Contrato de arrendamento e direito de superfície
António Cardoso
Advogado Associado RSA-LP
Procuraremos analisar nestas linhas sumárias as diferenças essenciais de regime entre o contrato de arrendamento de terreno destinado a construção, com direito do arrendatário a nele edificar, e a aquisição de direito de superfície sobre terreno para construção. Comparando os dois institutos jurídicos, encontramos neles pontos de contacto e de divergência que merecem ser assinalados.
Em ambas as figuras, alguém, um terceiro, constrói para seu uso ou exploração um edifício, num terreno que não lhe pertence, e por esse facto, para poder fruir daquilo que edificou em terreno de outrem, paga periodicamente ao respectivo titular um valor pecuniário, durante o período de tempo, relativamente longo, em que o imóvel que edificou lhe pertence. Findo esse período, o imóvel edificado e o terreno entram, ou reingressam na titularidade do proprietário inicial. Nisto, temos as semelhanças.
Porém, se, ao invés, considerarmos externamente os conteúdos da relação locatícia e do direito de superfície, veremos que estão em causa duas figuras jurídicas profundamente distintas.
I – O direito de superfície
Com efeito, o direito de superfície é um direito real, o direito do arrendatário é um direito de crédito. Significa isto que o direito de superfície, como os direitos reais, em geral, se traduz num poder direto e imediato sobre uma coisa ao qual se contrapõe a chamada obrigação passiva universal, podendo o seu titular dela dispor de forma plena (alienando-a, onerando-a, modificando-a, etc). Não assim no arrendamento, onde, enquanto direito de crédito, relativo, as relações estabelecidas entre o senhorio e o arrendatário serão de natureza meramente obrigacional, envolvendo, em regra, apenas as prestações e contraprestações de cada um, só por cada um deles podendo o cumprimento ser exigido do outro, e só contra o outro podendo ser accionados os mecanismos de coação tendentes a assegurar aquele cumprimento.
É no quadro muito geral assim esquematicamente traçado que tem de ser analisado o direito de superfície que incide sobre terreno para construção.
Podendo, nos termos do artigo 1528.º do Código Civil (CC), ser constituído por contrato(1), testamento ou usucapião, o direito de superfície consiste na “faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio” (artigo 1524.º CC).
Dois pontos essenciais para a nossa análise resultam desta noção legal:
− O objeto do direito de superfície é uma obra edificada em terreno alheio que, enquanto direito real, é um direito pleno, equivalente ao direito de propriedade, mas que, diversamente deste, não incide sobre todo o imóvel, mas apenas sobre a obra edificada. O titular da obra edificada em terreno alheio, o superficiário, dispõe sobre a obra que construiu um poder que tem de ser respeitado por todos (elemento externo ou obrigação passiva universal), podendo também, sendo a obra sua propriedade, dispor dela como entender, alienando-a, onerando-a (constituindo sobre ela uma hipoteca para obter um financiamento, por exemplo) ou, no limite, destruindo-a (elemento interno).
− O direito de superfície pode ser perpétuo, isto é, constituído sem prazo, não se extinguindo nunca (salvo verificando-se uma causa extintiva deste direito) ou temporário, por um prazo definido, por acordo com o proprietário da raiz (fundeiro), não existindo qualquer limite legal máximo ou mínimo.
Mesmo quando perpétuo, o direito de superfície não se confunde com o direito de propriedade plena. O superficiário não é proprietário do subsolo, continuando este direito na titularidade do fundeiro. Note-se que o direito de superfície pode também abranger o direito de edificar no subsolo, de resto preocupação a ter quando designadamente se pretenda construir caves ao nível do subsolo. O fundeiro, por seu lado, pode sempre continuar a exploração do subsolo disponível, porém, não pode com o seu comportamento afetar a obra efetuada pelo superficiário, por exemplo escavando sob esta em termos que a coloquem em risco. E isso mesmo quer assegurar o legislador quando dispõe no artigo 1533.º do CC:
“No ato de constituição do direito de superfície, pode convencionar-se, a título de preço, que o superficiário pague uma única prestação ou pague certa prestação anual, perpétua ou temporária” (artigo 1530.º, n.º 1, CC). A constituição do direito de superfície com base em contrato oneroso implica, pois, o pagamento de um preço (e não de uma renda) que pode ser pago num acto único ou mediante uma prestação periódica, normalmente denominada de cânone superficiário.
Esta possibilidade de pagamento prestacional do direito de superfície é, porventura, a principal razão da aproximação do regime jurídico do direito de superfície ao regime do arrendamento. Porém, também aqui as diferenças são notórias.
No arrendamento, o direito do arrendatário ao gozo da coisa depende do pagamento da renda, constituindo o incumprimento desta obrigação violação do sinalagma estabelecido e, por consequência, causa de resolução da relação locatícia. Não, assim, no direito de superfície. Caso o superficiário interrompa, ainda que sem fundamento, o pagamento do cânone superficiário, o direito de superfície, já definitivamente constituído, não se extingue por este facto. A falta de pagamento apenas faz surgir na esfera do fundeiro um direito de crédito sobre o superficiário. Se o não pagamento persistir, o fundeiro pode apenas reclamar judicialmente o seu crédito. O direito de superfície não se extingue e, em caso de penhora e venda judicial, prosseguirá na titularidade do seu eventual adquirente, extinguindo-se apenas no caso de o adjudicatário ser o fundeiro, mas aí por confusão, nos termos do artigo 1536.º, n.º 1, alínea d), CC. Ainda aqui, porém, importa ter em consideração o disposto no artigo 1541.º CC: “Extinguindo-se o direito de superfície perpétuo, ou o temporário antes do decurso do prazo, os direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido extinção, sem prejuízo da aplicação das disposições dos artigos anteriores logo que o prazo decorra”. Esta norma é especialmente relevante, sobretudo, no caso de oneração do direito de superfície para garantia de uma dívida. Pense-se, por exemplo, num crédito bancário garantido através da hipoteca do direito de superfície. Ficaria prejudicado, caso a entidade financiadora pudesse ser surpreendida pela extinção desta garantia em consequência da extinção do direito de superfície.
As causas de extinção do direito de superfície estão elencadas no artigo 1536.º CC e se confundem com as causas de cessação dos contratos de arrendamento. No arrendamento, em regra, está em causa um comportamento ilícito de uma das partes; no direito de superfície, ou está em causa o decurso completo do prazo, sendo o direito temporário, ou, na medida em que se trata de um direito sobre uma coisa, a inexistência da coisa em si, seja porque a obra objecto do direito de superfície nunca chegou a ser edificada, seja por ter deixado de existir.
II – O arrendamento
Retomando as notas atrás referidas e, em especial, as que se referem à sua natureza de direito relativo, o arrendamento, enquanto modalidade de locação, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um imóvel, mediante retribuição (cf. artigos 1022.º e 1023.º CC).
Daqui resulta, no caso tido em vista no presente texto, a obrigação para o senhorio de entregar ao arrendatário um terreno com vocação para construção urbana (locado), para que este o use durante um tempo limitado, mediante o pagamento periódico, e durante todo o período do contrato, de uma contraprestação (renda).
O contrato de arrendamento é um contrato (necessariamente) oneroso e temporário. É um contrato sinalagmático. E é, também, um contrato de execução duradoura.
Como é típico dos contratos sinalagmáticos, o não cumprimento por uma parte das prestações a que está obrigado liberta a outra parte da obrigação de realizar a sua contraprestação. Assim, se o senhorio não entregar o imóvel objeto da locação, o arrendatário não tem a obrigação de pagar a renda. Se o arrendatário não pagar a renda, na medida em que o senhorio já efetuou a sua prestação, então assiste-lhe o direito a resolver o contrato.
Isto basta para compreender o quão diferentes são as figuras do arrendamento urbano e do direito de superfície. De facto, no direito de superfície, após a sua constituição, o superficiário é definitivamente dono e legítimo proprietário da obra por si edificada, a qual lhe pertence, independentemente de proceder ou não ao pagamento do cânone superficiário. Ao contrário, no arrendamento urbano, o não pagamento injustificado da renda é causa de resolução contratual.
Por outro lado, o direito de arrendamento não pode ter um prazo superior a 30 anos (artigo 1025.º CC), considerando-se reduzido a esse prazo se celebrado por prazo superior, deste modo se assegurando que o direito de arrendamento é necessariamente temporário, preocupação que não tem paralelo no direito de superfície.
Contudo, pesem as diferenças assinaladas, o direito de arrendamento é, dos direitos de crédito, aquele cujas características mais parecem as de um direito real.
Normalmente, a violação de um direito de crédito gera na esfera do devedor incumpridor, exclusivamente, um dever indemnizatório destinado a compensar o credor pelos danos que o incumprimento daquele lhe causou. Já nos direitos reais, como o direito de superfície, ao titular do direito violado, independentemente da reclamação da indemnização compensatória pelos prejuízos sofridos, assiste o poder de requerer a tutela efetiva da sua posse, seja por ação direta, seja por via judicial (art.º 1276 e 1277 CC).
Ora, no contrato de arrendamento, apesar da sua natureza de direito de crédito, o arrendatário poderá defender a sua posse ou detenção, em termos equivalentes aos previstos para o superficiário, isto é, aplicando-se-lhe também o artigo 1276.º CC, por remição do art.º 1037, n.º 2, CC.
De igual modo, produzindo os contratos de créditos efeitos inter partes, a alienação do bem objeto da relação obrigacional também deveria implicar a extinção dessa relação. No entanto, o arrendamento constitui uma excepção a esta regra. Nos termos do artigo 1057.º CC, “O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo”. É um regime equivalente ao direito de sequela típico dos direitos reais.
São precisamente estas características do contrato de arrendamento quem lhe confere atributos que o tornam ajustável ao interesse dos operadores económicos que pretendem construir um edifício em terreno de terceiro, a troco de uma remuneração. De facto, os direitos do arrendatário ao Locado gozam de uma segurança com algumas semelhanças à segurança conferida pelos direitos reais. Importa, todavia, relembrar que, em caso algum, o arrendatário pode alienar ou onerar o locado (como o pode fazer o superficiário) nem, consequentemente, a obra que edifique no Locado, pela simples razão de que o arrendamento, contrariamente ao direito de superfície, não é uma “coisa imóvel”. É um simples direito de crédito, cuja essência são o conjunto de prestações de que senhorio e arrendatário são mutuamente credores ou devedores. Alienável pelo Arrendatário será apenas o estabelecimento lá instalado, o qual pode ser alienado definitivamente (trespasse) ou cedido temporariamente (locação de estabelecimento – art.º 1109.º CC).
Quedam por analisar as questões específicas do regime de obras e do regime tributário no direito de superfície e no direito de arrendamento. Atentas, porém, as limitações de espaço, esses serão já temas para outro artigo, aqui não pretendendo nós ir além da introdução perfunctória às diferenças essenciais dos dois regimes.
NOTAS:
1. Sujeito a forma: escritura pública ou documento particular autenticado, nos termos do disposto no artigo 875.º CC, aplicável por remição do artigo 939.º.
Em ambas as figuras, alguém, um terceiro, constrói para seu uso ou exploração um edifício, num terreno que não lhe pertence, e por esse facto, para poder fruir daquilo que edificou em terreno de outrem, paga periodicamente ao respectivo titular um valor pecuniário, durante o período de tempo, relativamente longo, em que o imóvel que edificou lhe pertence. Findo esse período, o imóvel edificado e o terreno entram, ou reingressam na titularidade do proprietário inicial. Nisto, temos as semelhanças.
Porém, se, ao invés, considerarmos externamente os conteúdos da relação locatícia e do direito de superfície, veremos que estão em causa duas figuras jurídicas profundamente distintas.
I – O direito de superfície
Com efeito, o direito de superfície é um direito real, o direito do arrendatário é um direito de crédito. Significa isto que o direito de superfície, como os direitos reais, em geral, se traduz num poder direto e imediato sobre uma coisa ao qual se contrapõe a chamada obrigação passiva universal, podendo o seu titular dela dispor de forma plena (alienando-a, onerando-a, modificando-a, etc). Não assim no arrendamento, onde, enquanto direito de crédito, relativo, as relações estabelecidas entre o senhorio e o arrendatário serão de natureza meramente obrigacional, envolvendo, em regra, apenas as prestações e contraprestações de cada um, só por cada um deles podendo o cumprimento ser exigido do outro, e só contra o outro podendo ser accionados os mecanismos de coação tendentes a assegurar aquele cumprimento.
É no quadro muito geral assim esquematicamente traçado que tem de ser analisado o direito de superfície que incide sobre terreno para construção.
Podendo, nos termos do artigo 1528.º do Código Civil (CC), ser constituído por contrato(1), testamento ou usucapião, o direito de superfície consiste na “faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio” (artigo 1524.º CC).
Dois pontos essenciais para a nossa análise resultam desta noção legal:
− O objeto do direito de superfície é uma obra edificada em terreno alheio que, enquanto direito real, é um direito pleno, equivalente ao direito de propriedade, mas que, diversamente deste, não incide sobre todo o imóvel, mas apenas sobre a obra edificada. O titular da obra edificada em terreno alheio, o superficiário, dispõe sobre a obra que construiu um poder que tem de ser respeitado por todos (elemento externo ou obrigação passiva universal), podendo também, sendo a obra sua propriedade, dispor dela como entender, alienando-a, onerando-a (constituindo sobre ela uma hipoteca para obter um financiamento, por exemplo) ou, no limite, destruindo-a (elemento interno).
− O direito de superfície pode ser perpétuo, isto é, constituído sem prazo, não se extinguindo nunca (salvo verificando-se uma causa extintiva deste direito) ou temporário, por um prazo definido, por acordo com o proprietário da raiz (fundeiro), não existindo qualquer limite legal máximo ou mínimo.
Mesmo quando perpétuo, o direito de superfície não se confunde com o direito de propriedade plena. O superficiário não é proprietário do subsolo, continuando este direito na titularidade do fundeiro. Note-se que o direito de superfície pode também abranger o direito de edificar no subsolo, de resto preocupação a ter quando designadamente se pretenda construir caves ao nível do subsolo. O fundeiro, por seu lado, pode sempre continuar a exploração do subsolo disponível, porém, não pode com o seu comportamento afetar a obra efetuada pelo superficiário, por exemplo escavando sob esta em termos que a coloquem em risco. E isso mesmo quer assegurar o legislador quando dispõe no artigo 1533.º do CC:
“No ato de constituição do direito de superfície, pode convencionar-se, a título de preço, que o superficiário pague uma única prestação ou pague certa prestação anual, perpétua ou temporária” (artigo 1530.º, n.º 1, CC). A constituição do direito de superfície com base em contrato oneroso implica, pois, o pagamento de um preço (e não de uma renda) que pode ser pago num acto único ou mediante uma prestação periódica, normalmente denominada de cânone superficiário.
Esta possibilidade de pagamento prestacional do direito de superfície é, porventura, a principal razão da aproximação do regime jurídico do direito de superfície ao regime do arrendamento. Porém, também aqui as diferenças são notórias.
No arrendamento, o direito do arrendatário ao gozo da coisa depende do pagamento da renda, constituindo o incumprimento desta obrigação violação do sinalagma estabelecido e, por consequência, causa de resolução da relação locatícia. Não, assim, no direito de superfície. Caso o superficiário interrompa, ainda que sem fundamento, o pagamento do cânone superficiário, o direito de superfície, já definitivamente constituído, não se extingue por este facto. A falta de pagamento apenas faz surgir na esfera do fundeiro um direito de crédito sobre o superficiário. Se o não pagamento persistir, o fundeiro pode apenas reclamar judicialmente o seu crédito. O direito de superfície não se extingue e, em caso de penhora e venda judicial, prosseguirá na titularidade do seu eventual adquirente, extinguindo-se apenas no caso de o adjudicatário ser o fundeiro, mas aí por confusão, nos termos do artigo 1536.º, n.º 1, alínea d), CC. Ainda aqui, porém, importa ter em consideração o disposto no artigo 1541.º CC: “Extinguindo-se o direito de superfície perpétuo, ou o temporário antes do decurso do prazo, os direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido extinção, sem prejuízo da aplicação das disposições dos artigos anteriores logo que o prazo decorra”. Esta norma é especialmente relevante, sobretudo, no caso de oneração do direito de superfície para garantia de uma dívida. Pense-se, por exemplo, num crédito bancário garantido através da hipoteca do direito de superfície. Ficaria prejudicado, caso a entidade financiadora pudesse ser surpreendida pela extinção desta garantia em consequência da extinção do direito de superfície.
As causas de extinção do direito de superfície estão elencadas no artigo 1536.º CC e se confundem com as causas de cessação dos contratos de arrendamento. No arrendamento, em regra, está em causa um comportamento ilícito de uma das partes; no direito de superfície, ou está em causa o decurso completo do prazo, sendo o direito temporário, ou, na medida em que se trata de um direito sobre uma coisa, a inexistência da coisa em si, seja porque a obra objecto do direito de superfície nunca chegou a ser edificada, seja por ter deixado de existir.
II – O arrendamento
Retomando as notas atrás referidas e, em especial, as que se referem à sua natureza de direito relativo, o arrendamento, enquanto modalidade de locação, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um imóvel, mediante retribuição (cf. artigos 1022.º e 1023.º CC).
Daqui resulta, no caso tido em vista no presente texto, a obrigação para o senhorio de entregar ao arrendatário um terreno com vocação para construção urbana (locado), para que este o use durante um tempo limitado, mediante o pagamento periódico, e durante todo o período do contrato, de uma contraprestação (renda).
O contrato de arrendamento é um contrato (necessariamente) oneroso e temporário. É um contrato sinalagmático. E é, também, um contrato de execução duradoura.
Como é típico dos contratos sinalagmáticos, o não cumprimento por uma parte das prestações a que está obrigado liberta a outra parte da obrigação de realizar a sua contraprestação. Assim, se o senhorio não entregar o imóvel objeto da locação, o arrendatário não tem a obrigação de pagar a renda. Se o arrendatário não pagar a renda, na medida em que o senhorio já efetuou a sua prestação, então assiste-lhe o direito a resolver o contrato.
Isto basta para compreender o quão diferentes são as figuras do arrendamento urbano e do direito de superfície. De facto, no direito de superfície, após a sua constituição, o superficiário é definitivamente dono e legítimo proprietário da obra por si edificada, a qual lhe pertence, independentemente de proceder ou não ao pagamento do cânone superficiário. Ao contrário, no arrendamento urbano, o não pagamento injustificado da renda é causa de resolução contratual.
Por outro lado, o direito de arrendamento não pode ter um prazo superior a 30 anos (artigo 1025.º CC), considerando-se reduzido a esse prazo se celebrado por prazo superior, deste modo se assegurando que o direito de arrendamento é necessariamente temporário, preocupação que não tem paralelo no direito de superfície.
Contudo, pesem as diferenças assinaladas, o direito de arrendamento é, dos direitos de crédito, aquele cujas características mais parecem as de um direito real.
Normalmente, a violação de um direito de crédito gera na esfera do devedor incumpridor, exclusivamente, um dever indemnizatório destinado a compensar o credor pelos danos que o incumprimento daquele lhe causou. Já nos direitos reais, como o direito de superfície, ao titular do direito violado, independentemente da reclamação da indemnização compensatória pelos prejuízos sofridos, assiste o poder de requerer a tutela efetiva da sua posse, seja por ação direta, seja por via judicial (art.º 1276 e 1277 CC).
Ora, no contrato de arrendamento, apesar da sua natureza de direito de crédito, o arrendatário poderá defender a sua posse ou detenção, em termos equivalentes aos previstos para o superficiário, isto é, aplicando-se-lhe também o artigo 1276.º CC, por remição do art.º 1037, n.º 2, CC.
De igual modo, produzindo os contratos de créditos efeitos inter partes, a alienação do bem objeto da relação obrigacional também deveria implicar a extinção dessa relação. No entanto, o arrendamento constitui uma excepção a esta regra. Nos termos do artigo 1057.º CC, “O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo”. É um regime equivalente ao direito de sequela típico dos direitos reais.
São precisamente estas características do contrato de arrendamento quem lhe confere atributos que o tornam ajustável ao interesse dos operadores económicos que pretendem construir um edifício em terreno de terceiro, a troco de uma remuneração. De facto, os direitos do arrendatário ao Locado gozam de uma segurança com algumas semelhanças à segurança conferida pelos direitos reais. Importa, todavia, relembrar que, em caso algum, o arrendatário pode alienar ou onerar o locado (como o pode fazer o superficiário) nem, consequentemente, a obra que edifique no Locado, pela simples razão de que o arrendamento, contrariamente ao direito de superfície, não é uma “coisa imóvel”. É um simples direito de crédito, cuja essência são o conjunto de prestações de que senhorio e arrendatário são mutuamente credores ou devedores. Alienável pelo Arrendatário será apenas o estabelecimento lá instalado, o qual pode ser alienado definitivamente (trespasse) ou cedido temporariamente (locação de estabelecimento – art.º 1109.º CC).
Quedam por analisar as questões específicas do regime de obras e do regime tributário no direito de superfície e no direito de arrendamento. Atentas, porém, as limitações de espaço, esses serão já temas para outro artigo, aqui não pretendendo nós ir além da introdução perfunctória às diferenças essenciais dos dois regimes.
NOTAS:
1. Sujeito a forma: escritura pública ou documento particular autenticado, nos termos do disposto no artigo 875.º CC, aplicável por remição do artigo 939.º.