Algumas notas gerais sobre o regime jurídico dos contratos comerciais em Moçambique junto do Código Comercial
Áurea Guinda
Advogada Associada RSA
em Moçambique
Em Moçambique são tidos como contratos comerciais (na terminologia usada pelo Código Comercial de Moçambique, os Contratos Mercantis) aqueles que são celebrados pelos empresários comerciais entre si ou com terceiros, desde que no exercício da actividade comercial (cfr artigo 458º do Código Comercial).
De forma resumida, quer o contrato civil quer o contrato comercial visam gerar obrigações entre as partes que nele se envolvam, contudo o Código Comercial aponta uma distinção essencial entre o contrato comercial e o contrato civil: o facto de ambas as partes, ou pelo menos uma delas, se afigurar exclusivamente como uma pessoa singular ou colectiva (os denominados “empresários comerciais”) com capacidade para o exercício de actividades empresariais, sendo que o contrato comercial a celebrar irá versar sobre a execução de actividades comerciais, com o objectivo de gerar obrigações comerciais.
Uma das especificidades deste regime é o vertido no artigo 460º do Código Comercial que indica: “reputar-se-á formado o contrato mercantil no local da apresentação da proposta”, querendo isto dizer que a formação do mesmo irá sempre depender do local onde a proposta foi apresentada, ou seja, a produção dos efeitos jurídicos do contrato comercial dependerá se a proposta foi, por unanimidade das partes, apresentada ou não em território moçambicano.
No entanto este artigo faz referência à “proposta do contrato” e não ao contrato definitivo, dando assim a possibilidade de, até àquele instante definitivo, as partes poderem fazer uso do princípio da liberdade contratual para prestarem ou não o seu consentimento, decidir quais as normas que devem reger a relação jurídica que dele deriva, determinarem qual a autoridade competente para julgá-lo e a responsabilidade das mesmas.
Outro princípio que norteará a formação destes contratos mercantis é a liberdade de celebração dos mesmos, na medida em que as partes são livres de concluir ou não a celebração de determinado contrato. Este princípio está plasmado, embora não de forma directa, no artigo 467º do Código Comercial, ao indicar a possibilidade de haver ou não a aceitação do outro contratante das cláusulas das propostas nos contratos definitivos.
Para além daqueles princípios orientadores, os contratos comerciais seguem também o princípio da liberdade de estatuição, querendo isto dizer que as partes são livres na escolha do tipo de negócio mais adequado aos seus interesses e na fixação dos termos concretos do mesmo negócio, sem prejuízo das limitações legais, quer de ordem geral quer de ordem especifica.
Por exemplo, a existência de um instrumento contratual que possa ser redigido em língua estrangeira e posteriormente traduzido para língua oficial, o português (artigo 459º, n.º 2, do Código Comercial), faz pressupor que os contratos mercantis devem ter a forma escrita, no entanto tal forma não é necessariamente obrigatória para todos os contratos, sendo que alguns podem apresentar práticas e usos típicos da actividade que não justifiquem a redacção de um instrumento como tal, podendo por isso revestir a forma oral.
É o caso do contrato de compra e venda mercantil previsto no art. 477º do Código Comercial e do contrato de escambo ou troca previsto no artigo 496 do Código Comercial. No contrato de escambo ou troca, as partes muitas das vezes nem sequer têm o conhecimento da sua identidade, e nem sempre existe um instrumento contratual formal que “formalize” o negócio, não sendo, porém, impossível que exista como contrato.
Neste sentido, a forma escrita dos contratos, mesmo quando não exigível pelo Código Comercial, de acordo com os factores acima indicados, confere aos contratantes uma maior segurança jurídica, relativamente a existência das obrigações deles resultantes. Nestes contratos, as partes ficam ainda vinculadas aos usos e práticas que de forma escrita consentiram e estabeleceram. Contudo, os usos e práticas que não constarem, por escrito, mas que sejam ou devam ser do conhecimento das partes são tidos como aplicáveis, salvo convenção em contrário.
Situação contraria é o contrato de agência (conforme artigo 522º e ss do Código Comercial), cuja exigência é que este tenha forma escrita, para que seja tido como válido. A este propósito cumpre-nos sublinhar que, caso se verifique um incumprimento ou uma execução defeituosa do negócio contratado, a existência de um contrato escrito servirá de meio probatório fundamental para os termos do negócio.
Veja-se ainda o contrato de transporte, em especial, o transporte de pessoas (que em geral não está sujeita a forma escrita), onde o próprio bilhete de passagem representa o contrato de transporte. Na ausência deste, o recibo passado a favor do passageiro servirá como meio de prova da existência de um contrato mercantil.
Adequando-se este entendimento à realidade vivida em Moçambique, onde muitos dos transportadores privados não passam nem recibo e nem bilhete de passagem, aplicar-se-á o meio de prova que passa pela “demonstração de existência do negócio”, cujo ónus de prova caberá à parte interessada.
Relativamente à língua utilizada nos contratos comerciais, importa referir que o Código Comercial (cfr. artigo 459º n.º1) consagra expressamente o princípio geral da liberdade de língua ao estabelecer que os títulos comerciais são válidos qualquer que seja a língua em que forem exarados. Este princípio significa que os contratos mMercantis podem ser redigidos e celebrados em qualquer língua, independentemente da nacionalidade das partes contratantes, contudo há a exigência legal, para os contratos celebrados em língua estrangeira, que é a tradução destes por tradutor público ajuramentado, para língua oficial, sob pena deste não servir como elemento probatório da existência do negócio, em território moçambicano (cfr. artigo 459º n.º2).
No que tange as vicissitudes formativas do contrato, os contratos comerciais estão sujeitos as regras gerais dos contratos, consagrados nos arts. 217º. e ss do Código Civil, no entanto o Código Comercial apresenta as vicissitudes próprias já mencionadas.
Umas das vicissitudes mais relevantes está relacionada com a importância jurídica do silêncio, que em termos gerais não vale como declaração de vontade negocial, excepto quando o valor do silêncio seja atribuído por lei, uso ou convenção das partes, algum sentido negocial. Nos Contratos Comerciais, o silêncio do destinatário da proposta não vale nem como aceitação e nem como rejeição, ou seja, não é valorizado.
Por fim gostaríamos de dedicar umas breves linhas aos contratos de adesão (artigo 474º e ss do Código Comercial), estes surgiram como resposta à exigência de celeridade, simplicidade e uniformidade, características próprias de algumas actividades económicas visto que estas podem exigir a celebração de contratos atípicos e em massa. A forma destes contratos será sempre escrita e que poderá integrar um instrumento contratual predisposto ou constar de um documento dele apartado.
No entanto, constando de documento apartado, para que obrigue a outra parte, deve atender a condições estabelecidas por lei, sendo que dessas condições uma das que se destaca é a necessidade de haver aceitação da outra parte, quanto ao conteúdo do contrato predisposto. Refira-se que o Código Comercial não é claro quanto ao modo de aceitação, dando a entender que a aceitação pode ser escrita, oral ou por qualquer outro meio directo de manifestação de vontade.
O contrato de adesão é um exemplo claro da limitação, de ordem geral, ao princípio da liberdade de estatuição, na medida em que uma das partes se limita simplesmente a aderir ou rejeitar em bloco, as cláusulas do contrato e a sua celebração, sem que haja espaço a negociações, daquelas.
Em conclusão e verificado que está que o actual regime jurídico dos Contratos Mercantis (vertido no Código Comercial) não alcança o pretendido fim de agilizar as operações comerciais patamar e não é claro relativamente a algumas questões pontuais, está neste momento, a decorrer a preparação de uma proposta de revisão do “Regime Jurídico dos Contratos Comerciais”, que se espera que dê uma maior flexibilização ao regime inicialmente estabelecido no Código Comercial.
De forma resumida, quer o contrato civil quer o contrato comercial visam gerar obrigações entre as partes que nele se envolvam, contudo o Código Comercial aponta uma distinção essencial entre o contrato comercial e o contrato civil: o facto de ambas as partes, ou pelo menos uma delas, se afigurar exclusivamente como uma pessoa singular ou colectiva (os denominados “empresários comerciais”) com capacidade para o exercício de actividades empresariais, sendo que o contrato comercial a celebrar irá versar sobre a execução de actividades comerciais, com o objectivo de gerar obrigações comerciais.
Uma das especificidades deste regime é o vertido no artigo 460º do Código Comercial que indica: “reputar-se-á formado o contrato mercantil no local da apresentação da proposta”, querendo isto dizer que a formação do mesmo irá sempre depender do local onde a proposta foi apresentada, ou seja, a produção dos efeitos jurídicos do contrato comercial dependerá se a proposta foi, por unanimidade das partes, apresentada ou não em território moçambicano.
No entanto este artigo faz referência à “proposta do contrato” e não ao contrato definitivo, dando assim a possibilidade de, até àquele instante definitivo, as partes poderem fazer uso do princípio da liberdade contratual para prestarem ou não o seu consentimento, decidir quais as normas que devem reger a relação jurídica que dele deriva, determinarem qual a autoridade competente para julgá-lo e a responsabilidade das mesmas.
Outro princípio que norteará a formação destes contratos mercantis é a liberdade de celebração dos mesmos, na medida em que as partes são livres de concluir ou não a celebração de determinado contrato. Este princípio está plasmado, embora não de forma directa, no artigo 467º do Código Comercial, ao indicar a possibilidade de haver ou não a aceitação do outro contratante das cláusulas das propostas nos contratos definitivos.
Para além daqueles princípios orientadores, os contratos comerciais seguem também o princípio da liberdade de estatuição, querendo isto dizer que as partes são livres na escolha do tipo de negócio mais adequado aos seus interesses e na fixação dos termos concretos do mesmo negócio, sem prejuízo das limitações legais, quer de ordem geral quer de ordem especifica.
Por exemplo, a existência de um instrumento contratual que possa ser redigido em língua estrangeira e posteriormente traduzido para língua oficial, o português (artigo 459º, n.º 2, do Código Comercial), faz pressupor que os contratos mercantis devem ter a forma escrita, no entanto tal forma não é necessariamente obrigatória para todos os contratos, sendo que alguns podem apresentar práticas e usos típicos da actividade que não justifiquem a redacção de um instrumento como tal, podendo por isso revestir a forma oral.
É o caso do contrato de compra e venda mercantil previsto no art. 477º do Código Comercial e do contrato de escambo ou troca previsto no artigo 496 do Código Comercial. No contrato de escambo ou troca, as partes muitas das vezes nem sequer têm o conhecimento da sua identidade, e nem sempre existe um instrumento contratual formal que “formalize” o negócio, não sendo, porém, impossível que exista como contrato.
Neste sentido, a forma escrita dos contratos, mesmo quando não exigível pelo Código Comercial, de acordo com os factores acima indicados, confere aos contratantes uma maior segurança jurídica, relativamente a existência das obrigações deles resultantes. Nestes contratos, as partes ficam ainda vinculadas aos usos e práticas que de forma escrita consentiram e estabeleceram. Contudo, os usos e práticas que não constarem, por escrito, mas que sejam ou devam ser do conhecimento das partes são tidos como aplicáveis, salvo convenção em contrário.
Situação contraria é o contrato de agência (conforme artigo 522º e ss do Código Comercial), cuja exigência é que este tenha forma escrita, para que seja tido como válido. A este propósito cumpre-nos sublinhar que, caso se verifique um incumprimento ou uma execução defeituosa do negócio contratado, a existência de um contrato escrito servirá de meio probatório fundamental para os termos do negócio.
Veja-se ainda o contrato de transporte, em especial, o transporte de pessoas (que em geral não está sujeita a forma escrita), onde o próprio bilhete de passagem representa o contrato de transporte. Na ausência deste, o recibo passado a favor do passageiro servirá como meio de prova da existência de um contrato mercantil.
Adequando-se este entendimento à realidade vivida em Moçambique, onde muitos dos transportadores privados não passam nem recibo e nem bilhete de passagem, aplicar-se-á o meio de prova que passa pela “demonstração de existência do negócio”, cujo ónus de prova caberá à parte interessada.
Relativamente à língua utilizada nos contratos comerciais, importa referir que o Código Comercial (cfr. artigo 459º n.º1) consagra expressamente o princípio geral da liberdade de língua ao estabelecer que os títulos comerciais são válidos qualquer que seja a língua em que forem exarados. Este princípio significa que os contratos mMercantis podem ser redigidos e celebrados em qualquer língua, independentemente da nacionalidade das partes contratantes, contudo há a exigência legal, para os contratos celebrados em língua estrangeira, que é a tradução destes por tradutor público ajuramentado, para língua oficial, sob pena deste não servir como elemento probatório da existência do negócio, em território moçambicano (cfr. artigo 459º n.º2).
No que tange as vicissitudes formativas do contrato, os contratos comerciais estão sujeitos as regras gerais dos contratos, consagrados nos arts. 217º. e ss do Código Civil, no entanto o Código Comercial apresenta as vicissitudes próprias já mencionadas.
Umas das vicissitudes mais relevantes está relacionada com a importância jurídica do silêncio, que em termos gerais não vale como declaração de vontade negocial, excepto quando o valor do silêncio seja atribuído por lei, uso ou convenção das partes, algum sentido negocial. Nos Contratos Comerciais, o silêncio do destinatário da proposta não vale nem como aceitação e nem como rejeição, ou seja, não é valorizado.
Por fim gostaríamos de dedicar umas breves linhas aos contratos de adesão (artigo 474º e ss do Código Comercial), estes surgiram como resposta à exigência de celeridade, simplicidade e uniformidade, características próprias de algumas actividades económicas visto que estas podem exigir a celebração de contratos atípicos e em massa. A forma destes contratos será sempre escrita e que poderá integrar um instrumento contratual predisposto ou constar de um documento dele apartado.
No entanto, constando de documento apartado, para que obrigue a outra parte, deve atender a condições estabelecidas por lei, sendo que dessas condições uma das que se destaca é a necessidade de haver aceitação da outra parte, quanto ao conteúdo do contrato predisposto. Refira-se que o Código Comercial não é claro quanto ao modo de aceitação, dando a entender que a aceitação pode ser escrita, oral ou por qualquer outro meio directo de manifestação de vontade.
O contrato de adesão é um exemplo claro da limitação, de ordem geral, ao princípio da liberdade de estatuição, na medida em que uma das partes se limita simplesmente a aderir ou rejeitar em bloco, as cláusulas do contrato e a sua celebração, sem que haja espaço a negociações, daquelas.
Em conclusão e verificado que está que o actual regime jurídico dos Contratos Mercantis (vertido no Código Comercial) não alcança o pretendido fim de agilizar as operações comerciais patamar e não é claro relativamente a algumas questões pontuais, está neste momento, a decorrer a preparação de uma proposta de revisão do “Regime Jurídico dos Contratos Comerciais”, que se espera que dê uma maior flexibilização ao regime inicialmente estabelecido no Código Comercial.