As vicissitudes nos contratos e a alteração de paradigma em Angola
Andreia Costa Ana Gouveia
Advogada Associada Advogada Associada
Principal RSA-LP RSA-LP
No último ano o mundo conheceu uma realidade que obrigou a um esforço profundo de readaptação. Sendo o quotidiano um aglomerado de relações jurídicas, não tardou a que os agentes económicos reanalisassem os seus contratos, em busca de soluções que fizessem face às dificuldades provocadas pela nova e imprevisível realidade.
Não tendo podido as empresas angolanas contar com medidas como o “layoff” e apoios a fundo perdido, os contraentes, regra geral, tiveram que se suportar no que já estava acautelado pelos seus contratos e nas regras gerais do direito.
É desse esforço de adaptar as expectativas do passado à realidade atual que se debate agora, de forma mais regular, a questão legal das vicissitudes dos contratos, da alteração das circunstâncias, da força maior e do não cumprimento por impossibilidade e mora não imputáveis ao devedor da prestação.
Em Angola, a abordagem a esta temática conheceu semelhantes precedentes em 2015 quando no país se instalou, de forma profunda, uma crise cambial/financeira durante a qual assistimos à escassez de moeda estrangeira e à desvalorização da moeda nacional, impactando o cumprimento das obrigações de muitos contratos que previam o pagamento do preço em moeda estrangeira e cujos respetivos pagamentos afinal tiveram de ser feitos em Kwanza, entretanto altamente desvalorizada.
Acreditamos que, por súbita e nova, esta circunstância não estava prevista na maior parte das relações contratuais à época vigentes, levando as partes a modificarem a cláusula do preço e pagamento, passando a determinar, na maior parte dos casos, que o mesmo passaria a ser realizado em Kwanzas, indexado, no entanto, à taxa de uma moeda estrangeira.
Hoje, em Angola, será muito raro que um contrato não preveja cláusulas que façam face à flutuação cambial, numa tentativa de garantir o equilíbrio contratual.
Tanto essa crise como a pandemia constituem circunstâncias que causaram alterações abruptas e anormais das condições económicas e sociais, obrigando ao reajuste transversal das relações contratuais.
Também as medidas legislativas de combate à pandemia continuam a afetar as relações jurídicas e a dinâmica contratual, na medida em que tornaram comum que uma das partes se visse impossibilitada de cumprir com as suas obrigações ou que o seu cumprimento se tornasse excessivamente oneroso.
Não se encontrando sempre gizado no próprio contrato o caminho para a restituição do equilíbrio e da equidade, nomeadamente através da estatuição de cláusulas de força maior (“CFM”) e/ou de alteração de circunstâncias, resta aos contraentes, na ausência destas, recorrer ao regime geral do Código Civil (“CC”) e do ordenamento jurídico.
Neste cenário importa distinguir as situações em que a circunstância excecional e imprevisível acarreta a impossibilidade de cumprir com a prestação dos casos em que o cumprimento da prestação é possível, porém excessivamente onerosa, provocando um substancial desequilíbrio contratual.
As primeiras situações são comumente acauteladas com a previsão de CFM que vêm estabelecer as regras caso ocorram determinados eventos definidos como eventos de força maior (“EFM”), sendo considerados como tal os eventos que fogem ao risco normal do negócio, imprevisíveis, que estão fora do controlo das partes e que impedem a prestação da obrigação.
Porém, entendemos não bastar a existência de uma CFM e a ocorrência de um evento designado de força maior para que a cláusula possa ser acionada, devendo antes ser verificado um nexo de causalidade entre o EFM e a impossibilidade de prestar, assumindo tal nexo particular relevância nos casos em que coexiste mais do que uma causa para a impossibilidade de prestar. Por exemplo, muitas empresas angolanas já se debatiam com dificuldades no cumprimento pontual dos contratos (crise cambial) quando ocorreu a pandemia. Sendo a situação pandémica prevista como um EFM, mas não a crise cambial, poderá ser duvidosa a aplicabilidade desta cláusula, que em tudo dependerá, na nossa opinião, da capacidade da parte faltosa em conseguir determinar em que medida a pandemia é a causa de força maior que determina a impossibilidade de prestar.
Situação diferente é a prestação da obrigação ainda ser possível, porém demasiado onerosa para o prestador, acarretando um profundo desequilíbrio contratual, consubstanciando esta situação, para efeitos do CC, na alteração das circunstâncias, na qual se permite às partes terminar/modificar o contrato segundo juízos de equidade.
Nos termos previstos no CC, as partes só podem recorrer a este instituto se se verificarem os seguintes pressupostos: (i) as alterações serem supervenientes, imprevisíveis e anormais, portanto, fora dos riscos normais do contrato; (ii) terem afetado a base do negócio, quer as circunstâncias relevantes para o negócio como a formação da vontade das partes em contratar; (iii) terem causado a quem presta um dano capaz de provocar um substancial desequilíbrio contratual, sendo por isso atentatório aos princípios da boa fé contratual exigir a prestação da obrigação.
Não obstante a previsão legal deste instituto, será vantajoso às partes estabelecerem uma cláusula de “harship” no contrato, para que assim possam renegociar o contrato caso ocorra uma modificação substancial das circunstâncias fundadoras do contrato capaz de afetar o equilíbrio contratual.
Ainda que existam cláusulas-modelo utilizadas no comércio internacional, tanto nestes casos como nos das CFM, acreditamos que o melhor será redigir cláusulas “taylor made” de modo a que atendam às especificidades do contrato e do contexto em que o mesmo se insere.
Embora o princípio “rebus sic stantibus” não se encontre expressamente previsto no ordenamento jurídico angolano, ambos os institutos da força maior e da alteração das circunstâncias são suas manifestações, a par do regime jurídico do não cumprimento por impossibilidade não imputável ao devedor, regime sobre o qual, dada a sua extensão, não nos podemos aqui debruçar. Embora respaldados neste princípio geral, a verdade é que o mesmo está em oposição, na medida em que os exceciona, a princípios basilares do direito contratual angolano, como os princípios do cumprimento pontual dos contratos e da segurança jurídica, que tendem a prevalecer sobre o princípio “rebus sic stantibus”, o que dificulta a aplicabilidade institutos aqui em referência.
O contexto atual pode vir a mudar a perspetiva das Partes na redação de futuros contratos, bem como da jurisprudência angolana, que é ainda escassa nestas matérias.
No seguimento do que já se referiu, estes institutos jurídicos fazem-se presentes em todas as áreas do direito, e por isso também no laboral.
Neste âmbito, a Lei Geral do Trabalho (“LGT”) prevê a possibilidade de o contrato de trabalho caducar por verificação de caso fortuito ou de força maior, contudo, e para tal operar não se poderá tratar de uma alteração de circunstâncias temporária, pois a ser assim o Empregador deverá optar por uma solução jurídica que não ponha em causa a subsistência do Trabalhador, e assim a dignidade da pessoa humana prevista na Constituição da República de Angola e na LGT.
Perante vicissitudes de cariz temporário a LGT prevê que o Empregador deva proceder, numa primeira fase, à modificação da relação contratual com o Trabalhador, dando para tal o legislador margem para que aquele reorganize a sua estrutura sem fazer periclitar a situação económico-social do Trabalhador, mantendo a relação contratual, e apenas não sendo possível – p.e com a extinção do posto de trabalho – se poderá recorrer à extinção desta relação com o pagamento da respetiva compensação.
Assim, no esforço de reorganização da sua estrutura, o Empregador pode transferir para funções diferentes ou para um novo local de trabalho os seus Trabalhadores.
Contudo, em algumas circunstâncias específicas, parece-nos que este poderá ser um regime pouco equitativo. Por exemplo, em Angola, no contexto Covid, quando, não havendo apoio semelhante ao “layoff”, os Empregadores ficaram obrigados à manutenção dos pagamentos das remunerações dos seus Trabalhadores, sem qualquer apoio do Estado, ainda que, muitas vezes, as respetivas atividades económicas tenham sido condicionadas/suspensas com consequentes quebras de faturação.
Este cenário fez com que os Empregadores tenham antes de mais recorrido à comunicação da caducidade dos Contratos de Trabalhos e, quando não possível, tenham sido criativos na implementação de alterações aos mesmos.
Face à circunstância de o regime laboral ser uma verdadeira amarra, difícil de quebrar num contexto de alteração de circunstâncias, podemos antever que, numa fase de ressaca da pandemia, os Empregadores sejam mais cautelosos nas respetivas contratações, quer seja através da constituição de vínculos contratuais precários, quer seja através da implementação de modelos contratuais mais flexíveis.
Não tendo podido as empresas angolanas contar com medidas como o “layoff” e apoios a fundo perdido, os contraentes, regra geral, tiveram que se suportar no que já estava acautelado pelos seus contratos e nas regras gerais do direito.
É desse esforço de adaptar as expectativas do passado à realidade atual que se debate agora, de forma mais regular, a questão legal das vicissitudes dos contratos, da alteração das circunstâncias, da força maior e do não cumprimento por impossibilidade e mora não imputáveis ao devedor da prestação.
Em Angola, a abordagem a esta temática conheceu semelhantes precedentes em 2015 quando no país se instalou, de forma profunda, uma crise cambial/financeira durante a qual assistimos à escassez de moeda estrangeira e à desvalorização da moeda nacional, impactando o cumprimento das obrigações de muitos contratos que previam o pagamento do preço em moeda estrangeira e cujos respetivos pagamentos afinal tiveram de ser feitos em Kwanza, entretanto altamente desvalorizada.
Acreditamos que, por súbita e nova, esta circunstância não estava prevista na maior parte das relações contratuais à época vigentes, levando as partes a modificarem a cláusula do preço e pagamento, passando a determinar, na maior parte dos casos, que o mesmo passaria a ser realizado em Kwanzas, indexado, no entanto, à taxa de uma moeda estrangeira.
Hoje, em Angola, será muito raro que um contrato não preveja cláusulas que façam face à flutuação cambial, numa tentativa de garantir o equilíbrio contratual.
Tanto essa crise como a pandemia constituem circunstâncias que causaram alterações abruptas e anormais das condições económicas e sociais, obrigando ao reajuste transversal das relações contratuais.
Também as medidas legislativas de combate à pandemia continuam a afetar as relações jurídicas e a dinâmica contratual, na medida em que tornaram comum que uma das partes se visse impossibilitada de cumprir com as suas obrigações ou que o seu cumprimento se tornasse excessivamente oneroso.
Não se encontrando sempre gizado no próprio contrato o caminho para a restituição do equilíbrio e da equidade, nomeadamente através da estatuição de cláusulas de força maior (“CFM”) e/ou de alteração de circunstâncias, resta aos contraentes, na ausência destas, recorrer ao regime geral do Código Civil (“CC”) e do ordenamento jurídico.
Neste cenário importa distinguir as situações em que a circunstância excecional e imprevisível acarreta a impossibilidade de cumprir com a prestação dos casos em que o cumprimento da prestação é possível, porém excessivamente onerosa, provocando um substancial desequilíbrio contratual.
As primeiras situações são comumente acauteladas com a previsão de CFM que vêm estabelecer as regras caso ocorram determinados eventos definidos como eventos de força maior (“EFM”), sendo considerados como tal os eventos que fogem ao risco normal do negócio, imprevisíveis, que estão fora do controlo das partes e que impedem a prestação da obrigação.
Porém, entendemos não bastar a existência de uma CFM e a ocorrência de um evento designado de força maior para que a cláusula possa ser acionada, devendo antes ser verificado um nexo de causalidade entre o EFM e a impossibilidade de prestar, assumindo tal nexo particular relevância nos casos em que coexiste mais do que uma causa para a impossibilidade de prestar. Por exemplo, muitas empresas angolanas já se debatiam com dificuldades no cumprimento pontual dos contratos (crise cambial) quando ocorreu a pandemia. Sendo a situação pandémica prevista como um EFM, mas não a crise cambial, poderá ser duvidosa a aplicabilidade desta cláusula, que em tudo dependerá, na nossa opinião, da capacidade da parte faltosa em conseguir determinar em que medida a pandemia é a causa de força maior que determina a impossibilidade de prestar.
Situação diferente é a prestação da obrigação ainda ser possível, porém demasiado onerosa para o prestador, acarretando um profundo desequilíbrio contratual, consubstanciando esta situação, para efeitos do CC, na alteração das circunstâncias, na qual se permite às partes terminar/modificar o contrato segundo juízos de equidade.
Nos termos previstos no CC, as partes só podem recorrer a este instituto se se verificarem os seguintes pressupostos: (i) as alterações serem supervenientes, imprevisíveis e anormais, portanto, fora dos riscos normais do contrato; (ii) terem afetado a base do negócio, quer as circunstâncias relevantes para o negócio como a formação da vontade das partes em contratar; (iii) terem causado a quem presta um dano capaz de provocar um substancial desequilíbrio contratual, sendo por isso atentatório aos princípios da boa fé contratual exigir a prestação da obrigação.
Não obstante a previsão legal deste instituto, será vantajoso às partes estabelecerem uma cláusula de “harship” no contrato, para que assim possam renegociar o contrato caso ocorra uma modificação substancial das circunstâncias fundadoras do contrato capaz de afetar o equilíbrio contratual.
Ainda que existam cláusulas-modelo utilizadas no comércio internacional, tanto nestes casos como nos das CFM, acreditamos que o melhor será redigir cláusulas “taylor made” de modo a que atendam às especificidades do contrato e do contexto em que o mesmo se insere.
Embora o princípio “rebus sic stantibus” não se encontre expressamente previsto no ordenamento jurídico angolano, ambos os institutos da força maior e da alteração das circunstâncias são suas manifestações, a par do regime jurídico do não cumprimento por impossibilidade não imputável ao devedor, regime sobre o qual, dada a sua extensão, não nos podemos aqui debruçar. Embora respaldados neste princípio geral, a verdade é que o mesmo está em oposição, na medida em que os exceciona, a princípios basilares do direito contratual angolano, como os princípios do cumprimento pontual dos contratos e da segurança jurídica, que tendem a prevalecer sobre o princípio “rebus sic stantibus”, o que dificulta a aplicabilidade institutos aqui em referência.
O contexto atual pode vir a mudar a perspetiva das Partes na redação de futuros contratos, bem como da jurisprudência angolana, que é ainda escassa nestas matérias.
No seguimento do que já se referiu, estes institutos jurídicos fazem-se presentes em todas as áreas do direito, e por isso também no laboral.
Neste âmbito, a Lei Geral do Trabalho (“LGT”) prevê a possibilidade de o contrato de trabalho caducar por verificação de caso fortuito ou de força maior, contudo, e para tal operar não se poderá tratar de uma alteração de circunstâncias temporária, pois a ser assim o Empregador deverá optar por uma solução jurídica que não ponha em causa a subsistência do Trabalhador, e assim a dignidade da pessoa humana prevista na Constituição da República de Angola e na LGT.
Perante vicissitudes de cariz temporário a LGT prevê que o Empregador deva proceder, numa primeira fase, à modificação da relação contratual com o Trabalhador, dando para tal o legislador margem para que aquele reorganize a sua estrutura sem fazer periclitar a situação económico-social do Trabalhador, mantendo a relação contratual, e apenas não sendo possível – p.e com a extinção do posto de trabalho – se poderá recorrer à extinção desta relação com o pagamento da respetiva compensação.
Assim, no esforço de reorganização da sua estrutura, o Empregador pode transferir para funções diferentes ou para um novo local de trabalho os seus Trabalhadores.
Contudo, em algumas circunstâncias específicas, parece-nos que este poderá ser um regime pouco equitativo. Por exemplo, em Angola, no contexto Covid, quando, não havendo apoio semelhante ao “layoff”, os Empregadores ficaram obrigados à manutenção dos pagamentos das remunerações dos seus Trabalhadores, sem qualquer apoio do Estado, ainda que, muitas vezes, as respetivas atividades económicas tenham sido condicionadas/suspensas com consequentes quebras de faturação.
Este cenário fez com que os Empregadores tenham antes de mais recorrido à comunicação da caducidade dos Contratos de Trabalhos e, quando não possível, tenham sido criativos na implementação de alterações aos mesmos.
Face à circunstância de o regime laboral ser uma verdadeira amarra, difícil de quebrar num contexto de alteração de circunstâncias, podemos antever que, numa fase de ressaca da pandemia, os Empregadores sejam mais cautelosos nas respetivas contratações, quer seja através da constituição de vínculos contratuais precários, quer seja através da implementação de modelos contratuais mais flexíveis.