Alojamento Local: o paliativo paradigmático;

Casos da Vida Judiciária
Alojamento Local: o paliativo paradigmático
O Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local (RJEEAL), aprovado pelo DL 128/2014, de 29 de agosto, estabelece o regime legal aplicável aos Estabelecimentos de Alojamento Local, Estabelecimentos de Hospedagem e Hostels, autonomizando estas figuras dos empreendimentos turísticos.
Importa, neste âmbito, destacar que os estabelecimentos de alojamento local são aqueles que prestam serviços de alojamento temporário, nomeadamente a turistas, mediante remuneração, podendo o imóvel enquadrar-se numa de quatro modalidades, a saber: i) moradia; ii) apartamento; iii) estabelecimento de hospedagem; e iv) quartos.
Ora, com o RJEEAL em execução, o “boom” turístico no seu máximo exponencial e a proliferação das plataformas digitais que em muito potenciaram a exploração dos AL nas grandes urbes, a 22 de agosto de 2018, eis que surge a postrema mudança de paradigma legal com a entrada em vigor da Lei n.º 62/2018 e sucessivas inovações legislativas neste âmbito.
Para o efeito, desde já nos referimos à faculdade de as Câmaras Municipais, mediante aprovação de regulamento municipal, delimitarem áreas de contenção para a instalação de novos AL, que, por conseguinte, poderão determinar limites relativos ao número de estabelecimentos de alojamento local na área da respetiva circunscrição administrativa.
Neste sentido, atente-se no caso do Município de Lisboa que em 2019 aprovou o Regulamento Municipal do Alojamento Local (RMAL), publicado em Diário da República através do Aviso n.º 17706-D/2019.
Essencialmente motivada por medidas preventivas de combate à especulação imobiliária e de modo, ainda, a evitar a descaracterização demográfica com o afastamento de residentes destas zonas, a CML aprovou o Regulamento Municipal do Alojamento Local (Aviso n.º 17706-D/2019), que contempla a delimitação de zonas de contenção relativas e absolutas, sendo estas as zonas turísticas homogéneas ou subdivisões que tenham um rácio entre o número de estabelecimentos de alojamento local e o número de fogos de habitação permanente, respetivamente, igual ou superior a 10% e inferior a 20% ou igual ou superior a 20%.
Em ambas as categorias de contenção, há um denominador comum, sendo esse a existência de obras de reabilitação urbana nos prédios ou frações onde se irá desenvolver a atividade de alojamento local e que, em consequência, será objeto de requerimento, ao invés do habitual processo de comunicação prévia realizado online.
Burocraticamente falando e faticamente formalizando, o dito requerimento, que tem por objeto, em ambos os casos um pedido de autorização excecional, deve verificar os pouco flexíveis requisitos estatuídos nos artigos 5º e 6º do RMAL.
Destarte, paralelamente a ambas as zonas de contenção, quando tenha vigorado contrato de arrendamento para fins habitacionais há menos de 5 anos, não são os imóveis elegíveis à atividade de alojamento local (RMAL) e para as modalidades de “moradia” e “apartamento” as licenças são pessoais e intransmissíveis.
Retomando a referência a 2019, “ano de ouro” no turismo em Lisboa, com um crescimento de 7,9% relativamente ao ano imediatamente transato, traduzindo-se tais dados numéricos em cerca de 24,7 milhões de turistas (não residentes), sendo que os estabelecimentos de alojamento turístico (hotelaria, e turismo no espaço rural/habitação incluídos) registaram cerca de 27 milhões de hóspedes (residentes e não residentes).
Com a entrada do ano civil de 2020 e por efeitos da pandemia, com forte impacto na economia nacional e, também, com especial impacto no mercado turístico, em contramaré, a CML manteve em vigor todas a limitações ao AL, ao invés daquilo que fora, a título exemplificativo, deliberado na CM do Porto com a revogação da suspensão de autorização de novos registos e do projeto de Regulamento de AL.
Acresce que, volvidos pouco mais de dois anos desde o início da pandemia, aumentados os indicadores económicos e turísticos, cruciais para a saúde da economia nacional, vem o tão “(in)desejado” acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ n.º 4/2022, que fixa: “No regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fração se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local.”.
Certo é que o RJEEAL surgiu de forma a regular os estabelecimentos de alojamento local, podendo assim, de forma ordenada e devidamente regulamentada, dar asas ao setor económico que crescia continuadamente exponenciando proficuamente, o turismo e comércio nacional e local com a marca PORTUGAL.
Não resultando, para o efeito, que uma fração licenciada para o uso de habitação e ou serviços estará excluída do âmbito legal de aplicação deste regime, designadamente por força das normas que regulam a propriedade horizontal e respetivo título constitutivo.
Podendo, ainda, nos termos do identificado RMAL, em concreto no disposto no artigo 6º, n.º 1, alínea c), ser “objecto de autorização excecional pela Câmara Municipal de Lisboa, mediante autorização expressa”, novos registos de estabelecimentos de alojamento local”, “quando se refiram à totalidade de edifício, fração autónoma ou parte de prédio urbano que, nos últimos dois anos, tenha mudado a respctiva utilização de logística, indústria ou serviços para habitação”.
Pondo fim a esta cronologia que temos vindo a versar e não obstant, o papel de elemento dinamizador da pretendida finalidade de AL, pressionando o crescimento da reabilitação das zonas históricas e da cidade de Lisboa, a Assembleia Municipal de Lisboa deliberou, a 14 de abril de 2022, a suspensão imediata de novos registos nas zonas turísticas homogéneas e restante cidade com um rácio entre o número de estabelecimentos de alojamento local e o número de fogos de habitação permanente igual ou superior a 2,5% (note-se que o limite para as zonas de contenção relativa está estabelecido entre os 10% e os 20%).
Com efeito, não bastando os restritos requisitos para a instalação de novos AL em zonas de contenção, em especial nas zonas de contenção absoluta que, em pouco ou nada, fazem prevalecer o livre interesse económico pela imposição de integração em projetos de âmbito social ou cultural ou com oferta de habitação para arrendamento a preços acessíveis, surge ainda, na atual conjuntura económica europeia, a suspensão de novos registos de AL.
Suscitam-se assim duas problemáticas: a imposição de um encapotado “numerus clausus” no AL e a “quase” proibição de novos registos.
Verdade é que a suspensão está legalmente fundamentada, com base no n.º 6 do artigo 15º-A do RJEEAL, sem prejuízo do escopo meramente transitório para a elaboração e aprovação expectável de um novo Regulamento.
Porém, trata-se in casu de uma limitação transitória ou de um aproveitamento de mecanismo legal para a satisfação de determinados interesses?
Como remate final, do acórdão do STJ, apesar de tal acórdão ser meramente uniformizador de jurisprudência, serão extraídas consequências à livre iniciativa económica da atividade do AL.
Em face de todo o exposto, somos de crer que a extensão deste regime em Lisboa, pelos rácios agora estipulados em função da suspensão dos registos de AL, será cada vez mais diminuta, caso para afirmar que este está, por enquanto, “a ser remediado” até decisão em contrário de quem de direito.
Urge, assim, a definição de determinadas e concretas medidas, através da revisão do RJEEAL, que imponham limites aos limites determinados pelos Municípios, fomentando-se a livre iniciativa privada, livre mercado e economia nacional, acomodando o justo equilíbrio entre a procura e a oferta e os demais interesses constitucionalmente protegidos, como o direito à habitação, e evitando o mínimo resquício de regulamentos delegados.
Luís Álvares de Freitas, Advogado – Estagiário da Raposo Subtil e Associados , 29/09/2022
Partilhar
Comentários 0