Ensino da Contabilidade tem-se adequado às novas exigências do mercado
A formação em Contabilidade tem dado passos importantes, no sentido de dar resposta ao ambiente competitivo, de crescente complexidade e de mudanças rápidas a que se assiste. Mas há vários desafios que se colocam nesta área. A formação em Contabilidade tem de ser vista numa perspetiva mais abrangente, têm de ser encontradas estratégias para motivar os estudantes, há que responder à digitalização e envolver as empresas/instituições no ensino, através do desenvolvimento de parcerias, referiu Maria José Fernandes, presidente do IPCA, em entrevista à “Contabilidade & Empresas”.
Contabilidade & Empresas - Qual a atual situação, em termos gerais, do ensino da Contabilidade?
Maria José Fernandes - O mercado obriga as empresas a inovar e tem de ser o ensino a formar os profissionais que possam levar a cabo essa missão nas empresas. No caso particular do ensino em Contabilidade, e em especial no ensino politécnico, trabalhamos para formar profissionais capazes de fazer frente ao ambiente competitivo, de crescente complexidade e de mudanças rápidas a que assistimos. Assim, para além da componente teórica, estimulamos a participação dos estudantes em atividades práticas em contexto empresarial, real ou simulado, ao longo da aprendizagem, estabelecendo uma forte ligação à comunidade empresarial e às organizações de profissionais do setor. Temos feito um trabalho de adequação dos planos curriculares e das metodologias de ensino às exigências da realidade económica. Julgo que tem havido uma evolução importante na oferta formativa na área da Contabilidade e áreas complementares, como a Fiscalidade, a Auditoria, Finanças… E a preocupação em oferecer cursos em vários regimes (presencial, diurno e pós-laboral, mas também formação em regime à distância), de forma a permitir chegar mesmo àqueles que, devido às suas exigências profissionais, não têm possibilidade de frequentar as aulas presenciais.
No caso do IPCA, temos tido também uma participação bastante ativa no domínio da Contabilidade Pública. Esta área da Contabilidade, apesar de ter menos divulgação e existirem menos profissionais especializados na área, tem vindo a ganhar, nos últimos anos, uma relevância cada vez maior, fruto da aprovação do Sistema de Normalização Contabilístico para as Administrações Públicas. Estas entidades reconhecem hoje a Contabilidade Pública como uma ferramenta fundamental para a boa Administração Pública no desempenho das suas funções, para sustentar as decisões que têm que ser tomadas, para assegurar a transparência e a segurança da informação apresentada. Adicionalmente, tem havido uma adequação da oferta alargada de formação avançada, quer ao nível de pós-graduações, quer de mestrados, naqueles domínios científicos, quer no domínio da contabilidade empresarial, quer no da contabilidade pública, permitindo uma aprendizagem mais especializada e aprofundada.
É importante salientar também a importância da ligação das instituições e dos cursos à investigação, através de Centros de Investigação, como forma de se fomentar a pesquisa e a investigação como instrumentos essenciais no desenvolvimento da consciência crítica, da capacidade de questionar e de uma aprendizagem construída com base sólida. A realização de congressos e conferências na área da Contabilidade e áreas afins tem vindo a crescer, fomentando uma dinâmica importante entre as instituições de ensino e as empresas/instituições, contribuindo para a motivação profissional e para a participação em discussões e debates, tão importantes para conhecermos as adversidades, os desafios e as oportunidades que dia a dia vão surgindo.
C&E - Quais os principais problemas que se colocam?
MJF - No ensino, como em outros domínios, na área da Contabilidade e outras, há sempre algo que pode ser melhorado, fruto dos desafios que nos vão sendo colocados.
A pandemia que ainda vivemos, por exemplo, trouxe problemas para todas as áreas, nomeadamente no ensino, e colocaram-nos perante desafios que tivemos que conseguir ultrapassar. Esses problemas têm que ser vistos como oportunidades de reflexão e melhoria. A formação na área da Contabilidade tem que ser vista numa perspetiva mais abrangente, dos cursos de Contabilidade, mas também de Fiscalidade. E são áreas que estão em constante mudança, o que coloca os professores e estudantes perante constantes desafios, tal como acontece nas organizações diariamente. No ensino em geral, temos o problema de conseguirmos encontrar as estratégias pedagógicas necessárias para sermos capazes de motivar os estudantes. As incertezas quanto ao futuro profissional, a pressão que é colocada no cumprimento de objetivos, as dificuldades nas relações sociais, tudo isto faz com que os jovens hoje em dia vivam muitas inseguranças e incertezas e isso reflete-se na forma como estudam. As instituições de ensino superior, os professores têm de ser capazes de identificar esses problemas e encontrar as estratégias mais adequadas para desenvolver um ensino motivador através de um processo dinâmico e atual.
A digitalização e a própria gamificação do ensino constituem desafios importantes a que temos que saber responder. É importante também saber responder à necessidade de envolver cada vez mais as empresas/instituições no ensino, através da criação de parcerias entre as Instituições de Ensino Superior e o mercado, numa relação ativa entre aquelas e a sociedade em que se inserem. Outra realidade que temos que enfrentar e saber responder é a da internacionalização. As redes de parcerias com Instituições de Ensino noutros países, a ligação dos Centros de Investigação a parceiros internacionais são fatores diferenciadores do ensino que é praticado e da investigação realizada. Há determinadas áreas do ensino, e na Contabilidade isso ainda acontece, em que há uma maior dificuldade de atrair os estudantes para as experiências de internacionalização, por considerarem serem áreas do saber muito fechadas no contexto nacional. Considero, no entanto, que vêm sendo dados passos importantes para se enfrentarem estes problemas.
Melhoria contínua dos percursos formativos
C&E - Os currículos são adequados às novas exigências?
MJF - Julgo que em geral as Instituições de Ensino Superior têm a preocupação de acompanhar a evolução global, nomeadamente na área da Contabilidade, fazendo-a refletir nos percursos formativos que oferecem. Quando falamos do ensino na área da Contabilidade, na minha perspetiva, não podemos pensar apenas nos cursos de Contabilidade propriamente dita, mas sim numa visão mais alargada daqueles cursos cujo currículo prepara os diplomados para exercer uma atividade na área da Contabilidade (incluímos, assim, a formação em Fiscalidade, Auditoria). Os cursos no ensino superior (licenciaturas e mestrados) são objeto de avaliação por parte da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Essa avaliação pressupõe que todas as partes envolvidas no processo de ensino-aprendizagem (instituição, estudantes, professores, parceiros externos, empresas) sejam ouvidos e começa com um processo de auto-avaliação em que as instituições fazem uma reflexão aprofundada sobre os cursos. Todo esse processo traduz-se numa melhoria contínua dos percursos formativos que são desenhados, de forma a torná-los adequados à realidade do mercado de trabalho.
Para além disso, na área específica da Contabilidade, o acesso à profissão depende de um exame de acesso à Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC). Para aceder ao exame, os diplomados têm de ter frequentado um curso que corresponda às exigências da profissão, demonstrando ter adquirido as competências necessárias para se tornarem Contabilistas Certificados. Este reconhecimento que a OCC realiza junto das instituições de ensino superior acaba por ser uma validação externa de que os percursos formativos cumprem as exigências necessárias ao exercício da profissão. É importante salientar que a adequação dos currículos não passa apenas pela componente mais técnica. É importante perceber a importância que hoje reveste a formação sócio-cultural, humana, ética dos estudantes, em qualquer área científica. Por isso, os currículos devem ter essa abertura para que se formem técnicos competentes, capazes, mas dotados também de competências sociais, humanas, éticas.
C&E - Que alterações deveriam ser feitas para tornar o ensino da Contabilidade mais atrativo e mais adequado à realidade prática?
MJF - O ensino em geral, e o ensino superior em particular, enfrenta importantes desafios. A formação superior deve fornecer aos futuros profissionais as competências teórico-práticas adequadas às exigências do mercado, quer as atuais, quer as que se preveem no curto prazo. Estas competências devem passar não só pelos procedimentos e práticas profissionais e técnicos específicos de contabilidade, mas também por competências transversais em termos de relações humanas, trabalho em equipa, ética, pensamento crítico, resolução de problemas inesperados, trabalho sob pressão. Para além disso, é importante não esquecer as competências digitais e as novas metodologias de aprendizagem e de trabalho. Para além da preocupação de cumprir metas e cumprir programas, é importante não estar desfasado da realidade, pelo que deve existir um envolvimento ativo e dinâmico dos estudantes na aprendizagem, metodologias que privilegiem a resolução de casos, a reflexão crítica, o saber-fazer, saber-pensar. É importante também pensar no ensino numa perspetiva de multi e interdisciplinaridade, evitando que os conteúdos de uma unidade curricular ao longo do percurso formativo sejam lecionados de uma forma fechada e isolada dos restantes conteúdos.
Finalmente, e muito importante, é a abordagem alicerçada em novas estratégias direcionadas para as competências digitais. Existem novas metodologias com recurso às tecnologias, aos jogos digitais, às plataformas e dispositivos tecnológicos que têm que constituir investimentos necessários das Instituições de Ensino Superior para que o dia a dia das salas de aulas se torne atrativo e motivador para os estudantes, para os professores e o mais aproximado possível do contexto real que os diplomados encontrarão no mercado. Durante muitos anos os jogos eram considerados a antítese da aprendizagem. No entanto, os jogos e o impacto que têm na educação tem hoje particular relevância, nomeadamente junto das crianças e dos jovens, já que as tecnologias têm vindo a ser consideradas as ferramentas de ensino mais poderosas ao alcance dos professores. A “gamificação”, ou a utilização dos chamados “serious games”, tem na educação, nos dias de hoje, um papel importante, constituindo-se como poderosas ferramentas de ensino ao alcance dos professores.
C&E - Concorda com o processo atual de entrada dos candidatos no mercado de trabalho?
MJF - No que diz respeito ao acesso à profissão de Contabilista Certificado, como é sabido, o mesmo passa em primeiro lugar pela inscrição na respetiva Ordem profissional (a OCC). Este acesso passa em primeiro lugar pela necessidade de o estudante ter frequentado um curso de licenciatura e/ou mestrado que garanta o cumprimento, ao nível do número de ECTS e ao nível dos conteúdos estudados, dos requisitos exigidos pela Ordem. Estes requisitos visam assegurar que quem quer ser Contabilista Certificado teve acesso a uma formação adequada às exigências diárias da profissão. Sabemos que a formação não termina na licenciatura, isso acontece em todas as áreas, mas é importante assegurar que o profissional que chega ao mercado de trabalho se preparou devidamente para as exigências da profissão que escolheu.
Para além disso, para se tornar Contabilista Certificado, é necessário ainda fazer o exame de acesso à Ordem e frequentar um estágio de acordo com os requisitos que a Ordem exige. Quanto ao exame, acaba por ser uma espécie de filtro, mais uma vez, para assegurar a devida preparação na entrada no mercado de trabalho. Trata-se de um parâmetro de exigência. E devemos aspirar a isso: preparar os nossos estudantes e diplomados para a exigência do mercado de trabalho. Quanto ao estágio, há muitos cursos de ensino superior que já integram estágio ou projeto em simulação empresarial (como é o caso dos cursos de licenciatura do IPCA na área da Contabilidade/Fiscalidade) que cumprem as exigências da OCC e, como tal, dispensam os estudantes, no acesso à Ordem, de frequentarem novamente estágio.
Estes critérios de acesso devem ser vistos como positivos, na medida em que traduzem critérios de exigência, de preparação adequada. Trata-se de uma segurança para os próprios diplomados num momento importante de acesso à profissão, tornando-os mais confiantes quando iniciam o exercício da Contabilidade numa organização ou por conta própria.
Licenciatura é ponto de partida
C&E - Existe uma formação adequada depois da entrada no mercado de trabalho?
MJF - Qualquer profissional, nomeadamente os da área da Contabilidade, tem de estar consciente de que a sua formação não termina numa licenciatura ou num mestrado. Pensar dessa forma é parar no tempo e isso significa estar descontextualizado da realidade. A conclusão de uma licenciatura é apenas o ponto de partida para uma formação contínua ao longo da vida ativa. Na área da Contabilidade, pela constante evolução legislativa e também digital que se verifica, os profissionais têm que encontrar forma de se manterem atualizados e fazerem uma formação de reciclagem e aperfeiçoamento ao longo da vida. Muita desta formação é feita em contexto de trabalho, em autoformação, tendo as publicações científicas e profissionais um papel importante nesta área. Para além disso, os cursos de pós-graduação, os cursos breves são opções muito interessantes e importantes para concretizar o objetivo de proporcionar educação e formação numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, sem estarem associados à obtenção de um grau académico.
Uma vez que se trata de formação para quem está no mercado de trabalho, para possibilitar a conciliação do trabalho com a formação, as opções de formação a distância/online têm constituído uma boa resposta para esta necessidade de formação contínua especializada.
C&E - Os docentes estão adaptados à nova realidade da Contabilidade?
MJF - O papel da Contabilidade nas organizações tem vindo a mudar ao longo dos anos. Como tal, as Instituições de Ensino Superior têm que adequar a formação à realidade empresarial de forma que os diplomados encontrem lugar no mercado de trabalho e sejam um verdadeiro contributo para a realidade das exigências das instituições. Cabe aos professores fazer a ligação entre aquilo que o mercado exige e a preparação de que estão dotados os diplomados que saem para o mercado de trabalho. Como tal, a evolução do papel da contabilidade nas organizações e os novos desafios que se colocam exigem que os professores também acompanhem essa evolução e se preparem para responder aos novos desafios.
Para além disso, a realidade do ensino, nomeadamente do ensino superior, também tem sofrido evoluções constantes e particularmente nos últimos tempos, o que obriga os professores a terem que se adequar constante e continuamente aos novos desafios do ensino, em todas as áreas, incluindo a da Contabilidade. No IPCA, conjugamos um corpo docente de doutorados e investigadores com especialistas do mercado de trabalho. Assim, conseguimos assegurar com a investigação na área da Contabilidade e com a evolução da realidade profissional que os nossos estudantes têm acesso a uma formação adequada aos desafios que se colocam atualmente nesta área.
Para tal, é importante o investimento que fazemos na investigação aplicada e contínua a que se dedicam os nossos docentes e também na formação pedagógica no que respeita ao desenvolvimento de novas metodologias de ensino. Para além do domínio dos conhecimentos e técnicas de trabalho, é importante que os professores mantenham uma preocupação constante com o desenvolvimento a nível profissional e científico. Hoje, é importante ainda que o ensino se apoie nas vantagens das tecnologias digitais e na inovação das metodologias e estratégias de ensino-aprendizagem associadas, pelo que se torna imprescindível o reforço das competências digitais dos docentes, permitindo-lhes a utilização de metodologias e estratégias ativas de ensino em sinergia com as tecnologias digitais.
Finalmente, é importante que os docentes tenham uma visão de complementaridade e interdisciplinaridade, trabalho em conjunto os docentes de várias áreas ao longo do percurso formativo, para que os estudantes ao longo do curso tenham uma visão global das matérias e da forma como esta se relaciona entre si, em termos teóricos e práticos, pois só assim chegarão devidamente preparados ao mercado de trabalho. Em geral, penso que as Instituições de Ensino Superior têm criado condições para que o seu corpo docente possa acompanhar os desafios do ensino, nomeadamente na Contabilidade. No IPCA, temos feito os investimentos necessários para que tal aconteça e contamos, por isso, com um corpo docente muito bem preparado para o ensino da Contabilidade e áreas afins.
Maria José Fernandes - O mercado obriga as empresas a inovar e tem de ser o ensino a formar os profissionais que possam levar a cabo essa missão nas empresas. No caso particular do ensino em Contabilidade, e em especial no ensino politécnico, trabalhamos para formar profissionais capazes de fazer frente ao ambiente competitivo, de crescente complexidade e de mudanças rápidas a que assistimos. Assim, para além da componente teórica, estimulamos a participação dos estudantes em atividades práticas em contexto empresarial, real ou simulado, ao longo da aprendizagem, estabelecendo uma forte ligação à comunidade empresarial e às organizações de profissionais do setor. Temos feito um trabalho de adequação dos planos curriculares e das metodologias de ensino às exigências da realidade económica. Julgo que tem havido uma evolução importante na oferta formativa na área da Contabilidade e áreas complementares, como a Fiscalidade, a Auditoria, Finanças… E a preocupação em oferecer cursos em vários regimes (presencial, diurno e pós-laboral, mas também formação em regime à distância), de forma a permitir chegar mesmo àqueles que, devido às suas exigências profissionais, não têm possibilidade de frequentar as aulas presenciais.
No caso do IPCA, temos tido também uma participação bastante ativa no domínio da Contabilidade Pública. Esta área da Contabilidade, apesar de ter menos divulgação e existirem menos profissionais especializados na área, tem vindo a ganhar, nos últimos anos, uma relevância cada vez maior, fruto da aprovação do Sistema de Normalização Contabilístico para as Administrações Públicas. Estas entidades reconhecem hoje a Contabilidade Pública como uma ferramenta fundamental para a boa Administração Pública no desempenho das suas funções, para sustentar as decisões que têm que ser tomadas, para assegurar a transparência e a segurança da informação apresentada. Adicionalmente, tem havido uma adequação da oferta alargada de formação avançada, quer ao nível de pós-graduações, quer de mestrados, naqueles domínios científicos, quer no domínio da contabilidade empresarial, quer no da contabilidade pública, permitindo uma aprendizagem mais especializada e aprofundada.
É importante salientar também a importância da ligação das instituições e dos cursos à investigação, através de Centros de Investigação, como forma de se fomentar a pesquisa e a investigação como instrumentos essenciais no desenvolvimento da consciência crítica, da capacidade de questionar e de uma aprendizagem construída com base sólida. A realização de congressos e conferências na área da Contabilidade e áreas afins tem vindo a crescer, fomentando uma dinâmica importante entre as instituições de ensino e as empresas/instituições, contribuindo para a motivação profissional e para a participação em discussões e debates, tão importantes para conhecermos as adversidades, os desafios e as oportunidades que dia a dia vão surgindo.
C&E - Quais os principais problemas que se colocam?
MJF - No ensino, como em outros domínios, na área da Contabilidade e outras, há sempre algo que pode ser melhorado, fruto dos desafios que nos vão sendo colocados.
A pandemia que ainda vivemos, por exemplo, trouxe problemas para todas as áreas, nomeadamente no ensino, e colocaram-nos perante desafios que tivemos que conseguir ultrapassar. Esses problemas têm que ser vistos como oportunidades de reflexão e melhoria. A formação na área da Contabilidade tem que ser vista numa perspetiva mais abrangente, dos cursos de Contabilidade, mas também de Fiscalidade. E são áreas que estão em constante mudança, o que coloca os professores e estudantes perante constantes desafios, tal como acontece nas organizações diariamente. No ensino em geral, temos o problema de conseguirmos encontrar as estratégias pedagógicas necessárias para sermos capazes de motivar os estudantes. As incertezas quanto ao futuro profissional, a pressão que é colocada no cumprimento de objetivos, as dificuldades nas relações sociais, tudo isto faz com que os jovens hoje em dia vivam muitas inseguranças e incertezas e isso reflete-se na forma como estudam. As instituições de ensino superior, os professores têm de ser capazes de identificar esses problemas e encontrar as estratégias mais adequadas para desenvolver um ensino motivador através de um processo dinâmico e atual.
A digitalização e a própria gamificação do ensino constituem desafios importantes a que temos que saber responder. É importante também saber responder à necessidade de envolver cada vez mais as empresas/instituições no ensino, através da criação de parcerias entre as Instituições de Ensino Superior e o mercado, numa relação ativa entre aquelas e a sociedade em que se inserem. Outra realidade que temos que enfrentar e saber responder é a da internacionalização. As redes de parcerias com Instituições de Ensino noutros países, a ligação dos Centros de Investigação a parceiros internacionais são fatores diferenciadores do ensino que é praticado e da investigação realizada. Há determinadas áreas do ensino, e na Contabilidade isso ainda acontece, em que há uma maior dificuldade de atrair os estudantes para as experiências de internacionalização, por considerarem serem áreas do saber muito fechadas no contexto nacional. Considero, no entanto, que vêm sendo dados passos importantes para se enfrentarem estes problemas.
Melhoria contínua dos percursos formativos
C&E - Os currículos são adequados às novas exigências?
MJF - Julgo que em geral as Instituições de Ensino Superior têm a preocupação de acompanhar a evolução global, nomeadamente na área da Contabilidade, fazendo-a refletir nos percursos formativos que oferecem. Quando falamos do ensino na área da Contabilidade, na minha perspetiva, não podemos pensar apenas nos cursos de Contabilidade propriamente dita, mas sim numa visão mais alargada daqueles cursos cujo currículo prepara os diplomados para exercer uma atividade na área da Contabilidade (incluímos, assim, a formação em Fiscalidade, Auditoria). Os cursos no ensino superior (licenciaturas e mestrados) são objeto de avaliação por parte da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Essa avaliação pressupõe que todas as partes envolvidas no processo de ensino-aprendizagem (instituição, estudantes, professores, parceiros externos, empresas) sejam ouvidos e começa com um processo de auto-avaliação em que as instituições fazem uma reflexão aprofundada sobre os cursos. Todo esse processo traduz-se numa melhoria contínua dos percursos formativos que são desenhados, de forma a torná-los adequados à realidade do mercado de trabalho.
Para além disso, na área específica da Contabilidade, o acesso à profissão depende de um exame de acesso à Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC). Para aceder ao exame, os diplomados têm de ter frequentado um curso que corresponda às exigências da profissão, demonstrando ter adquirido as competências necessárias para se tornarem Contabilistas Certificados. Este reconhecimento que a OCC realiza junto das instituições de ensino superior acaba por ser uma validação externa de que os percursos formativos cumprem as exigências necessárias ao exercício da profissão. É importante salientar que a adequação dos currículos não passa apenas pela componente mais técnica. É importante perceber a importância que hoje reveste a formação sócio-cultural, humana, ética dos estudantes, em qualquer área científica. Por isso, os currículos devem ter essa abertura para que se formem técnicos competentes, capazes, mas dotados também de competências sociais, humanas, éticas.
C&E - Que alterações deveriam ser feitas para tornar o ensino da Contabilidade mais atrativo e mais adequado à realidade prática?
MJF - O ensino em geral, e o ensino superior em particular, enfrenta importantes desafios. A formação superior deve fornecer aos futuros profissionais as competências teórico-práticas adequadas às exigências do mercado, quer as atuais, quer as que se preveem no curto prazo. Estas competências devem passar não só pelos procedimentos e práticas profissionais e técnicos específicos de contabilidade, mas também por competências transversais em termos de relações humanas, trabalho em equipa, ética, pensamento crítico, resolução de problemas inesperados, trabalho sob pressão. Para além disso, é importante não esquecer as competências digitais e as novas metodologias de aprendizagem e de trabalho. Para além da preocupação de cumprir metas e cumprir programas, é importante não estar desfasado da realidade, pelo que deve existir um envolvimento ativo e dinâmico dos estudantes na aprendizagem, metodologias que privilegiem a resolução de casos, a reflexão crítica, o saber-fazer, saber-pensar. É importante também pensar no ensino numa perspetiva de multi e interdisciplinaridade, evitando que os conteúdos de uma unidade curricular ao longo do percurso formativo sejam lecionados de uma forma fechada e isolada dos restantes conteúdos.
Finalmente, e muito importante, é a abordagem alicerçada em novas estratégias direcionadas para as competências digitais. Existem novas metodologias com recurso às tecnologias, aos jogos digitais, às plataformas e dispositivos tecnológicos que têm que constituir investimentos necessários das Instituições de Ensino Superior para que o dia a dia das salas de aulas se torne atrativo e motivador para os estudantes, para os professores e o mais aproximado possível do contexto real que os diplomados encontrarão no mercado. Durante muitos anos os jogos eram considerados a antítese da aprendizagem. No entanto, os jogos e o impacto que têm na educação tem hoje particular relevância, nomeadamente junto das crianças e dos jovens, já que as tecnologias têm vindo a ser consideradas as ferramentas de ensino mais poderosas ao alcance dos professores. A “gamificação”, ou a utilização dos chamados “serious games”, tem na educação, nos dias de hoje, um papel importante, constituindo-se como poderosas ferramentas de ensino ao alcance dos professores.
C&E - Concorda com o processo atual de entrada dos candidatos no mercado de trabalho?
MJF - No que diz respeito ao acesso à profissão de Contabilista Certificado, como é sabido, o mesmo passa em primeiro lugar pela inscrição na respetiva Ordem profissional (a OCC). Este acesso passa em primeiro lugar pela necessidade de o estudante ter frequentado um curso de licenciatura e/ou mestrado que garanta o cumprimento, ao nível do número de ECTS e ao nível dos conteúdos estudados, dos requisitos exigidos pela Ordem. Estes requisitos visam assegurar que quem quer ser Contabilista Certificado teve acesso a uma formação adequada às exigências diárias da profissão. Sabemos que a formação não termina na licenciatura, isso acontece em todas as áreas, mas é importante assegurar que o profissional que chega ao mercado de trabalho se preparou devidamente para as exigências da profissão que escolheu.
Para além disso, para se tornar Contabilista Certificado, é necessário ainda fazer o exame de acesso à Ordem e frequentar um estágio de acordo com os requisitos que a Ordem exige. Quanto ao exame, acaba por ser uma espécie de filtro, mais uma vez, para assegurar a devida preparação na entrada no mercado de trabalho. Trata-se de um parâmetro de exigência. E devemos aspirar a isso: preparar os nossos estudantes e diplomados para a exigência do mercado de trabalho. Quanto ao estágio, há muitos cursos de ensino superior que já integram estágio ou projeto em simulação empresarial (como é o caso dos cursos de licenciatura do IPCA na área da Contabilidade/Fiscalidade) que cumprem as exigências da OCC e, como tal, dispensam os estudantes, no acesso à Ordem, de frequentarem novamente estágio.
Estes critérios de acesso devem ser vistos como positivos, na medida em que traduzem critérios de exigência, de preparação adequada. Trata-se de uma segurança para os próprios diplomados num momento importante de acesso à profissão, tornando-os mais confiantes quando iniciam o exercício da Contabilidade numa organização ou por conta própria.
Licenciatura é ponto de partida
C&E - Existe uma formação adequada depois da entrada no mercado de trabalho?
MJF - Qualquer profissional, nomeadamente os da área da Contabilidade, tem de estar consciente de que a sua formação não termina numa licenciatura ou num mestrado. Pensar dessa forma é parar no tempo e isso significa estar descontextualizado da realidade. A conclusão de uma licenciatura é apenas o ponto de partida para uma formação contínua ao longo da vida ativa. Na área da Contabilidade, pela constante evolução legislativa e também digital que se verifica, os profissionais têm que encontrar forma de se manterem atualizados e fazerem uma formação de reciclagem e aperfeiçoamento ao longo da vida. Muita desta formação é feita em contexto de trabalho, em autoformação, tendo as publicações científicas e profissionais um papel importante nesta área. Para além disso, os cursos de pós-graduação, os cursos breves são opções muito interessantes e importantes para concretizar o objetivo de proporcionar educação e formação numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, sem estarem associados à obtenção de um grau académico.
Uma vez que se trata de formação para quem está no mercado de trabalho, para possibilitar a conciliação do trabalho com a formação, as opções de formação a distância/online têm constituído uma boa resposta para esta necessidade de formação contínua especializada.
C&E - Os docentes estão adaptados à nova realidade da Contabilidade?
MJF - O papel da Contabilidade nas organizações tem vindo a mudar ao longo dos anos. Como tal, as Instituições de Ensino Superior têm que adequar a formação à realidade empresarial de forma que os diplomados encontrem lugar no mercado de trabalho e sejam um verdadeiro contributo para a realidade das exigências das instituições. Cabe aos professores fazer a ligação entre aquilo que o mercado exige e a preparação de que estão dotados os diplomados que saem para o mercado de trabalho. Como tal, a evolução do papel da contabilidade nas organizações e os novos desafios que se colocam exigem que os professores também acompanhem essa evolução e se preparem para responder aos novos desafios.
Para além disso, a realidade do ensino, nomeadamente do ensino superior, também tem sofrido evoluções constantes e particularmente nos últimos tempos, o que obriga os professores a terem que se adequar constante e continuamente aos novos desafios do ensino, em todas as áreas, incluindo a da Contabilidade. No IPCA, conjugamos um corpo docente de doutorados e investigadores com especialistas do mercado de trabalho. Assim, conseguimos assegurar com a investigação na área da Contabilidade e com a evolução da realidade profissional que os nossos estudantes têm acesso a uma formação adequada aos desafios que se colocam atualmente nesta área.
Para tal, é importante o investimento que fazemos na investigação aplicada e contínua a que se dedicam os nossos docentes e também na formação pedagógica no que respeita ao desenvolvimento de novas metodologias de ensino. Para além do domínio dos conhecimentos e técnicas de trabalho, é importante que os professores mantenham uma preocupação constante com o desenvolvimento a nível profissional e científico. Hoje, é importante ainda que o ensino se apoie nas vantagens das tecnologias digitais e na inovação das metodologias e estratégias de ensino-aprendizagem associadas, pelo que se torna imprescindível o reforço das competências digitais dos docentes, permitindo-lhes a utilização de metodologias e estratégias ativas de ensino em sinergia com as tecnologias digitais.
Finalmente, é importante que os docentes tenham uma visão de complementaridade e interdisciplinaridade, trabalho em conjunto os docentes de várias áreas ao longo do percurso formativo, para que os estudantes ao longo do curso tenham uma visão global das matérias e da forma como esta se relaciona entre si, em termos teóricos e práticos, pois só assim chegarão devidamente preparados ao mercado de trabalho. Em geral, penso que as Instituições de Ensino Superior têm criado condições para que o seu corpo docente possa acompanhar os desafios do ensino, nomeadamente na Contabilidade. No IPCA, temos feito os investimentos necessários para que tal aconteça e contamos, por isso, com um corpo docente muito bem preparado para o ensino da Contabilidade e áreas afins.