Empréstimos do PRR são uma oportunidade única para financiar as empresas;

Castro Almeida, ex-secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, considera
Empréstimos do PRR são uma oportunidade única para financiar as empresas
“Gerir bem o dinheiro dos fundos significa definir corretamente os resultados que se pretende ma Castro Almeida.
No documento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que António Costa apresentou ao plenário do Conselho Económico e Social, a 23 de fevereiro, o montante de empréstimos de que Portugal dispunha na “bazuca” era de 2,7 mil milhões de euros, em vez dos 15,7 mil milhões disponibilizados a Portugal pela Comissão Europeia. Castro Almeida afirma que o Primeiro- -Ministro tomou uma decisão “imprudente” ao prescindir de 13 mil milhões de euros.
O Governo, na última versão do PRR, resolveu aumentar em 2300 milhões de euros o montante a levantar como empréstimo. “É um passo em frente, que saúdo, mas de alcance muito limitado. Ficam ainda 10 mil milhões de euros por aproveitar”, acrescenta.
Vida Económica – As razões que terão levado o Governo a recusar os 13 mil milhões de empréstimos da “bazuca europeia” fazem sentido?
Castro Almeida -
Creio que a decisão do Governo de recusar milhares de milhões de euros de empréstimos a longo prazo e quase sem juros só pode ter como fundamento a circunstância de Portugal ter já uma das maiores dívidas públicas do mundo, em percentagem do PIB.
Pareceria ser uma posição de prudência, mas não é. Da mesma forma que nem todos os investimentos são virtuosos, também nem todas as dívidas são perversas. Portugal andou longos anos a acumular dívida pública contraída para cobrir despesas correntes e ordinárias do Estado. Foi um erro. Mas contrair dívida para investir nas PME que tenham problemas de financiamento, embora sejam economicamente viáveis, essa será uma dívida virtuosa.

VE -  Que ganharia Portugal com esse volume de empréstimos? O Banco Português de Fomento estaria mais apto a apoiar as empresas?
CA -
Estes empréstimos do PRR são uma oportunidade única para financiar o Banco de Fomento, que, por sua vez, poderá financiar as empresas. Mas insisto: apenas as empresas que o Banco de Fomento verifique terem viabilidade económica, aquelas em que uma injeção financeira seja o remédio adequado para o seu desenvolvimento (e não para adiar a sua morte).

VE – Na sua opinião, quais são as principais dificuldades financeiras das PME?
CA -
É sabido que as nossas PME sofrem de uma crónica escassez de capitais próprios: pouco mais de metade das empresas europeias e perto de um terço das empresas americanas. Nestas condições, uma injeção de capital pode ser decisiva para o crescimento de empresas financeiramente estranguladas.
Tivemos agora a notícia que o Governo, na última versão do PRR, resolveu aumentar em 2300 milhões de euros o montante a levantar como empréstimo. É um passo em frente, que saúdo, mas de alcance muito limitado. Ficam ainda 10 mil milhões de euros por aproveitar.

Fundos deveriam ter avisos de candidatura em contínuo

VE – De que forma se poderia melhorar o acesso da PME aos fundos europeus?
CA -
Creio que há duas medidas inovadoras que poderiam contribuir para normalizar a relação das nossas PME com a máquina da gestão dos fundos europeus. A primeira seria a criação da figura do gestor de procedimento: alguém, sempre a mesma pessoa, que acompanharia de princípio ao fim todo o processo de realização dos investimentos. Alguém que conheceria detalhadamente o estado de execução dos investimentos e que poderia avaliar se qualquer atraso de execução face ao programado seria recuperável ou não, se tinha na sua origem um imprevisto ultrapassável ou uma complicação insuperável que obrigasse a pôr fim ao contrato de financiamento. Este gestor de procedimento garantiria também a necessária rapidez na resposta às múltiplas questões que as empresas colocam e que atualmente têm dificuldade em ver respondidas a tempo e horas. Garantiria, finalmente, celeridade no processamento dos pedidos de pagamento.
A segunda medida inovadora seria no método de abertura de avisos para candidaturas. Deveriam passar a ser em contínuo e não com prazo limitado de apresentação de candidaturas. O sistema atual conduz a que no último dia do prazo limite apareçam no sistema milhares de candidaturas. De outra forma poderia haver um fluxo normal de candidaturas que permitiria também uma melhor distribuição dos tempos de análise.
Há que reconhecer, finalmente, que nenhuma das medidas acima apontadas dispensa uma terceira medida: reforçar os recursos humanos dos organismos intermédios que analisam as candidaturas (IAPMEI, AICEP, ANI, Turismo) e contratar um conjunto de peritos que ultrapassem a forma burocrática como tendem a ser analisadas as candidaturas. Dir-se-á que isso custa dinheiro e obriga a contratar mais funcionários públicos. Mas não se pode poupar no farelo e gastar na farinha. A lei prevê um prazo de 60 dias para analisar candidaturas e 30 dias para processar os pedidos de pagamento. Se estes prazos fossem cumpridos, existiria uma relação normalizada, fluente e previsível entre as empresas e as autoridades de gestão e os organismos intermédios que gerem as candidaturas.

VE - Quer dizer que os fundos poderiam ser melhor geridos?
CA -
Gerir bem o dinheiro dos fundos significa definir corretamente os resultados que se pretende alcançar e atingir as metas definidas. Executar o programa não significa gastar o dinheiro. Significa atingir os resultados previstos. Para isso é necessário que os resultados estejam claramente explicitados, com indicadores adequados e facilmente mensuráveis.
É necessário, em segundo lugar, que os contratos com os promotores sejam uma extensão da obrigação de resultado a que os programas estão obrigados. Os contratos não devem ser para disponibilizar e gastar uma certa quantidade de dinheiro, mas antes para atingir um certo resultado, a troco de uma certa quantidade de dinheiro.
Não se deve financiar a compra de uma máquina, mas antes um determinado aumento da produção ou da faturação (para a qual foi necessário comprar uma máquina).
Esta é a grande orientação que é necessário acautelar no próximo ciclo de fundos: contratualizar resultados e não quantias de dinheiro, sendo o dinheiro a medida do custo dos resultados contratados. Isto significa que, se não houver resultados, não deve haver dinheiro.
VIRGÍLIO FERREIRA (virgilio@vidaeconomica.pt), 22/04/2021
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