O Coronel Feijó Gomes e a defesa nacional – um aceno de gratidão;

À Esquina do Tempo
O Coronel Feijó Gomes e a defesa nacional – um aceno de gratidão
Sentei-me insensível ao volante e mecanicamente sintonizei a emissão da rádio que lá está, quase sempre a mesma, a aguardar fielmente a minha chegada. Alguns instantes passaram até que assumisse que dali vinham coisas ditas, contadas e cantadas que esbarravam a doer com o estado alterado das emoções que me trespassavam na altura. Em tão curto tempo passara, de novo, ao normal rebuliço calcificado da vida que generosamente nos debitam os atores da profissão de radialista com as melhores intenções, estou certo. Atrás pairava ainda – e daí o choque – o sentimento de perda (e tudo o mais de inexplicável que vai de par) de alguém que iluminara o meu andar trôpego pelos caminhos de novos saberes, os da Defesa Nacional, não havia muitos anos e, sobretudo, me dera um vivo exemplo de honra, de nobreza, de bravura, de fé e de dedicação apaixonada à vida como poucas pessoas mais, muito poucas. Os meus sentidos de ser humano limitado, aprisionado num corpo, tinham passado há instantes pelo derradeiro encontro com os do Sr. Coronel António Feijó Gomes, já de viagem iniciada saberá ele, que eu não sei, para onde. Os sinos da igreja ainda dobraram outra vez no limiar da minha memória, entrecortados pelo estrondo de uma salva de tiros militares, numa estranha partilha de modos de estar perante o desconhecido. Ouvi Mariza cantar “Quem me dera”. E pus o carro nos trilhos da rua que avançava à minha frente e lá fui.

O “Sr. Coronel Feijó”, como o tratávamos, era assim como um Príncipe do Renascimento, no ser e no estar, entre o escuro que o circundava e a luz que espalhava à sua volta. Conheci-o quando frequentei o Curso de Auditor de Defesa Nacional, no Porto, em 2002. Era o seu líder tranquilo, forte, apaixonado. Do convívio que então aconteceu ficaram marcas, nomeadamente no tocante às questões da Defesa Nacional: muitas perguntas fortes e, mais ainda, respostas fracas.  Desafios sem conta, sobretudo, decorrentes do seu espírito aberto, inquieto e desafiador de outros possíveis.
A ideia de que a Defesa Nacional se confunde com a de defesa militar e com a atividade das Forças Armadas estava presente na minha ignorância por ele abalada na sua fragilidade argumentativa. E, nesta ocasião em que lhe aceno um “até breve”, valerá a pena sublinhar alguns ensinamentos relevantes: o meu modo de o homenagear.
A Defesa Nacional é uma tarefa de todos os cidadãos, não se esgotando – bem pelo contrário – na defesa militar, ou na atividade dos serviços e forças de segurança. E, sendo tarefa de todos os cidadãos, há que levar o seu sentido e alcance aos estudos dos mais jovens e o mais cedo possível. Nas palavras do General José A. Loureiro dos Santos, que reproduzo porque melhor não sei dizer, a Defesa Nacional consubstancia-se em um “conjunto de medidas, tanto de caráter militar como político, económico, social e cultural, que, adequadamente coordenadas e integradas, e desenvolvidas global e sectorialmente, permitem reforçar a potencialidade da Nação e minimizar as suas vulnerabilidades, com vista a torná-la apta a enfrentar todos os tipos de ameaça que, directa ou indirectamente, possam pôr em causa a Segurança Nacional” (V. “Reflexões sobre Estratégia. Temas de Segurança e Defesa”, IAEM, 2000, p. 81). Nela vai envolvida, na verdade, a economia e as suas políticas, a cultura e as inerentes ambições, a educação e as suas exigências e, bem assim, outras vertentes do nosso viver em comunidade, como elucida, a propósito, o Gen. Vítor D. Rodrigues Viana, atual Diretor do Instituto de Defesa Nacional – uma casa a frequentar neste tempo líquido mas nada transparente. (V. “Segurança Coletiva, A ONU e as Operações de Apoio à Paz”, 2002).
“As coisas mudam de nome, mas o nome não muda as coisas” (Francisco Carmo, citado por Onésimo Teotónio Almeida). E se aproveitássemos para pensar melhor no que nos cumpre fazer, a todos e a cada um de nós, neste mar sem fim a que se dá o nome de Defesa Nacional?
Aquilo a que por cá chamamos “morte” não é a última palavra da vida, pois não, Sr. Coronel António Feijó Gomes?
António Vilar, 07/06/2018
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