Governo aperta cerco ao trabalho temporário;

Governo aperta cerco ao trabalho temporário
As novas medidas para o setor do trabalho temporário estão a dividir sindicatos e associações patronais.
A “Agenda do Trabalho Digno e Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho” apresenta-se como um documento ambicioso do Governo, contemplando 64 medidas apresentadas aos parceiros sociais na passada sexta-feira. Os sindicatos apoiam as medidas mas querem mais, as associações patronais temem que a flexibilade laboral esteja em risco, apontando para violações nas normas laborais da OIT e da União Europeia.
A “Agenda do Trabalho” contempla 64 medidas, distribuídas por 15 áreas de atuação. Entre essas áreas está o combate ao recurso abusivo ao trabalho temporário. Uma das medidas que está em cima da mesa é o reforço das regras sobre sucessão de contratos de utilização, de forma a impedir a celebração de novos contratos de utilização com sociedades em relação de domínio ou grupo, ou que mantenha estruturas organizativas comuns com as do empregador (situação que o Governo classifica como “fraude”). Outra é obrigar à contratação sem termo por parte da empresa utilizadora que celebra contrato de utilização com empresa de trabalho temporário (ETT) não licenciada. Sempre que o trabalhar seja cedido ao abrigo de sucessivos contratos com diferentes utilizadores, estabelece-se a obrigatoriedade de a ETT celebrar contrato por tempo indeterminado com esse trabalhador. Quer ainda o Governo tornar mais rigorosas as regras para renovação dos contratos de trabalho temporário, aproximando-as dos contratos a termo.

CCP não quer proibição cega
da sucessão de contratos

A CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal considera que a “Agenda do Trabalho” é um documento que segue “a técnica da execração do trabalho temporário, esquecendo, nomeadamente, as obrigações que Portugal aceitou assumir, nomeadamente a ratificação da convenção nº 181 da OIT, onde se reconhece o papel que as agências privadas de emprego podem desempenhar no bom funcionamento do mercado de trabalho, e a Directiva 2008/104/CE que, na mesma linha, reconhece o papel do trabalho temporário na resposta às necessidades de flexibilidade das empresas, mas, não menos importante, o contributo do trabalho temporário para a criação de emprego e para facilitar a conciliação entre a vida pessoal e profissional”.
“Proibir cegamente a sucessão de contratos, ainda que estes tenham fundamentos legítimos, é insensato e injustificado”, afirma a CCP.
“Penalizar a empresa utilizadora pela irregularidade do licenciamento da empresa de trabalho temporário cocontratante é subverter os princípios em que deve assentar a fiscalização do trabalho e da economia. Não é sobre uma empresa privada, não especialista no ramo, que deve impender o ónus da fiscalização das empresas de trabalho temporário.”
“A solução de permitir ao trabalhador optar por se vincular à empresa de trabalho temporário não licenciada é facultar-lhe o vínculo a uma empresa que funciona à margem da lei, o que é ademais incompreensível”, acrescenta.
“Impor a contratação sem termo dos trabalhadores temporários a empresas de trabalho temporário é, mais uma vez, uma solução só aparente e revela um desconhecimento das características próprias do sector do trabalho temporário em que as necessidades de recursos humanos das ETT têm como matriz a volatilidade das qualificações profissionais requeridas, bem como a instabilidade das necessidades quantitativas das empresas utilizadoras. Tal medida será ainda insustentável do ponto de vista financeiro. A liberdade de iniciativa privada, consagrada na Constituição, e a liberdade contratual, que vigora em todo o direito privado, são incompatíveis com a imposição da celebração de contratos a empresas privadas.”
“Por outro lado, não resulta transparente que empregar sucessivamente o trabalhador com contratos de utilização deva, em vez de ser saudado pela ocupação de mão de obra e incremento de rendimento do trabalho que representa, ser penalizado com uma contratação permanente que não serve os interesses de nenhum dos envolvidos e está condenada a não subsistir por desnecessária”, conclui a CCP.

“Agenda do Trabalho” penaliza competitividade

A CIP entende que “as propostas do Governo visam introduzir maiores restrições ao trabalho temporário, mas também à contratação a termo, como forma de ‘combater a precariedade’”.
Assim, na perspetiva da CIP, “a resposta à precariedade tem de passar, antes, por medidas que tornem mais atrativa a contratação pelas empresas, proporcionando um quadro legal suficientemente claro e flexível que lhes permita o ajustamento do seu quadro de pessoal em situações de redução de atividade”.
“O Governo parece não ter em conta vetores fundamentais do funcionamento da nossa economia, inserida no mercado global, onde as empresas se encontram sujeitas a forte concorrência internacional.”
“É necessário ter presente que a diversificação das formas de contratação é essencial para o bom funcionamento do mercado de trabalho”. Além disso, “a legislação laboral portuguesa está longe, muito longe, de se considerar flexível, como é sublinhado por diversas entidades internacionais (como a OCDE e o FMI, que relevam o elevado nível do nosso ‘Índice de Proteção Laboral (EPL)’) e europeias, de entre as quais se destaca a Comissão Europeia.”
“Acresce que o dito ‘recurso abusivo’ ao trabalho temporário invocado pelo Governo não tem, de acordo com os relatórios da ação inspetiva da ACT, verdadeira aderência ao que se passa ‘no terreno’, fundando-se em meras perceções sem correspondência à realidade.”
“Assim, é entendimento desta Confederação que qualquer alteração ao regime do trabalho temporário e ao da contratação a termo é, neste momento, precipitada e contrária à estratégia de promoção da competitividade das empresas e da manutenção e criação de emprego.”
 
UGT deseja indicação legal
das disposições

A UGT considera que a “Agenda do Trabalho” é um documento que congrega algumas das propostas e discussões já realizadas em momentos anteriores (em matéria da conciliação entre as vidas pessoal, familiar e profissional) e integra propostas que a UGT foi apresentando ao longo dos anos em várias matérias (na conciliação e cuidadores informais, no reforço da intervenção da ACT, no combate ao trabalho informal, na limitação do trabalho temporário e na própria negociação coletiva).
Numa avaliação na generalidade, esta organização sindical entende que, “não obstante as deficiências e fragilidades do documento, o mesmo constitui um importante pontapé de saída para uma discussão mais imediata de algumas questões que merecem uma resposta mais urgente e para uma discussão, de carácter mais estruturante e associada nomeadamente aos desafios do futuro do trabalho ‘latu sensu’, que se lhe deverá seguir e marcar a agenda da concertação social no médio prazo”.
“Face a um documento que oscila entre propostas de carácter pouco além do programático e outras que parecem ter subjacente uma clara alteração de regimes legais, teria sido pertinente – sobretudo para estas últimas – indicar desde já (e esperamos que seja feito a breve trecho) as disposições legais (muitas vezes múltiplas e associadas) que se pretendem alterar e o sentido exacto dessa mesma alteração. Tal afastaria possíveis dúvidas e abreviaria porventura as discussões vindouras”, acrescenta a UGT.
Partindo do pressuposto de que “a cada posto de trabalho permanente deve corresponder um vínculo permanente”, a UGT defende que “a responsabilidade perante o trabalhador temporário deverá ser do beneficiário da atividade”, rejeitando “soluções que remetam para a individualização de opções por parte do trabalhador”.

CGTP totalmente contra o trabalho temporário

Na perspetiva da CGTP, “as propostas [da Agenda do Trabalho] são, em geral, positivas quando consideradas em relação ao regime atual, mas não combatem o problema de fundo, que é o da desnecessidade do recurso ao trabalho temporário na maioria dos casos e, consequentemente, do recurso a empresas de trabalho temporário”.
“Aliás, até vem de alguma forma legitimar esta intermediação, ao pretender que a relação de trabalho, em caso de contratos sucessivos, seja reconhecida em relação à empresa de trabalho temporário, ao invés de o trabalhador ser integrado na empresa utilizadora.”
Por isso, “a CGTP-IN não pode estar contente com a proposta, considerando-a insuficiente e atuando apenas na superfície do problema”.
VIRGÍLIO FERREIRA virgilio@vidaeconomica.pt, 09/09/2021
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