“Governantes são os principais atores da economia em Angola”

“Os empresários angolanos têm sofrido a competição desleal dos governantes” – afirma Adalberto Costa Júnior. Em entrevista à “Vida Económica”, o Presidente da UNITA, considera que com João Lourenço não tem havido uma diminuição do peso da Estado na economia.
“Os governantes são os principais atores da atividade económica, utilizando em benefício próprio as decisões políticas que tomam”- lamenta.
Adalberto Costa Júnior destaca a importância da cooperação com Portugal e as oportunidades que existem para as empresas portuguesas em vários setores de atividade como a agroindústria. “Temos muito mais do que petróleo e diamantes. A flora e a fauna são excecionais, a costa é extremamente rica, há um enorme potencial turístico, entre outros aspetos” – salientou.
“Os governantes são os principais atores da atividade económica, utilizando em benefício próprio as decisões políticas que tomam”- lamenta.
Adalberto Costa Júnior destaca a importância da cooperação com Portugal e as oportunidades que existem para as empresas portuguesas em vários setores de atividade como a agroindústria. “Temos muito mais do que petróleo e diamantes. A flora e a fauna são excecionais, a costa é extremamente rica, há um enorme potencial turístico, entre outros aspetos” – salientou.
Vida Económica – Na atual conjuntura existem boas perspetivas de crescimento de Angola?
Adalberto Costa Júnior – O ano de 2022 foi de eleições em Angola, trazendo uma enorme esperança. Entretanto, Angola também sofre as consequências da guerra na Ucrânia, mas nem sempre são totalmente negativas. O preço do barril de petróleo trouxe vantagens à economia de Angola e passamos de um barril com um valor de 55 dólares a acima dos 100 dólares. Desde o final de 2021 que Angola tem um ganho enorme no diferencial do preço do barril de petróleo, que lhe permite acumular entre o final desse ano e início de 2022 mais de 10 mil milhões de dólares não previstos em resultado da guerra na Ucrânia. É óbvio que tem vantagens para uma economia que não está diversificada. Também com o gás, Angola tem a possibilidade de reequilibrar as suas contas. Em tudo o resto, temos um cenário económico que, de facto, não é o melhor. A realidade social é a, consequência de políticas bastante intervencionistas por parte do Governo central. Temos problemas muito graves com a viabilidade económica de muitas empresas, temos um ambiente económico a carecer urgentemente de investidores. O Governo está constantemente a apelar ao investimento externo, mas o ambiente não é o que oferece as melhores garantias. Há que reformar profundamente os comportamentos.
VE – Considera que o poder político intervém e domina o setor produtivo privado?
ACJ – A resposta tem de ser dada olhando um pouco mais para trás. O olhar externo para Angola tem ainda a necessidade de referenciar o período de governação de José Eduardo dos Santos. Durante este período houve uma forte intervenção do Estado no setor económico. O setor das empresas públicas na economia continua a ser demasiado visível e esperávamos que na transição para João Lourenço assistíssemos a uma diminuição do peso do Estado na economia. Infelizmente, estamos a assistir a um acréscimo desse peso. Os empresários angolanos têm sofrido a competição desleal dos governantes. Estes são os principais atores da atividade económica, utilizando em benefício próprio as decisões políticas que tomam. O acesso aos principais setores económicos – como o petróleo ou os diamantes – depende dos governantes. Assistimos a um forte marketing internacional de combate à corrupção, muita legislação aprovada, mas a prática não está de acordo com os objetivos. Há a existência de quatro grandes empresas que têm toda a dinâmica do Estado e que realizam as ações do mesmo. Temos conglomerados que detêm o monopólio e controlam os mercados. Concorrem deslealmente e são a origem de falências. Não se governa senão através de decretos presidenciais, 99% da contratação é por via de escolhas e não de concursos públicos. É uma forma de fomentar a corrupção. Também na comunicação há um peso maior do Estado. Caminha-se em sentido contrário a uma economia de mercado. O combate à corrupção não tem sido feito de uma forma universal. Temos a mesma lógica dos governantes detentores das empresas estratégicas, sempre e cada vez mais.
Aumentar a liberdade económica para recuperar o setor produtivo
VE – O que fica então para os empresários estrangeiros e em que áreas podem investir?
ACJ – Angola tem andado para trás. É preciso motivar decisões de caráter positivo. Vamos ter o debate do Orçamento do Estado, este ano mais tarde em consequência das eleições. Gostaria de ter a firme convicção de um Orçamento direcionado para a recuperação do setor produtivo, no investimento da formação de quadros, direcionado para o investimento no futuro e na eliminação de orçamentos que se perdem nos clientelismos, que tem sido uma das nossas realidades. Nos últimos anos desapareceu a exigência da parceria. Precisamos que o Governo leve a sério a necessidade de reformas efetivas, de uma maior transparência na governação e uma fiscalização efetiva aos aspetos da sua própria governação. Há um excesso de Estado em todas as componentes da vida. Temos elevados níveis de desemprego, de falências no setor privado e falta de competitividade no setor público. Há desafios sociais muito complexos, nomeadamente um elevado índice de extrema pobreza. Há problemas graves de fome no sul do país. Um dos grandes objetivos tem de ser o combate à pobreza, por via de vários programas. Tem de se verificar uma liberalização do mercado, incentivos efetivos ao setor privado, o qual está descapitalizado. Carece de parecerias, tem necessidade de know-how, maior segurança aos investidores, num país de enormíssimas potencialidades. Temos muito mais do que petróleo e diamantes. A flora e a fauna são excecionais, a costa é extremamente rica, há um enorme potencial turístico, entre outros aspetos. Não temos uma indústria a fornecer as necessidades do mercado angolano, temos uma economia de produtos de importação. Nesta área está tudo por fazer. Temos todas as condições para atrair investidores.
VE – Que balanço faz das últimas eleições?
ACJ – Em agosto, foram realizadas eleições gerais. Nunca foram realizadas eleições locais em Angola, o que significa que não há uma democracia participativa. Não há vontade de se realizarem eleições locais por parte do poder político. O Presidente não tem pressa em realizar as eleições locais, como o próprio tem dado a entender, quando existem 164 municípios. A ideia é passar-se para 570 para se perpetuar o adiamento de eleições. Neste momento, há a necessidade absoluta de desenvolver o poder local. O nosso objetivo para este ano é a realização das eleições autárquicas. Naturalmente, o MPLA tem receio, mas as populações vão conseguir esse objetivo. O atual Presidente manda em todos os setores, inclusivamente na Justiça. De notar que a lei eleitoral foi alterada antes das eleições para pior. Os cadernos eleitorais nunca foram dados a conhecer. A Unita acabou por evitar o caos, algo que já estava preparado por parte do Governo. Foi por maturidade que decidimos ocupar as instituições. Há desconforto no país, verifica-se a saída de quadros e de cérebros. Mas. exigimos o cumprimento mínimo das promessas eleitorais. Por sua vez, já começou o debate de um terceiro mandato, o que vai contra a Constituição. A comunidade internacional tem de pensar na aplicação de sanções para golpes de Estado institucionais, tal como tem acontecido em Angola. Decidimos ocupar as instituições por uma questão de bom senso e de responsabilidade. Não temos impedido o funcionamento das instituições. Entretanto, continuamos à espera que o Tribunal Constitucional tome uma série de decisões por nossa solicitação.. De notar que a mesa da Assembleia Nacional continua ocupada por uma mesma cor partidária sem estar representada a Oposição.
VE – Em alguns aspetos há evolução positiva?
ACJ – O ambiente não tem sido o melhor. Há uma série de violações dos direitos humanos, direcionadas ao cidadão comum. O período tem sido marcado por uma série de prisões, muitas ameaças, atos de tortura contra cidadãos. Isto está a ocorrer, com a anuência de um Estado permissivo. Os cidadãos têm sido obrigados a sair do país. Este é o ambiente que se vive em Angola, ainda que muita gente não o saiba.
Presença portuguesa é consensual
VE – Como vê o mercado angolano para as empresas portuguesas? Deve continuar a ser um país prioritário para Portugal?
ACJ – A presença de Portugal em Angola é uma matéria consensual. Quem passa por Portugal também encontra uma presença substantiva de cidadãos angolanos. Temos um país para desenvolver e que deve procurar uma diversificação da sua economia, bem como respostas de autossuficiência alimentar. A dívida pública continua a ser um problema grave. Temos grandes desafios, com grandes oportunidades dos vários setores da economia. Na agroindústria, por exemplo, há a possibilidade de garantir elevados níveis de retorno. Têm de ser impulsionados mais projetos nesta área. Tem um elevado potencial para atrair investimentos. As empresas portuguesas têm a vantagem de conhecer bem Angola. Há um ambiente favorável para a presença das empresas portuguesas. Mas, um erro que as empresas portuguesas cometiam muito até há algum tempo era procurarem um sócio do poder. É uma má prática andar a “cavalo” dos governantes. O problema é que o partido no poder fiscaliza-se a si mesmo, quando deveria existir transparência. O desejável era haver cada vez menos Estado na atividade económica, cada vez menos monopólios criados com intervenção direta do Estado.
VE – O que se espera da dependência de Angola relativamente à China?
ACJ – É conhecido que em 2002, com o fim da guerra, o Governo angolano pediu que se realizasse uma conferência de doadores em Bruxelas. O número anunciado para a necessidade de reconstrução nacional foi de dois biliões de dólares. Os doadores rejeitaram, porque consideraram que o país tinha capacidade para recuperar pelos seus meios. O Governo angolano substituiu os doadores de Bruxelas pela China. A dúvida pública angolana para com a China é de 50 mil milhões de dólares. Angola é o país africano com a maior dívida relativamente à China. De notar que a fiscalização efetiva destes números nos é negada. A presença chinesa é substantiva em todas as áreas da economia angolana. Depois houve um recuo da China, quando começou a recusar a continuidade dos empréstimos. Angola procurou então outros mercados de financiamento. Os Estados Unidos estão interessados em substituir algum do espaço chinês em África. O Governo angolano continuou também a dar algum respaldo à presença russa em Angola, antes de ter condenado a invasão da Ucrânia.
VE – Os programas da União Europeia podem ser interessantes para o financiamento das empresas portuguesas em Angola?
ACJ – O grande problema dos programas para o setor empresarial é que tem havido linhas de financiamento para Angola que ficam sob influência governamental. O Governo privilegia sempre as mesmas empresas. O setor empresarial queixa-se disto, de forma muito clara. Existem financiamentos, mas o tipo de critérios não beneficia a competitividade que o mercado precisava de ter. Mantém-se assim os monopólios que dominam o mercado angolano. Têm o controlo estratégico do país e existe desconfiança das restantes empresas. Não houve qualquer mudança a este nível.
VE – A concessão de vistos é um obstáculo à cooperação entre Angola e Portugal?
ACJ – Não se trata de um problema simples. Há um bloqueio do sistema dos vistos. O número de pedidos apresentados junto da Embaixada portuguesa é tão elevado que houve uma quase suspensão. Temos uma responsabilidade consequente do ambiente político e social de Angola. Portugal está também sujeito ao controlo de entradas. As filtragens decorrem da filosofia do funcionamento do Estado. Há uma cultura excessiva de controlo excessivo.
(A gravação em áudio da entrevista está disponível no site www.vidaeconomica.pt).
Adalberto Costa Júnior – O ano de 2022 foi de eleições em Angola, trazendo uma enorme esperança. Entretanto, Angola também sofre as consequências da guerra na Ucrânia, mas nem sempre são totalmente negativas. O preço do barril de petróleo trouxe vantagens à economia de Angola e passamos de um barril com um valor de 55 dólares a acima dos 100 dólares. Desde o final de 2021 que Angola tem um ganho enorme no diferencial do preço do barril de petróleo, que lhe permite acumular entre o final desse ano e início de 2022 mais de 10 mil milhões de dólares não previstos em resultado da guerra na Ucrânia. É óbvio que tem vantagens para uma economia que não está diversificada. Também com o gás, Angola tem a possibilidade de reequilibrar as suas contas. Em tudo o resto, temos um cenário económico que, de facto, não é o melhor. A realidade social é a, consequência de políticas bastante intervencionistas por parte do Governo central. Temos problemas muito graves com a viabilidade económica de muitas empresas, temos um ambiente económico a carecer urgentemente de investidores. O Governo está constantemente a apelar ao investimento externo, mas o ambiente não é o que oferece as melhores garantias. Há que reformar profundamente os comportamentos.
VE – Considera que o poder político intervém e domina o setor produtivo privado?
ACJ – A resposta tem de ser dada olhando um pouco mais para trás. O olhar externo para Angola tem ainda a necessidade de referenciar o período de governação de José Eduardo dos Santos. Durante este período houve uma forte intervenção do Estado no setor económico. O setor das empresas públicas na economia continua a ser demasiado visível e esperávamos que na transição para João Lourenço assistíssemos a uma diminuição do peso do Estado na economia. Infelizmente, estamos a assistir a um acréscimo desse peso. Os empresários angolanos têm sofrido a competição desleal dos governantes. Estes são os principais atores da atividade económica, utilizando em benefício próprio as decisões políticas que tomam. O acesso aos principais setores económicos – como o petróleo ou os diamantes – depende dos governantes. Assistimos a um forte marketing internacional de combate à corrupção, muita legislação aprovada, mas a prática não está de acordo com os objetivos. Há a existência de quatro grandes empresas que têm toda a dinâmica do Estado e que realizam as ações do mesmo. Temos conglomerados que detêm o monopólio e controlam os mercados. Concorrem deslealmente e são a origem de falências. Não se governa senão através de decretos presidenciais, 99% da contratação é por via de escolhas e não de concursos públicos. É uma forma de fomentar a corrupção. Também na comunicação há um peso maior do Estado. Caminha-se em sentido contrário a uma economia de mercado. O combate à corrupção não tem sido feito de uma forma universal. Temos a mesma lógica dos governantes detentores das empresas estratégicas, sempre e cada vez mais.
Aumentar a liberdade económica para recuperar o setor produtivo
VE – O que fica então para os empresários estrangeiros e em que áreas podem investir?
ACJ – Angola tem andado para trás. É preciso motivar decisões de caráter positivo. Vamos ter o debate do Orçamento do Estado, este ano mais tarde em consequência das eleições. Gostaria de ter a firme convicção de um Orçamento direcionado para a recuperação do setor produtivo, no investimento da formação de quadros, direcionado para o investimento no futuro e na eliminação de orçamentos que se perdem nos clientelismos, que tem sido uma das nossas realidades. Nos últimos anos desapareceu a exigência da parceria. Precisamos que o Governo leve a sério a necessidade de reformas efetivas, de uma maior transparência na governação e uma fiscalização efetiva aos aspetos da sua própria governação. Há um excesso de Estado em todas as componentes da vida. Temos elevados níveis de desemprego, de falências no setor privado e falta de competitividade no setor público. Há desafios sociais muito complexos, nomeadamente um elevado índice de extrema pobreza. Há problemas graves de fome no sul do país. Um dos grandes objetivos tem de ser o combate à pobreza, por via de vários programas. Tem de se verificar uma liberalização do mercado, incentivos efetivos ao setor privado, o qual está descapitalizado. Carece de parecerias, tem necessidade de know-how, maior segurança aos investidores, num país de enormíssimas potencialidades. Temos muito mais do que petróleo e diamantes. A flora e a fauna são excecionais, a costa é extremamente rica, há um enorme potencial turístico, entre outros aspetos. Não temos uma indústria a fornecer as necessidades do mercado angolano, temos uma economia de produtos de importação. Nesta área está tudo por fazer. Temos todas as condições para atrair investidores.
VE – Que balanço faz das últimas eleições?
ACJ – Em agosto, foram realizadas eleições gerais. Nunca foram realizadas eleições locais em Angola, o que significa que não há uma democracia participativa. Não há vontade de se realizarem eleições locais por parte do poder político. O Presidente não tem pressa em realizar as eleições locais, como o próprio tem dado a entender, quando existem 164 municípios. A ideia é passar-se para 570 para se perpetuar o adiamento de eleições. Neste momento, há a necessidade absoluta de desenvolver o poder local. O nosso objetivo para este ano é a realização das eleições autárquicas. Naturalmente, o MPLA tem receio, mas as populações vão conseguir esse objetivo. O atual Presidente manda em todos os setores, inclusivamente na Justiça. De notar que a lei eleitoral foi alterada antes das eleições para pior. Os cadernos eleitorais nunca foram dados a conhecer. A Unita acabou por evitar o caos, algo que já estava preparado por parte do Governo. Foi por maturidade que decidimos ocupar as instituições. Há desconforto no país, verifica-se a saída de quadros e de cérebros. Mas. exigimos o cumprimento mínimo das promessas eleitorais. Por sua vez, já começou o debate de um terceiro mandato, o que vai contra a Constituição. A comunidade internacional tem de pensar na aplicação de sanções para golpes de Estado institucionais, tal como tem acontecido em Angola. Decidimos ocupar as instituições por uma questão de bom senso e de responsabilidade. Não temos impedido o funcionamento das instituições. Entretanto, continuamos à espera que o Tribunal Constitucional tome uma série de decisões por nossa solicitação.. De notar que a mesa da Assembleia Nacional continua ocupada por uma mesma cor partidária sem estar representada a Oposição.
VE – Em alguns aspetos há evolução positiva?
ACJ – O ambiente não tem sido o melhor. Há uma série de violações dos direitos humanos, direcionadas ao cidadão comum. O período tem sido marcado por uma série de prisões, muitas ameaças, atos de tortura contra cidadãos. Isto está a ocorrer, com a anuência de um Estado permissivo. Os cidadãos têm sido obrigados a sair do país. Este é o ambiente que se vive em Angola, ainda que muita gente não o saiba.
Presença portuguesa é consensual
VE – Como vê o mercado angolano para as empresas portuguesas? Deve continuar a ser um país prioritário para Portugal?
ACJ – A presença de Portugal em Angola é uma matéria consensual. Quem passa por Portugal também encontra uma presença substantiva de cidadãos angolanos. Temos um país para desenvolver e que deve procurar uma diversificação da sua economia, bem como respostas de autossuficiência alimentar. A dívida pública continua a ser um problema grave. Temos grandes desafios, com grandes oportunidades dos vários setores da economia. Na agroindústria, por exemplo, há a possibilidade de garantir elevados níveis de retorno. Têm de ser impulsionados mais projetos nesta área. Tem um elevado potencial para atrair investimentos. As empresas portuguesas têm a vantagem de conhecer bem Angola. Há um ambiente favorável para a presença das empresas portuguesas. Mas, um erro que as empresas portuguesas cometiam muito até há algum tempo era procurarem um sócio do poder. É uma má prática andar a “cavalo” dos governantes. O problema é que o partido no poder fiscaliza-se a si mesmo, quando deveria existir transparência. O desejável era haver cada vez menos Estado na atividade económica, cada vez menos monopólios criados com intervenção direta do Estado.
VE – O que se espera da dependência de Angola relativamente à China?
ACJ – É conhecido que em 2002, com o fim da guerra, o Governo angolano pediu que se realizasse uma conferência de doadores em Bruxelas. O número anunciado para a necessidade de reconstrução nacional foi de dois biliões de dólares. Os doadores rejeitaram, porque consideraram que o país tinha capacidade para recuperar pelos seus meios. O Governo angolano substituiu os doadores de Bruxelas pela China. A dúvida pública angolana para com a China é de 50 mil milhões de dólares. Angola é o país africano com a maior dívida relativamente à China. De notar que a fiscalização efetiva destes números nos é negada. A presença chinesa é substantiva em todas as áreas da economia angolana. Depois houve um recuo da China, quando começou a recusar a continuidade dos empréstimos. Angola procurou então outros mercados de financiamento. Os Estados Unidos estão interessados em substituir algum do espaço chinês em África. O Governo angolano continuou também a dar algum respaldo à presença russa em Angola, antes de ter condenado a invasão da Ucrânia.
VE – Os programas da União Europeia podem ser interessantes para o financiamento das empresas portuguesas em Angola?
ACJ – O grande problema dos programas para o setor empresarial é que tem havido linhas de financiamento para Angola que ficam sob influência governamental. O Governo privilegia sempre as mesmas empresas. O setor empresarial queixa-se disto, de forma muito clara. Existem financiamentos, mas o tipo de critérios não beneficia a competitividade que o mercado precisava de ter. Mantém-se assim os monopólios que dominam o mercado angolano. Têm o controlo estratégico do país e existe desconfiança das restantes empresas. Não houve qualquer mudança a este nível.
VE – A concessão de vistos é um obstáculo à cooperação entre Angola e Portugal?
ACJ – Não se trata de um problema simples. Há um bloqueio do sistema dos vistos. O número de pedidos apresentados junto da Embaixada portuguesa é tão elevado que houve uma quase suspensão. Temos uma responsabilidade consequente do ambiente político e social de Angola. Portugal está também sujeito ao controlo de entradas. As filtragens decorrem da filosofia do funcionamento do Estado. Há uma cultura excessiva de controlo excessivo.
(A gravação em áudio da entrevista está disponível no site www.vidaeconomica.pt).