Crise favorece indústria agroalimentar e farmacêutica;

José Monteiro, country manager da Coface Portugal, considera
Crise favorece indústria agroalimentar e farmacêutica
“O risco de crédito das empresas será muito elevado, mesmo num cenário otimista em que a atividade económica recomeçará gradualmente no terceiro trimestre do ano” – afirma José Monteiro. Em entrevista à “Vida Económica” o “country manager” da Coface Portugal destaca o setor automóvel, o turismo e a aviação entre os setores mais atingidos. Pelo contrário, a atual crise está a beneficiar o agroalimentar e a indústria farmacêutica.
A nível mundial, a Coface prevê uma quebra média de 1,3% no PIB, a redução das trocas comerciais e recessão em 68 países.

Vida Económica - Com a crise da Covid-19 estamos perante os riscos mais altos de sempre nas empresas?
José Monteiro -
Estamos sem dúvida perante uma crise sem precedentes, cuja dimensão das implicações económicas e sociais será seguramente muito significativa. Por isso, as empresas devem agir com prudência, na gestão dos seus riscos comerciais, servindo-se dos recursos e ferramentas existentes, nomeadamente o seguro de créditos, por forma a obterem um conhecimento o mais atualizado possível da situação dos seus clientes, no que se refere aos efeitos que os confinamentos implementados a nível global provocaram na sua atividade. A singularidade desta crise torna inúteis as comparações com as anteriores, uma vez que todas as mais recentes e que estão na nossa memória tiveram origem financeira. A questão já não é saber que países e setores de atividade serão afetados por este choque, mas sim quais serão poupados e vão ultrapassar esta situação muito difícil.
 
VE - Além dos riscos diretos da pandemia, há um efeito de agravamento dos riscos que já existiam nas análises da Coface?
JM -
As nossas equipas de gestão de informação e análise de risco, localizadas nas diversas geografias em que a Coface opera, mais de 100 países a nível global já vinham incorporando os indicadores de desaceleração que estava a ocorrer em diversos países, bem como os seus impactos em vários setores de atividade, nomeadamente os ligados aos bens de consumo duradouros, como o setor automóvel. Neste momento, a desaceleração que estávamos a verificar neste setor foi agravada, sendo, a par com o turismo e a aviação, provavelmente, os setores mais afetados pela pandemia de COVID-19. Outros setores, como o têxteis, calçado e a eletrónica, serão também afetados. No outro extremo, o consumo de produtos agroalimentares e farmacêuticos estão a beneficiar desta situação excecional. O choque pode ser ainda mais violento nas economias emergentes, porque, para além da gestão da pandemia, que lhes será mais difícil, enfrentam também a queda dos preços do petróleo, bem como as saídas de capital, que quadruplicaram em relação aos níveis de 2008.
 
Primeira recessão desde 2009
 
VE - Sendo a Coface uma empresa global, considera que a incidência não será a mesma em todos os mercados?
JM -
O departamento de pesquisa e análise económica da Coface  prevê para 2020 a primeira recessão da economia mundial desde 2009, com uma taxa de crescimento de -1,3% (após +2,5% em 2019). Prevê-se que a recessão afete cerca de 68 países (contra apenas 11 no ano passado), uma queda do comércio mundial de 4,3% (após uma queda de -0,4% em 2019) e um aumento de 25% das insolvências de empresas a nível mundial (em comparação com a previsão inicial de Janeiro, que era de +2%). Estamos conscientes de que o risco de crédito das empresas será muito elevado, mesmo num cenário “otimista”, em que a atividade económica recomeçará gradualmente no terceiro trimestre do ano, e desde que não exista uma segunda vaga da pandemia no segundo semestre de 2020.
 
 VE - Que impacto está a ter sobre o seguro de crédito e os prémios praticados?
JM -
No caso da Coface, os prémios de seguro são calculados de acordo com diversos indicadores, resultantes da avaliação do risco da carteira de clientes dos segurados ou potencial segurado, do seu volume de negócio, bem como da ponderação de vários fatores, tais como os prazos de vencimento dos créditos em risco, o risco do setor em que os compradores se situam, o risco do país, etc. Deste modo, caso ocorra um aumento do prémio, o mesmo está associado aos fatores anteriormente referidos, bem como à sinistralidade ocorrida e previsível. Apesar desta metodologia na definição dos prémios a praticar, temos de ter consciência que o efeito da pandemia na atividade económica agrava significativamente o risco de incumprimento das empresas, em particular nos  setores que serão mais afetados. Apesar deste contexto difícil, a Coface tem procurado ajustar a sua exposição em função de uma análise das necessidades da procura e do risco sectorial, procurando acompanhar a exposição dos seus clientes, garantindo assim o fundamental da sua atividade de cobertura de risco de crédito e da liquidez das empresas.
 
 VE - O aumento esperado da sinistralidade coloca em causa o equilíbrio de exploração do seguro de crédito?
JM -
Naturalmente que a sinistralidade tem impacto na atividade das seguradoras no seu todo, o que também se aplica às seguradoras de créditos. No entanto, a confirmação do rating A2 da Coface reflete a confiança da Moody’s na sua resiliência como seguradora de créditos, graças à sua capacidade de rever os riscos de curto prazo, e a sua estabilidade financeira, uma vez que apresentou no final de 2019 um rácio de solvabilidade de 190%, superior ao seu objetivo de se situar entre 155%-175%. É importante também sublinhar que os mecanismos de apoio às seguradoras de crédito, implementados por muitos governos a nível global, contribuirão de forma muito significativa para mitigar o impacto desta crise nas seguradoras de créditos.
 
Proteger transações nos mercados externos
 
VE - De que forma a Coface pode ajudar as empresas a gerir os riscos de incumprimento?
JM -
A Coface é uma seguradora de crédito especializada no risco de incumprimento de pagamento, ou seja, na proteção contra a falta de pagamento das empresas aos seus fornecedores, estejam eles localizados no mercado doméstico ou em mercados externos. O seguro de crédito tem um papel fundamental no apoio à solidez financeira das empresas, porque permite cobrir o risco de incumprimento dos créditos detidos sobre os seus clientes, independentemente do país onde se encontra o mercado de destino. Esta solução, para além de permitir que as empresas tenham à sua disposição informação atualizada sobre a qualidade creditícia dos seus clientes e potenciais clientes, em qualquer lugar do mundo, através de uma ferramenta que assegura uma gestão eficaz da recolha, análise e monitorização do risco de crédito, permite também delegar na seguradora a recuperação dos créditos concedidos, um serviço que é particularmente vantajoso em mercados externos, onde a distância, a língua e o desconhecimento da legislação local dificultam o processo de cobrança de dívidas. O seguro de crédito facilita ainda o acesso ao crédito bancário, permitindo a antecipação dos recebimentos dos clientes, cujo risco de incumprimento é coberto pela seguradora.
Em conclusão, o seguro de créditos é um instrumento de proteção por excelência, uma vez que desenvolve a qualidade do negócio e ajuda no crescimento da rentabilidade das empresas, minimizando o risco de insolvências, permitindo ainda identificar novos clientes com vista ao crescimento da atividade. Para além destas vantagens, é importante realçar que a Coface é a única seguradora em Portugal que inclui nas suas apólices a cobertura do risco político e catastrófico, bem como a única seguradora de crédito a operar a nível global com uma marca única, as mesmas soluções e tecnologias, propondo, através da sua rede internacional, soluções especializadas para cada segmento de clientes, qualquer que seja o mercado em que opera.
 
VE - Quais são as precauções que as empresas devem tomar quando concedem crédito aos seus clientes?
JM -
Neste contexto, global e incerto, em que a capacidade de previsão é muito difícil de assegurar e onde os riscos se agravam de forma acentuada, utilizar o seguro de créditos como forma de garantir a cobertura do risco de incumprimento dos clientes garante um impacto muito positivo na rentabilidade e confere maior segurança às trocas comerciais, quer a nível doméstico, quer, fundamentalmente, na exportação.
Neste contexto de pandemia, estamos também a assistir a um aumento no número de fraudes nas transações empresariais, para as quais a Coface alerta frequentemente, não só os seus clientes, mas também o mercado em geral. Deste modo e sempre que existam dúvidas nos contactos com potenciais clientes ou com clientes já existentes, aconselhamos a recolher informações no meio profissional ou do setor de atividade, permitindo verificar se o cliente é conhecido e qual o seu modo de atuação junto de outros fornecedores. Será importante procurar promover um encontro com o seu cliente, mesmo que de forma remota, no sentido de validar a sua conformidade e, sempre que necessário, contactar o departamento de gestão de riscos da seguradora de créditos com que estiver a operar, com o objetivo de avaliar a informação existente e a credibilidade do contacto. Com esse apoio, as empresas garantem a tranquilidade e estabilidade financeira indispensáveis, para o seu crescimento sólido e sustentado.

Estados estão a aumentar apoios aos seguros de crédito

“Na Coface, consideramos que é fundamental, como contributo para a retoma económica do país, o apoio do Governo às seguradoras de créditos a operarem em Portugal” – refere José Monteiro. Estamos a verificar diariamente, em toda a Europa e não só, a implementação de linhas de apoio público à atividade do seguro de créditos, disponibilizadas pelos governos, que visam permitir às seguradoras manter a sua capacidade de assumir exposição, em partilha de risco com o Estado, no sentido de assegurar a sua competitividade comparativamente com as seguradoras dos outros países, que estão a cobrir o risco de crédito das empresas concorrentes com as empresas nacionais. “De facto, e no contexto atual, é muito importante que as empresas portuguesas, exportadores e não só, possam também beneficiar de melhores coberturas de risco junto das suas seguradoras, no sentido de poderem continuar a operar sem necessidade de aumentar os seus custos financeiros, ao recorrerem a linhas de crédito para assegurar as suas necessidades de fundo de maneio, uma vez que o crédito de fornecedores é fundamental para o normal funcionamento da atividade económica” – acrescenta o “country manager” da Coface Portugal. Em sua opinião,  as dificuldades com que as empresas estão a confrontar-se e que vão viver nos próximos meses poderão ser mitigadas com o esforço que os governos de todos os países afetados estão a fazer, bem como de outras instâncias internacionais que, no seu conjunto, estão a adotar medidas extraordinárias de apoio às empresas, que visam apoiar a oferta e a procura, com vista a podermos ultrapassar com a máxima rapidez este momento de exceção.

 

Susana Almeida, 21/05/2020
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