“Covid-19 não afetará as boas contas da Câmara de Gaia”;

Presidente da autarquia, Eduardo Vítor Rodrigues, garante
“Covid-19 não afetará as boas contas da Câmara de Gaia”
 O presidente da Câmara de Gaia garante que não haverá “nenhuma perda nas políticas municipais”.
A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia fechou 2019 com uma dívida de 106,6 milhões de euros, montante 16,8% inferior ao de 2018 e 64,4% abaixo de 2013, ano do início do primeiro mandato do presidente da autarquia, Eduardo Vítor Rodrigues, que está no segundo mandato. Trata-se de uma redução de quase 200 milhões de euros em seis anos. A pandemia será um desafio adicional, mas, de acordo com o autarca, “não afetará as boas contas da Câmara de Gaia”. “Não vamos encontrar na Covid-19 desculpas para retirar benefícios às pessoas, pelo contrário. Para isso também serviu o trabalho que foi feito até agora. Foi criada uma bolsa de poupança que hoje nos permite evitar repercutir no cidadão este efeito”, refere, em entrevista à “Vida Económica”, Eduardo Vítor Rodrigues.

Vida Económica – A Câmara de Gaia reduziu dívida em quase 200 milhões desde 2013. A pandemia de Covid-19 pode afetar as boas contas?
Eduardo Vítor Rodrigues –
A pandemia de Covid-19 não afetará as boas contas da Câmara de Gaia. A única coisa que pode afetar é o nível de receita, mas nunca as boas contas, vamos chegar ao fim do ano com uma situação equilibrada. O que temos como problema é que, neste momento, estamos com mais capacidade do lado das despesas de capital do que do lado das despesas correntes. Uma Câmara com mais de dois mil funcionários, nesta altura de Covid-19, não tem investimento, não há despesas de capital, há é despesas correntes, como seja o apoio a IPSS, escolas, etc. O que fizemos foi financiar-nos junto da banca com 10 milhões de euros para despesa corrente, mas de relativo curto prazo, de quatro a 10 anos. Mas estamos a falar de 10 milhões nas despesas correntes, quando pagámos 200 milhões, é absolutamente irrelevante e mantém-nos à “tona”. E se for preciso travar algo para haver equilíbrio, fá-lo-emos. Temos vários investimentos que, na lógica plurianual, só têm repercussão nas contas no próximo ano, se for preciso, travamos. Agora, terão de ser investimentos que possam ser considerados secundários, não podem ser investimentos fundamentais. Porém, não antecipo essa necessidade. Nem vai haver nenhuma perda nas políticas municipais. Não vamos encontrar na Covid-19 desculpas para retirar benefícios às pessoas, pelo contrário. Para isso também serviu o trabalho que foi feito até agora. Foi criada uma bolsa de poupança que hoje nos permite evitar repercutir no cidadão este efeito. Se fosse em 2014, seria diferente.

VE – Houve muitas empresas do concelho a recorrer ao lay-off?
EVR –
Tudo o que é transportes recorreu, a indústria pesada recorreu. E nem foi pela crise em si, mas pelo impacto da ausência de exportações. Parou tudo. Mas isso não é necessariamente mau, dado que recorreram ao lay-off na perspetiva de não fazerem despedimentos. Foi uma salvaguarda. O que é preciso é ter em atenção que, do ponto de vista sanitário, há sinais de que a pandemia pode estar em vias de ser controlada, mas do ponto de vista económico não está. Portanto, algumas medidas teriam de ser replicadas. Isso é importante para nós, dado que temos aqui um tecido económico forte que não queremos ver fragilizado. Nós também estamos a fazer a nossa parte. O problema é que as pessoas acham que os municípios podem fazer muito e, legalmente, até nem é esse o caso. Porém, de tudo o que está sob a nossa alçada, como as taxas e as tarifas, atuámos. A área com mais dificuldade, além das empresas, é nas IPSS com lares. Se não fosse a Câmara, muitas já nem dinheiro para o dia a dia teriam.

VE – O que pode ser feito pelas IPSS?
EVR –
A Segurança Social tem de olhar para o problema das IPSS com olhos de ver. E não vale a pena haver mais endividamento, porque as IPSS não suportam mais. Durante uma década não houve, praticamente, atualizações das comparticipações. Tudo aumentou, mas as IPSS continuam a receber por idoso o mesmo valor de há uma década. É preciso definir um programa a fundo perdido para este setor. Só em Gaia existem 2500 pessoas a trabalhar neste tipo de entidade, são 59 lares. Empregam mais pessoas do que a Câmara Municipal. Isto é tudo em escala. Li sobre câmaras municipais que compraram computadores para todas as crianças. Quantas eram? 200. Nós temos 15 mil. Mesmo assim, comprámos mil tablets e 400 computadores… mas a escala aqui é brutal.

VE – Sente movimento económico neste período de desconfinamento?
EVR –
Diria que sim. Mas também vai haver aqui um fenómeno curioso que é a alteração nos comportamentos das pessoas, porque há muita gente que nunca tinha ouvido falar de take-away e que agora vai ao seu restaurante favorito buscar a comida para comer em casa. Tal como com as esplanadas, temos tido muitos pedidos de ampliação ou de novas esplanadas. Um grande problema são as empresas de transportes, que já estavam mal e o serviço já tinha debilidades. Dois meses parados são dois meses sem receitas. Depois, na área dos transportes, antes do lay-off deram férias. Vamos chegar aos meses de verão, que são de pico para o setor, com praias, excursões, etc., com nada. E vão ter os motoristas na empresas, porque já gozaram férias. Tenho receio do que isto possa significar. É dos setores onde prevejo maior dificuldade, porque não há retoma, sequer gradual. As pessoas foram buscar o carro à garagem outra vez, com medo. Só anda mesmo quem precisa, na hora de ponta, e não há capacidade de resposta porque não há receita.

VE – As necessidades vão mudar para mobilidades mais individuais e suaves?
EVR –
Não tenho, para já, grande expectativa disso. Acho que temos um problema. Eu, se morasse em Amesterdão, também andava de bicicleta, mas o problema é que você começa a subir a avenida da República e chega a meio e não aguenta. Ou seja, a morfologia do terreno também explica muita coisa. Admito que as bicicletas elétricas possam ter um impulso, mas é um veículo que não pode ser deixado em qualquer lado como as outras. Agora, o que o município vai fazer é começar com uma experiência, para já em Grijó, mas vai ser alargada, que é uma experiência de transporte porta a porta em que as juntas de freguesia vão ter carrinhas de nove lugares e vão ter um serviço de rebatimento. Ou seja, um idoso precisa de ir ao hospital, mas o autocarro pára em Santo Ovídio. Como faz? Telefona, a junta vai buscá-lo e coloca-o no rebatimento do autocarro. Estou convencido que, pelo menos para os mais idosos, vamos ter aqui uma solução com procura.
Agora, eu acho que as cidades vão mudar em muitas outras coisas. Na mobilidade pessoal, creio que vai ser mais lento. Já estavam a mudar mesmo antes da crise, com maior presença de trotinetes, por exemplo. Mas as cidades vão mudar muito, como por exemplo na forma como se organiza o espaço público, como os parques infantis se localizam e qual o seu tipo.

VE – Ainda não se sabe como o teletrabalho irá evoluir, com mais pessoas nessa situação.
EVR –
Isso, a acontecer, representará menos pessoas a irem para o centro das cidades e menos espaços alocados e movimentos na restauração. Agora é preciso ver ter em atenção ao que isso pode significar para a própria pessoa. Uma das coisas que acabam por acontecer é que a relação pessoal, seja no trabalho, seja nos momentos mais ociosos, acaba por ser um fator de equilíbrio. O teletrabalho não é só vantagens, dado que pode individualizar as funções causando danos à cultura de empresa e ao equilíbrio emocional das pessoas. Nós somos seres de hábitos e seres sociais. Sinceramente, tenho  expectativa no teletrabalho, mas cautelosa, para podermos acautelar a vida das pessoas. Não é para implementar “cegamente”. É preciso conciliar e não abdicar do trabalho em espaço comum.

VE – Aqui no centro da Gaia acha que o futuro vai estar mais nos escritórios ou na habitação?
EVR –
Nos escritórios. Acho que vai terciarizar-se. Isto porque o que é habitação já existe e porque sentimos que no Porto o crescimento terciário está já a “estrangular”, porque a cidade é pequena e nós temos sentido procura do setor terciário, não o da porta aberta, como as agências bancárias, mas atividades como os notários ou os advogados. A demonstração disso eram os preços antes da pandemia. Na habitação, quanto melhores forem os transportes, mais as pessoas podem disseminar um pouco mais.

VE – Gaia é muito atrativa pela proximidade do Porto?
EVR –
Os fenómenos positivos do Porto tendem a estender-se. Mesmo na habitação, os preços em Gaia explodiram pelo efeito Porto.

VE – O alojamento local tem futuro em Gaia?
EVR –
Vamos ver. Se o turismo recuperar, sim. Já éramos muito procurados. Já tínhamos, aliás, alojamento local a mais e estávamos já na fase de criar zonas tampão, que estão previstas na lei. Estou em crer que muitos proprietários vão virar-se de novo para o arrendamento. O arrendamento dá menos dinheiro, mas é estável. O alojamento local não vai ser fácil tão cedo, porque o tipo e o volume de turismo que um alojamento local implica é tão grande que vai obrigar as pessoas as procurarem alternativas e o arrendamento é uma alternativa. Estou a contar com isso. E isso pode baixar os valores das rendas.

VE – Pode ser a CM Gaia a fazer isso como está a fazer a CM Lisboa, garantindo o pagamento de rendas e fazendo subarrendamento de imóveis?
EVR –
Neste momento temos um projeto para fazê-lo. O problema é tudo escala. Lisboa pode fazer isso, porque tem mil milhões de euros de orçamento. O Porto tem 200 milhões. Gaia tem 190 milhões. É preciso criar uma bolsa suficientemente forte do ponto de vista financeiro que permita ir ao mercado “apanhar” e depois gerir as rendas. E sabe-se que se trata de um processo deficitário. Nós temos mais a expectativa de deixar o mercado funcionar, porque não temos maneira de, de repente, entrar com milhões como Lisboa fez, porque, neste momento, está claro que o alojamento local vai diversificar-se para o arrendamento. A partir daí é o mercado a funcionar, a baixar as rendas e as pessoas a poderem pagá-las.

VE – Gaia implementou medidas para  a transferência de alojamento local para arrendamento?
EVR –
A lei indica que quem muda o imóvel de alojamento para outro fim perde a licença durante cinco anos. O que fizemos foi criar um regime transitório para quem utilizar o alojamento local para arrendamento não perder a licença. Na expectativa de, no prazo de três anos, haver uma retoma, essa pessoa recupera a licença para poder exercer a sua atividade económica. Até lá, coloca a casa no mercado, arrenda, resolvemos o problema a uma família, que passa a poder estar numa zona mais central, e o proprietário não perde o investimento na totalidade.

VE – As eleições autárquicas deverão ocorrer em outubro de 2021. Já está a pensar nisso?
EVR –
Ainda não está na nossa mente. Estamos a trabalhar a todo o vapor. Tudo o que preparámos em termos de quadro comunitário estão em fase de lançamento. Por isso, continuamos a trabalhar e não posso ter o fito das eleições, até porque alguns dos projetos que estamos a lançar até são plurianuais. Aqui o que é necessário adaptar rapidamente é a nossa resposta aos problemas sociais. O arranque do próximo ano letivo vai ser muito importante, até para percebermos a estabilidade das famílias. Isso é muito importante. Agora, em termos de investimento, nem há intensificação nem retração. Foi tudo pensado com um norte e não temos calendários eleitorais em mente. Mas vai tudo avançar, o metro, a obra do hospital (já avançou), o centro de congressos. Agora, não é a pensar nas eleições. Tenho é de justificar a confiança das pessoas até lá e estas, quando lá chegarmos, olharem para o que foi feito e para os seus bolsos. Na verdade, hoje em Gaia paga-se menos IMI e fatura da água, e nós não fizemos nenhum milagre, só mudámos o modelo de gestão.

VE – No futuro pode haver mais desagravamentos ainda?
EVR –
Neste mandato não. Não vale a pena estar com grande expectativas, até porque neste mandato já fizemos duas revisões de IMI, retirámos a componente municipal da fatura da água (a taxa de resíduos sólidos) e o tempo que aí vem tem de ser de recuperação e de redistribuição. No próximo mandato, como sempre tenho dito, à medida que a Câmara Municipal for adquirindo mais equilíbrio e sustentabilidade, isso tem de repercutir-se na vida dos cidadãos. Agora, pode repercutir-se baixando alguns impostos ou – e por vezes repercute-se ainda mais – dando mais respostas às pessoas. Por exemplo, foi proposta pela oposição uma redução de IMI de, em média, 35 euros por imóvel. Ora, se pensarmos que as 15 mil crianças das escolas de Gaia recebem, todos os dias do ano letivo (incluindo as férias), um pequeno almoço e um lanche gratuito, não sei o que representa mais poupança para as famílias. Ou os idosos receberem uma série de regalias da política de ação social da Câmara. A tese dos impostos tem de ser equilibrada, porque os impostos não são um instrumento de saque às pessoas, são um instrumento de redistribuição. Têm de ter a justa medida de poder retirar da atividade económica uma parcela de dinheiro para, depois, fazer a justa redistribuição. Se apostarmos na ideia do imposto mínimo, a certa altura estamos a decapitar a instituições de poderem fazer o seu trabalho. E aí quem tem fica, quem não tem, azar. Acho que não pode ser esse o modelo de sociedade que queremos. Se houve algo que a Covid-19 trouxe para a consciência coletiva outra vez foi a importância dos serviços públicos, sobretudo a saúde. É preciso que as pessoas percebam para que é que descontam. Quando os impostos são muito altos, dissuadem as pessoas. Mas também quando são muito baixos, as instituições não têm músculo para responder aos problemas. Portanto, considero que estamos no limite razoável. Por princípio, já o fiz há quatro anos, em ano de eleições não se mexe em nada, até porque qualquer redução em ano de eleições é lida como oportunismo político.

VE – Em que patamar está o projeto do metrobus?
EVR –
Estamos em fase de adjudicação para, se tudo correr bem, a obra arrancar já em julho. Lançámos o concurso, que foi longo, tivemos estudos difíceis, mas a obra vai avançar. O metrobus prevê previamente obra de terreno para cativar faixas específicas. No nosso caso, as faixas de metrobus vão ser coabitadas com veículos elétricos, será uma espécie de corredor verde.

VE – O metrobus será operado por privados?
EVR –
Neste momento, só temos operadores privados. O objetivo é que a operação depois passe para a Metro do Porto, que faça a gestão, compre o material circulante e fique com a receita. Nós não somos operadores, temos o papel da mão que segura a bicicleta quando alguém aprende a andar, isto é, só queremos lançar o projeto e, depois, a Metro do Porto assume-o, com as mesmas cores, a mesma sinalética.

VE – Voltando aos imóveis, já se nota baixa nos preços?
EVR –
No segmento médio-alto, ainda não, mas no mais baixo será inevitável. Para não ficarem com o investimento parado, muitos investidores vão ter de deixar a casa anunciada no Bookings para passar para a imobiliária. Também é preciso que a banca faça o seu papel. Não tenho a certeza que o dinheiro esteja a chegar a quem precisa. Tenho medo que, a reboque das medidas e linhas de crédito criadas pelo Governo, haja muita gente a aproveitar para fazer substituição de empréstimos com taxas  de juros bonificadas, para os bancos ficarem mais seguros com financiamentos com garantias, e não é isso que ativa a economia. Esse é o meu receio. Já se começa a falar muito de estratégias de substituição de empréstimos e não foi para isso que isto foi criado.

VE – Uma empresa que esteja em incumprimento, com a banca ou fisco e Segurança Social, não tem direito às linhas Covid-19 ou a moratórias. E só essas são 20% do total das empresas
EVR –
O que os franceses fizeram faz sentido, embora a condição económica seja outra. Há aqui uma dimensão que tem de ser a fundo perdido. Porque as pessoas perderam mesmo, não vale a pena. E endividá-las ainda mais rebenta com a economia. Agora, o que me parece é que tem de haver um controlo do dinheiro que está a ser garantido pelo Estado e a forma como os bancos estão a aplicá-lo. Tenho receio que estes peguem no pacote que lhe diz respeito e chamem os melhores clientes para dividir. E não pode ser assim.

VE – Considera que nas dificuldades resultantes da pandemia há desigualdade grande entre o público e o privado, porque os que trabalham para o privado têm perdas de rendimento por lay-off, mas os que trabalham para o setor público não…
EVR –
Só não têm lay-off, os que estiveram em teletrabalho. Eu acho que a questão é mais a segurança do que o resto. A grande diferença não é no rendimento, até porque em média o rendimento no privado é maior do que no público, mas, na perceção da segurança, o pensar “apesar de eu estar em casa, sei que hei de voltar e que o posto de trabalho está lá” e no privado pode voltar e a empresa já ter fechado. Aí sim. Agora, acho que não há grande desigualdade desse ponto de vista. Na perceção de desigualdade isso pode ter a ver com a maneira de alguns privados de compensarem o salário com prémios, que no público não pode ter, e isso pode ser perdido, mas, do lado formal da massa salarial, não acho que haja desigualdade.

*com José António de Sousa e Aquiles Pinto
João Luís de Sousa* jlsousa@vidaeconomica.pt, 11/06/2020
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