca tal situação.
Ademais, no ordenamento jurídico cabo-verdiano, grande parte da doutrina defende que a resolução ou modificação unilateral do contrato por força da anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar deve ser reconhecida e decretada judicialmente, não podendo ser reclamada unilateralmente por via extrajudicial, pois é necessário que uma entidade terceira e legalmente competente, no caso o tribunal judicial, certifique a verificação dos pressupostos legais para decretar a resolução ou modificação do contrato.
Em suma, no âmbito da pandemia da Covid-19, de forma abstrata e a título de exemplo, no caso de um contrato celebrado antes da pandemia da Covid-19, ponderando as consequências da pandemia poderia ser suficiente para concluir pela existência de uma anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, bem como o facto de a exigência das obrigações contratuais assumidas afetar gravemente os princípios da boa-fé, no entanto, para que pudesse ser decretada a resolução ou modificação do contrato seria ainda preciso verificar o último requisito legal, mormente, o facto de a situação não estar coberta pelos riscos próprios do contrato.
No que toca a Cabo Verde, não obstante todas as leis aprovadas e medidas adotadas pelo Governo bem como as variadas recomendações feitas pelas entidades nacionais competentes, ainda não foi possível evitar a propagação da Covid-19, para além da agravação acentuada na Europa, com especial foco para os países emissores de turistas para Cabo Verde. Sendo que, principalmente pela paralisação do sector do turismo há exactamente um ano, o país vem sofrendo efeitos financeiros e económicos devastadores.
Nesta senda, a pandemia da Covid-19 veio obrigar a transformações nas diversas vertentes da sociedade, obrigando, mais do que nunca, as pessoas a ponderarem as suas atuações e decisões, ou ainda a modificar decisões já tomadas (anteriores à divulgação da pandemia da Covid-19).
A área do direito não foge à regra, sendo que, por força da pandemia da Covid-19, as pessoas foram obrigadas a refletir sobre a intenção de contratar determinado serviço, ou mesmo a modificar contratos já existentes (anteriores à divulgação da pandemia da Covid-19).
Sobre esse tema, no que tange ao ordenamento jurídico cabo-verdiano, para fazer face à nova realidade provocada pela pandemia da Covid 19, o Código Civil prevê que, se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato (nos termos do n.º 1 do artigo 437.º).
Ora, conforme resulta da referida disposição legal, não basta haver uma anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar para que a parte lesada reclame ou exija a resolução ou modificação do respetivo contrato, é obrigatória a verificação de mais dois requisitos legais, mormente a anormal alteração das circunstâncias não estar coberta pelos riscos próprios do respetivo contrato e que a exigência das obrigações contratuais assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé.
Nos termos da supra citada disposição legal, a alteração anormal das circunstâncias refere-se a uma modificação invulgar da base negocial em que as partes tenham fundado a celebração do contrato, sendo que essa base negocial, no âmbito da alteração das circunstâncias, assume natureza objetiva e deve respeitar juntamente a ambas as partes contratantes.
Por outro lado, a alteração anormal das circunstâncias deve ser considerável e relevante, ou seja, deve assumir proporções tais que subvertam a própria economia do contrato, tornando-o lesivo para uma das partes contratantes no sentido de, caso o respetivo contrato se mantenha nos termos em que foi celebrado, a exigência das obrigações por ela assumidas, sem se mostrar coberta pelos riscos próprios do contrato, afete gravemente os princípios da boa-fé.
Conforme resulta da disposição legal supra citada, o princípio da boa-fé tem um peso significativo na resolução ou modificação do contrato devido a anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, pelo que devemos debruçar-nos sobre esse ponto.
Ora, a boa-fé assume feição de uma regra ética de conduta, sendo que no direito é fonte de novos deveres de conduta anexos à relação contratual, limite dos direitos subjetivos advindos da autonomia da vontade, bem como norma de interpretação (observar a real intenção do contraente) e integração do contrato.
O princípio da boa fé distingue-se em boa-fé subjetiva e objetiva, sendo que a boa fé subjetiva está relacionada com a intenção do agente (oposto da má-fé), já a boa-fé objetiva está relacionada com um comportamento, com o respeito à intenção do pactuado ou da promessa, ao agir com lealdade jurídica.
Por conseguinte, dentro do caso em análise, a boa-fé objetiva nada mais é do que uma exigência de uma conduta leal por parte dos contratantes, sendo que as partes contratantes devem observar os deveres que estão relacionados com a conduta de uma relação contratual.
Por fim, o último requisito legal prende-se com o facto de a anormal alteração das circunstâncias não estar coberta pelos riscos próprios do contrato. Sobre esse requisito, como é obvio, teremos que analisar a tipologia e características do contrato em questão, devendo ser feito caso a caso, de modo a determinar se efetivamente a própria natureza do contrato não prevê essa possibilidade. De qualquer modo, no que tange à situação vivida pela pandemia da Covid-19, salvo alguma exceção, sendo um caso de força maior, entende-se que dificilmente as atuais circunstâncias estejam cobertas pelo risco do próprio contrato.
Porém, não obstante a verificação dos referidos pressupostos legais, é entendimento bem assente no ordenamento jurídico cabo-verdiano, nomeadamente na doutrina, que a resolução ou modificação do contrato por anormal alteração das circunstâncias não pode ser visto como regra geral, devendo-se verificar excecionalmente e em situações de maior necessidade.
Ora, de facto, a resolução ou modificação do contrato por anormal alteração das circunstâncias deve ter uma natureza excecional, já que a segurança e certeza jurídica assim o exigem, pois é preciso salvaguardar o princípio da estabilidade dos contratos.
Por outro lado, não basta apenas invocar a anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, é sempre necessário fazer a obrigatória prova dos factos, de forma a permitir que, numa ação judicial, o tribunal decida em conformidade, sendo que, nos termos legais, o ónus da prova recaisobre a parte que invoca tal situação.
Ademais, no ordenamento jurídico cabo-verdiano, grande parte da doutrina defende que a resolução ou modificação unilateral do contrato por força da anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar deve ser reconhecida e decretada judicialmente, não podendo ser reclamada unilateralmente por via extrajudicial, pois é necessário que uma entidade terceira e legalmente competente, no caso o tribunal judicial, certifique a verificação dos pressupostos legais para decretar a resolução ou modificação do contrato.
Em suma, no âmbito da pandemia da Covid-19, de forma abstrata e a título de exemplo, no caso de um contrato celebrado antes da pandemia da Covid-19, ponderando as consequências da pandemia poderia ser suficiente para concluir pela existência de uma anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, bem como o facto de a exigência das obrigações contratuais assumidas afetar gravemente os princípios da boa-fé, no entanto, para que pudesse ser decretada a resolução ou modificação do contrato seria ainda preciso verificar o último requisito legal, mormente, o facto de a situação não estar coberta pelos riscos próprios do contrato.