Notas sobre a resolução por justa causa dos contratos duradouros
Lurdes Vargas*
Professora na Faculdade de Direito
da Universidade Lusófona
Este artigo pretende ser um despretensioso contributo teórico-prático para a clarificação do regime da resolução dos contratos duradouros, um regime que apresenta diferenças significativas relativamente ao da resolução dos contratos de execução instantânea, sobretudo quanto aos pressupostos.
A resolução por incumprimento
A existência de atribuições recíprocas num contrato reclama, perante o incumprimento de uma das partes, um mecanismo extintivo: a resolução do contrato.
Perante o incumprimento de uma parte, a outra parte pode proceder à resolução do contrato, libertando-se do vínculo contratual e recuperando a prestação realizada. Este é o princípio (art. 801.º, 2 CC).
Não é qualquer incumprimento que justifica uma tal extinção do contrato. Apenas o incumprimento definitivo, tal como resulta da articulação do art. 801.º, 2 com o art. 808.º. Um incumprimento definitivo que resulte da perda do interesse do credor na prestação(1), do esgotamento de prazo fixado em interpelação admonitória ou da recusa do devedor em cumprir.
Se o incumprimento deve ser definitivo, ele não tem de ser culposo. A culpa não é pressuposto da resolução do contrato(2) pois esta não tem uma função sancionatória. Mas nem todo o incumprimento definitivo constitui fundamento de resolução. A função liberatória e recuperatória impõe que o incumprimento definitivo seja grave(3).
A resolução do contrato é liberatória e recuperatória, em regra com efeitos ex tunc. A retroactividade só é afastada quando contrária à finalidade da resolução (art. 434.º, 1).
Estes são os contornos essenciais da resolução por incumprimento reportada ao modelo paradigmático do contrato bilateral de execução instantânea.
A resolução por justa causa dos contratos duradouros
A peculiar conformação dos contratos duradouros reclama outras soluções, uma nova construção da resolução do contrato. Um contrato duradouro cria entre as partes uma dinâmica de cooperação e uma maior proximidade, com expectativas de durabilidade e continuidade, e a correlativa exigência de maior grau de confiança entre as partes.
Numa relação duradoura, a gravidade das perturbações do cumprimento exprime-se mais nos efeitos na continuidade da relação do que na gravidade do incumprimento. Num contrato duradouro, um incumprimento pouco grave ou mesmo uma perturbação diversa do incumprimento podem ter consequências graves no seu futuro, justificando a libertação de uma das partes. Do mesmo modo, uma simples mora pode afectar a normal continuidade da relação, impondo a cessação(4). E um incumprimento definitivo pode afinal não afectar a continuidade do contrato.
Se nos contratos de execução instantânea o fundamento da resolução é o incumprimento, nos contratos duradouros o fundamento deverá ser uma justa causa.
A resolução por justa causa integra o regime de vários contratos duradouros: locação – art. 1050.º; comodato – art. 1140.º; mandato e outros contratos de prestação de serviços duradouros – 1170.º, 2 e 1156.º; depósito oneroso – arts. 1194.º e 1201.º; contrato de trabalho – arts. 351.º e 394.º do CT; contrato de sociedade, civil e comercial – arts. 986.º, 1 e 1003.º CC, arts. 185.º, 1, b) e 2, e 186.º, 1 do CSC; consórcio – arts. 10.º e 30.º do DL n.º 231/81, de 28-07; agência, concessão comercial e franchising – art. 30.º do DL n.º 178/86, de 3-07(5).
Deste conjunto extrai-se um princípio geral da resolução por justa causa das relações contratuais duradouras (6 e 7).
Mas em que consiste a justa causa?
Na doutrina nacional, propõe-se um critério de concretização, a quebra da confiança, essencialmente associada a um juízo de prognose: ter-se-á de verificar se, atendendo à gravidade do incumprimento ou à sua repetição, o credor perdeu a confiança na contraparte no que respeita à execução das prestações subsequentes(8).
Há que recusar este critério. A justa causa pode basear-se numa perda de confiança na outra parte, mas não necessariamente. Será justa causa de resolução todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação. E poderá ser justa causa de resolução um facto que se liga à vida ou esfera de controle daquela parte a que a lei confere o direito de resolução – por exemplo, a necessidade urgente e inesperada do objeto dado em comodato pelo comodante (9).
Em Portugal, a inexigibilidade tem sido acolhida na doutrina(10) e na jurisprudência(11) como elemento de concretização do princípio da resolução por justa causa das relações duradouras, apesar da escassa consagração legislativa(12).
A resolução por justa causa fundada na inexigibilidade não se baseia na culpa e também não exige um acto ilícito. Pode tratar-se de incumprimento, de alteração das circunstâncias ou de uma modificação da situação pessoal de uma das partes. Mas não basta uma avaliação da continuidade da relação na perspetiva individual do resolvente. Requer uma ponderação dos interesses de ambas as partes.
Só constitui justa causa o facto ou situação que, ponderando as caraterísticas e finalidades da relação contratual e os interesses de ambas as partes, implique que não se possa exigir que a parte afectada continue a executar o contrato pelo seu período restante ou até decorrer o prazo de denúncia(13). Na essência, é o próprio contrato que fornece os parâmetros fundamentais de avaliação da viabilidade futura da relação(14).
Naturalmente, o limite da inexigibilidade de continuidade de um contrato dependerá da natureza da relação. Tratando-se de uma relação de especial confiança, o limiar da inexigibilidade deverá ser elevado. E a ponderação da resolução por justa causa deverá abranger os efeitos da extinção imediata do vínculo, com proporcionalidade e adequação. Quanto menor for o prazo restante do contrato, mais restrita deverá ser a admissibilidade de resolução por justa causa.
Quanto ao exercício, a resolução por justa causa opera, nos termos gerais, por declaração à outra parte. Em regra, a resolução por justa causa produzirá efeitos imediatos, mas nada impede que o resolvente estabeleça um prazo razoável para a produção dos efeitos. Esses efeitos serão ex nunc (art. 434.º, 2). O direito de resolução prescreve no prazo geral. Porém, pela natureza duradoura da relação, a resolução por justa causa deverá ser exercida num prazo razoável, para que outra parte não crie expectativas de continuidade do contrato.
Todo este regime da resolução por justa causa das relações duradouras será imperativo (art. 809.º CC, por analogia).
O princípio da resolução por justa causa das relações duradouras apoiado no critério da inexigibilidade enquadra-se numa leitura relacional dos contratos(15). Pondera-se se o contrato é viável avaliando-se a relação como um todo, decide-se extinguir a relação quando esta já não funciona no seu todo. A opção de destruição da relação pressupõe que esta já é, no fundo, inviável.
NOTAS:
1. O interesse do credor em sentido objectivo e assumido pela contraparte no acordo, ou seja, o fim da prestação e do contrato - RIBEIRO DE FARIA, Jorge – Direito das Obrigações, p. 475.
2. Tal como resulta claramente dos arts. 793.º, 2, 1050.º, 1069.º, mas também do art. 1222.º, 2.
3. Próximo de incumprimento grave, veja-se o conceito de violação fundamental (fundamental breach) na CISG – art.º 25.º - elemento nuclear do direito de resolução do contrato pelo comprador – art. 49.º, 1, a) – e pelo vendedor – art. 64.º, 1, a).
4. Nos contratos de execução continuada pode mesmo ser difícil identificar o momento do incumprimento definitivo – ROMANO MARTINEZ, Pedro – Da Cessação do Contrato. 3.ª ed. Coimbra: Almedina, 2015. p. 221.
5. Por vezes, o legislador refere-se impropriamente a revogação, quando afinal se trata de direito potestativo de cessação fundamentada do contrato.
6. Assim, BAPTISTA MACHADO, João – “Acórdão de 8 de Novembro de 1983 – Anotação”. Revista de Legislação e Jurisprudência. 118.º ano (1985-86), n.ºs 3730-3741. pp. 271-282, 317-320, 328-332, passim; BAPTISTA MACHADO, João – “Do princípio da liberdade contratual – anotação – Acórdão de 7 de Dezembro de 1983”. In Obra Dispersa. vol I. Braga: Scientia Iuridica, 1991. pp. 634-635, nota 2; BAPTISTA MACHADO, João – “Acórdão de 17 de Abril de 1986 – Anotação – Denúncia-modificação de um contrato de agência”. Revista de Legislação e Jurisprudência. 120.º ano (1987-88), n.ºs 3754-3765. pp. 185-186; BAPTISTA MACHADO, João – “Parecer sobre denúncia e direito de resolução de contrato de locação de estabelecimento comercial”. In Obra Dispersa. vol I. Braga: Scientia Iuridica, 1991. pp. 647-681, passim; RIBEIRO DE FARIA, Jorge – Direito das Obrigações, pp. 474-475, incluindo nota 3; BRANDÃO PROENÇA, José – “A desvinculação não motivada nos contratos de consumo: Um verdadeiro direito de resolução?”. In http://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/12207 . pp. 3-4 (do PDF); FERREIRA PINTO, Fernando – Contratos de Distribuição. Lisboa: UCP, 2013. pp. 394-395; PINTO OLIVEIRA, Nuno – Estudos sobre o Não Cumprimento das Obrigações. 2.ª edição. Coimbra: Almedina, 2009. pp. 69-70.
7. Princípio acolhido na jurisprudência do STJ do séc. XXI: Ac. STJ, de 13-11-2001. P.º 01A1123. (FERNANDES MAGALHÃES); Ac. STJ, de 9-01-2007. P.º 06A4416. (SEBASTIÃO PÓVOAS); Ac. STJ, de 21-05-2009. P.º 09A0643. (ALVES VELHO); Ac. STJ, de 25-01-2011. P.º 6350/06.5 TVLSB.P1.S1 – 1.ª Secção. (GARCIA CALEJO); Ac. STJ, de 15-11-2012. P.º 1147/09.3TVLSB.L1.S1 – 2.ª Secção. (ABRANTES GERALDES) Todos in www.dgsi.pt .
8. ROMANO MARTINEZ, Pedro – Da Cessação...,, p. 222.
9. MACHADO, João – “Pressupostos da resolução por incumprimento”. In Obra Dispersa. vol I. Braga: Scientia Iuridica, 1991. pp. 143-144.
10. Ibidem, p. 143; BAPTISTA MACHADO, João – “Acórdão de 8 de Novembro...”, pp. 330-332; BAPTISTA MACHADO, João – “Acórdão de 17 de Abril...”, p. 190; BAPTISTA MACHADO, João – “Parecer sobre denúncia...”, pp. 670-674; BRANDÃO PROENÇA, José – “A desvinculação…”, pp. 3-4 (do PDF); FERREIRA PINTO, Fernando – Contratos..., pp. 395 ss.
11. Cf. Ac. STJ, de 16-06-1996 CJ (STJ). IV (1996), tomo II. pp. 151 ss; Ac. STJ, de 13-11-2001. P.º 01A1123. (FERNANDES MAGALHÃES) In www.dgsi.pt ; Ac. STJ, de 9-01-2007. P.º 06A4416. (SEBASTIÃO PÓVOAS) In www.dgsi.pt ; Ac. STJ, de 15-11-2012. P.º 1147/09.3TVLSB.L1.S1 – 2.ª Secção. (ABRANTES GERALDES) In www.dgsi.pt ; Ac. STJ, de 16-01-2014. P.º 9242/06.4TBOER.L1.S1 – 2.ª Secção. (ÁLVARO RODRIGUES) In www.dgsi.pt ; Ac. TRL, de 28-04-1987. CJ. XII (1987). tomo II. pp. 155 ss; Ac. TRL, de 30-04-1998. CJ. XXIII (1998). tomo II. pp. 135 ss. Adotando o critério da justificada perda de interesse na continuidade da relação, equivalente ao da inexigibilidade, Ac. STJ, de 21-05-2009. P.º 09A0643. (ALVES VELHO); Ac. STJ, de 8-10-2009. P.º 761/08.9TJLSB.L1-8. (ILÍDIO SACARRÃO MARTINS); Ac STJ, de 25-01-2011. P.º 6350/06.5 TVLSB.P1.S1 – 1.ª Secção. (GARCIA CALEJO). Todos in www.dgsi.pt .
12. Art. 1083.º, 2, 3 e 4 CC (arrendamento urbano); art. 30.º, als. a) e b) do DL n.º 178/86 de 03/07 (agência).
13. FERREIRA PINTO, Fernando – Contratos..., p. 396.
14. A inexigibilidade da continuidade do contrato não resulta de princípios gerais éticos e jurídicos, mas antes da relação inter partes (...) – OETKER, Hartmut – Das Dauerschuldverhältnis und seine Beendigung. Bestandsaufnahme und kritische Würdigung einer tradierten Figur der Schuldrechtsdogmatik. Tübingen: Mohr, 1994. p. 572.
15. Sobre os contratos duradouros, relational contracts e resolução do contrato, escrevi em: VARGAS, Maria de Lurdes – Escândalos no Desporto e Perturbação do Contrato de Patrocínio. A desconformidade contextual da prestação. Lisboa: AAFDL, 2018. pp. 127 ss.
* Professora auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona (Lisboa). Investigadora integrada do CEAD – Centro de Estudos Avançados em Direito Francisco Suárez.
A resolução por incumprimento
A existência de atribuições recíprocas num contrato reclama, perante o incumprimento de uma das partes, um mecanismo extintivo: a resolução do contrato.
Perante o incumprimento de uma parte, a outra parte pode proceder à resolução do contrato, libertando-se do vínculo contratual e recuperando a prestação realizada. Este é o princípio (art. 801.º, 2 CC).
Não é qualquer incumprimento que justifica uma tal extinção do contrato. Apenas o incumprimento definitivo, tal como resulta da articulação do art. 801.º, 2 com o art. 808.º. Um incumprimento definitivo que resulte da perda do interesse do credor na prestação(1), do esgotamento de prazo fixado em interpelação admonitória ou da recusa do devedor em cumprir.
Se o incumprimento deve ser definitivo, ele não tem de ser culposo. A culpa não é pressuposto da resolução do contrato(2) pois esta não tem uma função sancionatória. Mas nem todo o incumprimento definitivo constitui fundamento de resolução. A função liberatória e recuperatória impõe que o incumprimento definitivo seja grave(3).
A resolução do contrato é liberatória e recuperatória, em regra com efeitos ex tunc. A retroactividade só é afastada quando contrária à finalidade da resolução (art. 434.º, 1).
Estes são os contornos essenciais da resolução por incumprimento reportada ao modelo paradigmático do contrato bilateral de execução instantânea.
A resolução por justa causa dos contratos duradouros
A peculiar conformação dos contratos duradouros reclama outras soluções, uma nova construção da resolução do contrato. Um contrato duradouro cria entre as partes uma dinâmica de cooperação e uma maior proximidade, com expectativas de durabilidade e continuidade, e a correlativa exigência de maior grau de confiança entre as partes.
Numa relação duradoura, a gravidade das perturbações do cumprimento exprime-se mais nos efeitos na continuidade da relação do que na gravidade do incumprimento. Num contrato duradouro, um incumprimento pouco grave ou mesmo uma perturbação diversa do incumprimento podem ter consequências graves no seu futuro, justificando a libertação de uma das partes. Do mesmo modo, uma simples mora pode afectar a normal continuidade da relação, impondo a cessação(4). E um incumprimento definitivo pode afinal não afectar a continuidade do contrato.
Se nos contratos de execução instantânea o fundamento da resolução é o incumprimento, nos contratos duradouros o fundamento deverá ser uma justa causa.
A resolução por justa causa integra o regime de vários contratos duradouros: locação – art. 1050.º; comodato – art. 1140.º; mandato e outros contratos de prestação de serviços duradouros – 1170.º, 2 e 1156.º; depósito oneroso – arts. 1194.º e 1201.º; contrato de trabalho – arts. 351.º e 394.º do CT; contrato de sociedade, civil e comercial – arts. 986.º, 1 e 1003.º CC, arts. 185.º, 1, b) e 2, e 186.º, 1 do CSC; consórcio – arts. 10.º e 30.º do DL n.º 231/81, de 28-07; agência, concessão comercial e franchising – art. 30.º do DL n.º 178/86, de 3-07(5).
Deste conjunto extrai-se um princípio geral da resolução por justa causa das relações contratuais duradouras (6 e 7).
Mas em que consiste a justa causa?
Na doutrina nacional, propõe-se um critério de concretização, a quebra da confiança, essencialmente associada a um juízo de prognose: ter-se-á de verificar se, atendendo à gravidade do incumprimento ou à sua repetição, o credor perdeu a confiança na contraparte no que respeita à execução das prestações subsequentes(8).
Há que recusar este critério. A justa causa pode basear-se numa perda de confiança na outra parte, mas não necessariamente. Será justa causa de resolução todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação. E poderá ser justa causa de resolução um facto que se liga à vida ou esfera de controle daquela parte a que a lei confere o direito de resolução – por exemplo, a necessidade urgente e inesperada do objeto dado em comodato pelo comodante (9).
Em Portugal, a inexigibilidade tem sido acolhida na doutrina(10) e na jurisprudência(11) como elemento de concretização do princípio da resolução por justa causa das relações duradouras, apesar da escassa consagração legislativa(12).
A resolução por justa causa fundada na inexigibilidade não se baseia na culpa e também não exige um acto ilícito. Pode tratar-se de incumprimento, de alteração das circunstâncias ou de uma modificação da situação pessoal de uma das partes. Mas não basta uma avaliação da continuidade da relação na perspetiva individual do resolvente. Requer uma ponderação dos interesses de ambas as partes.
Só constitui justa causa o facto ou situação que, ponderando as caraterísticas e finalidades da relação contratual e os interesses de ambas as partes, implique que não se possa exigir que a parte afectada continue a executar o contrato pelo seu período restante ou até decorrer o prazo de denúncia(13). Na essência, é o próprio contrato que fornece os parâmetros fundamentais de avaliação da viabilidade futura da relação(14).
Naturalmente, o limite da inexigibilidade de continuidade de um contrato dependerá da natureza da relação. Tratando-se de uma relação de especial confiança, o limiar da inexigibilidade deverá ser elevado. E a ponderação da resolução por justa causa deverá abranger os efeitos da extinção imediata do vínculo, com proporcionalidade e adequação. Quanto menor for o prazo restante do contrato, mais restrita deverá ser a admissibilidade de resolução por justa causa.
Quanto ao exercício, a resolução por justa causa opera, nos termos gerais, por declaração à outra parte. Em regra, a resolução por justa causa produzirá efeitos imediatos, mas nada impede que o resolvente estabeleça um prazo razoável para a produção dos efeitos. Esses efeitos serão ex nunc (art. 434.º, 2). O direito de resolução prescreve no prazo geral. Porém, pela natureza duradoura da relação, a resolução por justa causa deverá ser exercida num prazo razoável, para que outra parte não crie expectativas de continuidade do contrato.
Todo este regime da resolução por justa causa das relações duradouras será imperativo (art. 809.º CC, por analogia).
O princípio da resolução por justa causa das relações duradouras apoiado no critério da inexigibilidade enquadra-se numa leitura relacional dos contratos(15). Pondera-se se o contrato é viável avaliando-se a relação como um todo, decide-se extinguir a relação quando esta já não funciona no seu todo. A opção de destruição da relação pressupõe que esta já é, no fundo, inviável.
NOTAS:
1. O interesse do credor em sentido objectivo e assumido pela contraparte no acordo, ou seja, o fim da prestação e do contrato - RIBEIRO DE FARIA, Jorge – Direito das Obrigações, p. 475.
2. Tal como resulta claramente dos arts. 793.º, 2, 1050.º, 1069.º, mas também do art. 1222.º, 2.
3. Próximo de incumprimento grave, veja-se o conceito de violação fundamental (fundamental breach) na CISG – art.º 25.º - elemento nuclear do direito de resolução do contrato pelo comprador – art. 49.º, 1, a) – e pelo vendedor – art. 64.º, 1, a).
4. Nos contratos de execução continuada pode mesmo ser difícil identificar o momento do incumprimento definitivo – ROMANO MARTINEZ, Pedro – Da Cessação do Contrato. 3.ª ed. Coimbra: Almedina, 2015. p. 221.
5. Por vezes, o legislador refere-se impropriamente a revogação, quando afinal se trata de direito potestativo de cessação fundamentada do contrato.
6. Assim, BAPTISTA MACHADO, João – “Acórdão de 8 de Novembro de 1983 – Anotação”. Revista de Legislação e Jurisprudência. 118.º ano (1985-86), n.ºs 3730-3741. pp. 271-282, 317-320, 328-332, passim; BAPTISTA MACHADO, João – “Do princípio da liberdade contratual – anotação – Acórdão de 7 de Dezembro de 1983”. In Obra Dispersa. vol I. Braga: Scientia Iuridica, 1991. pp. 634-635, nota 2; BAPTISTA MACHADO, João – “Acórdão de 17 de Abril de 1986 – Anotação – Denúncia-modificação de um contrato de agência”. Revista de Legislação e Jurisprudência. 120.º ano (1987-88), n.ºs 3754-3765. pp. 185-186; BAPTISTA MACHADO, João – “Parecer sobre denúncia e direito de resolução de contrato de locação de estabelecimento comercial”. In Obra Dispersa. vol I. Braga: Scientia Iuridica, 1991. pp. 647-681, passim; RIBEIRO DE FARIA, Jorge – Direito das Obrigações, pp. 474-475, incluindo nota 3; BRANDÃO PROENÇA, José – “A desvinculação não motivada nos contratos de consumo: Um verdadeiro direito de resolução?”. In http://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/12207 . pp. 3-4 (do PDF); FERREIRA PINTO, Fernando – Contratos de Distribuição. Lisboa: UCP, 2013. pp. 394-395; PINTO OLIVEIRA, Nuno – Estudos sobre o Não Cumprimento das Obrigações. 2.ª edição. Coimbra: Almedina, 2009. pp. 69-70.
7. Princípio acolhido na jurisprudência do STJ do séc. XXI: Ac. STJ, de 13-11-2001. P.º 01A1123. (FERNANDES MAGALHÃES); Ac. STJ, de 9-01-2007. P.º 06A4416. (SEBASTIÃO PÓVOAS); Ac. STJ, de 21-05-2009. P.º 09A0643. (ALVES VELHO); Ac. STJ, de 25-01-2011. P.º 6350/06.5 TVLSB.P1.S1 – 1.ª Secção. (GARCIA CALEJO); Ac. STJ, de 15-11-2012. P.º 1147/09.3TVLSB.L1.S1 – 2.ª Secção. (ABRANTES GERALDES) Todos in www.dgsi.pt .
8. ROMANO MARTINEZ, Pedro – Da Cessação...,, p. 222.
9. MACHADO, João – “Pressupostos da resolução por incumprimento”. In Obra Dispersa. vol I. Braga: Scientia Iuridica, 1991. pp. 143-144.
10. Ibidem, p. 143; BAPTISTA MACHADO, João – “Acórdão de 8 de Novembro...”, pp. 330-332; BAPTISTA MACHADO, João – “Acórdão de 17 de Abril...”, p. 190; BAPTISTA MACHADO, João – “Parecer sobre denúncia...”, pp. 670-674; BRANDÃO PROENÇA, José – “A desvinculação…”, pp. 3-4 (do PDF); FERREIRA PINTO, Fernando – Contratos..., pp. 395 ss.
11. Cf. Ac. STJ, de 16-06-1996 CJ (STJ). IV (1996), tomo II. pp. 151 ss; Ac. STJ, de 13-11-2001. P.º 01A1123. (FERNANDES MAGALHÃES) In www.dgsi.pt ; Ac. STJ, de 9-01-2007. P.º 06A4416. (SEBASTIÃO PÓVOAS) In www.dgsi.pt ; Ac. STJ, de 15-11-2012. P.º 1147/09.3TVLSB.L1.S1 – 2.ª Secção. (ABRANTES GERALDES) In www.dgsi.pt ; Ac. STJ, de 16-01-2014. P.º 9242/06.4TBOER.L1.S1 – 2.ª Secção. (ÁLVARO RODRIGUES) In www.dgsi.pt ; Ac. TRL, de 28-04-1987. CJ. XII (1987). tomo II. pp. 155 ss; Ac. TRL, de 30-04-1998. CJ. XXIII (1998). tomo II. pp. 135 ss. Adotando o critério da justificada perda de interesse na continuidade da relação, equivalente ao da inexigibilidade, Ac. STJ, de 21-05-2009. P.º 09A0643. (ALVES VELHO); Ac. STJ, de 8-10-2009. P.º 761/08.9TJLSB.L1-8. (ILÍDIO SACARRÃO MARTINS); Ac STJ, de 25-01-2011. P.º 6350/06.5 TVLSB.P1.S1 – 1.ª Secção. (GARCIA CALEJO). Todos in www.dgsi.pt .
12. Art. 1083.º, 2, 3 e 4 CC (arrendamento urbano); art. 30.º, als. a) e b) do DL n.º 178/86 de 03/07 (agência).
13. FERREIRA PINTO, Fernando – Contratos..., p. 396.
14. A inexigibilidade da continuidade do contrato não resulta de princípios gerais éticos e jurídicos, mas antes da relação inter partes (...) – OETKER, Hartmut – Das Dauerschuldverhältnis und seine Beendigung. Bestandsaufnahme und kritische Würdigung einer tradierten Figur der Schuldrechtsdogmatik. Tübingen: Mohr, 1994. p. 572.
15. Sobre os contratos duradouros, relational contracts e resolução do contrato, escrevi em: VARGAS, Maria de Lurdes – Escândalos no Desporto e Perturbação do Contrato de Patrocínio. A desconformidade contextual da prestação. Lisboa: AAFDL, 2018. pp. 127 ss.
* Professora auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona (Lisboa). Investigadora integrada do CEAD – Centro de Estudos Avançados em Direito Francisco Suárez.