Os contratos no mercado brasileiro de energia elétrica
Eugênio Vieira Igor Gonçalves
Advogado da firma APSV Advogado da firma APSV
Advogados, integrante Advogados, integrante dos setores
dos setores de Energia, de Energia, Regulatório,
Regulatório, Contratos Contratos e Meio Ambiente
e Meio Ambiente
Mariella Rocha Rômulo Soares
Advogada da firma APSV Advogado da firma APSV
Advogados, integrante Advogados, integrante
dos setores de Energia, dos setores de Energia,
Regulatório, Contratos Regulatório, Contratos
e Meio Ambiente e Meio Ambiente
O início do uso da energia elétrica no Brasil coincide com a vinda para o país da empresa canadense Light, em 1899, e construção da sua primeira usina em 1901. Nessa época, o Brasil tinha uma regulação local e o setor era dominado pela iniciativa privada, sobretudo estrangeira. Posteriormente, durante o período econômico da industrialização planejada nas décadas de 1950 a 1980, houve forte interferência estatal no setor, e os agentes voltaram a ser predominantemente públicos na geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.
Entretanto, ao longo das últimas três décadas, o setor elétrico brasileiro foi desestatizado e reestruturado, transferindo-se as atividades de geração, distribuição e transmissão à iniciativa privada, com participação relevante de empresas estrangeiras. O Estado ficou com o papel de fiscalizador e regulador pelo evidente interesse coletivo em assegurar um correto funcionamento do segmento.
Foi concebido, então, um modelo setorial baseado na segregação das atividades dos serviços de energia elétrica em quatro segmentos: geração ou produção, transmissão, distribuição e comercialização. O princípio que passou a reger o marco regulatório foi o da livre competição entre agentes setoriais, a partir da desverticalização do setor. Essa mudança permitiu a ampliação da segurança energética do sistema nacional e o gerenciamento dos riscos de mercado, como estratégia do Poder Público Federal para garantir o fornecimento de energia necessário ao desenvolvimento social e econômico do país.
É nesse contexto que em 1995 foi criada a figura do consumidor livre, que correspondia ao grande consumidor com carga igual ou maior que 3 mW em tensão igual ou superior a 69 kV e que poderia contratar a energia elétrica diretamente aos geradores ou pagar o preço da energia elétrica do dia no mercado spot. No ano seguinte foi criada a figura do comercializador de energia elétrica, pessoa jurídica sem ativos de geração que pode comprar e revender direitos sobre a disponibilidade de certa quantidade de energia elétrica.
Após a crise de abastecimento energético vivenciada no Brasil no ano de 2001, o Governo Federal identificou a necessidade de dar novas diretrizes ao setor. Dentre diversas medidas, foram criadas instituições ligadas ao Ministério de Minas e Energia com atribuições específicas para planejar, monitorar, avaliar a segurança de suprimento e conduzir a comercialização de energia elétrica no âmbito do Sistema Interligado Nacional.
Ademais, o incentivo à diversificação de fontes energéticas se mostrou uma medida indispensável para assegurar os objetivos do Poder Público nesta área. Como resultado, as fontes térmica, eólica e solar ganharam destaque ao longo dos últimos anos, representando atualmente, juntas, 34% da geração nacional.
Adicionalmente, dividiu-se o mercado energético brasileiro em dois ambientes de contratação, diretamente ligados ao potencial de consumo dos destinatários finais: consumidores cativos e consumidores livres.
São consumidores cativos aqueles que não têm a faculdade de eleger o seu fornecedor, adquirindo energia elétrica da empresa de distribuição concessionária da sua região e ocorrem dentro do chamado Ambiente de Contratação Regulado (ACR).
Por sua vez, são consumidores livres aqueles autorizados a escolher seus fornecedores de energia elétrica, dentre aqueles que lhes oferece os melhores preços e condições e, portanto, atuam no Ambiente de Contratação Livre (ACL).
Ambiente de Contratação Regulado (ACR)
A aquisição de energia elétrica no Ambiente de Contratação Regulada é feita pelas concessionárias do serviço de distribuição, por meio de certame licitatório, em modalidade de leilão, realizada diretamente pelos órgãos vinculados ao Poder Público. Objetivando a redução dos custos para os consumidores finais, os contratos firmados no ambiente regulado, denominados Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR), são celebrados, geralmente, entre os geradores individualmente e todas as concessionárias reunidas em pool. O CCEAR tem sua minuta previamente disponibilizada aos participantes, como documento anexo ao edital do leilão de energia ao qual se refere, sendo a adesão aos seus termos condição para participação dos agentes no processo de concorrência. Cabe à Empresa de Pesquisa Energética - EPE a habilitação dos empreendimentos nos leilões, os quais tem o seu preço-teto previamente divulgado, de modo que os lances são ofertados pelos agentes de geração em rodadas sucessivas, com valores decrescentes. O critério utilizado no certame é o da menor tarifa, ou seja, vencem os agentes de geração que ofertarem o montante necessário para as concessionárias de distribuição pelo menor valor de megawatt hora. Assim, uma vez concluída a concorrência e homologado o leilão, os respectivos preços de venda serão refletidos no CCEAR celebrado com cada agente gerador.
Sobre os prazos contratuais, é relevante indicar que a exploração dos serviços de geração, distribuição e comercialização envolve grandes gastos suportados pelos investidores e, por isso, tais prazos de concessão deverão ser coerentes com o tempo necessário para que o investimento envolvido possa ser amortizado, geralmente não inferior a 20 anos.
No Ambiente de Contratação Regulado há, ainda, outra classificação de contratos que categoriza os instrumentos de acordo com as responsabilidades assumidas pelas partes frente às diferenças verificadas entre o montante gerado e o contratado. Nos contratos por quantidade, o gerador assume os riscos pela energia produzida, devendo os excedentes ou deficits serem suportados por este, incluindo os riscos de compensação no mercado de curto prazo. Já nos contratos por disponibilidade, o comprador assume tais riscos, pagando um valor fixo ao gerador, o qual mantém o compromisso de manter uma potência disponível.
Por fim, no que se refere à resolução de conflitos oriundos das relações contratuais, em regra, o CCEAR prevê a instauração de procedimento arbitra, sendo aplicável a legislação federal setorial e a Convenção de Comercialização instituída pela Agência Nacional de Energia Elétrica.
Ambiente de Contratação Livre (ACL)
O Ambiente de Contratação Livre (ACL), que representa aproximadamente 32% do consumo de energia no Brasil, é aquele que permite a celebração de contratos bilaterais livremente ajustados entre consumidores e vendedores de energia elétrica.
Referido ambiente de contratação pressupõe a existência dos chamados consumidores livres. De acordo com o artigo 15 da Lei nº 9.074/95, e regulamentado pela Portaria MME nº 514/2008, são considerados Consumidores Livres os consumidores com carga igual ou superior a 2000 kW, atendidos em qualquer tensão. Estes valores de carga serão decrescentes, de acordo com as alterações promovidas pela Portaria MME nº 468/2019, nos seguintes termos:
• A partir de 1º de janeiro de 2021, os consumidores com carga igual ou superior a 1500 kW, atendidos em qualquer tensão;
• A partir de 1º de janeiro de 2022, os consumidores com carga igual ou superior a 1000 kW, atendidos em qualquer tensão;
• A partir de 1º de janeiro de 2023, os consumidores com carga igual ou superior a 500 kW, atendidos em qualquer tensão; e
• A partir de 1º de janeiro de 2024, os consumidores com carga inferior a 500 kW, atendidos em qualquer tensão.
Além dos Consumidores Livres, admite-se, no ambiente de contratação livre, a figura do Consumidor Especial, aquele que é titular de unidade consumidora ou conjunto de unidades consumidoras do Grupo “A”, integrante do mesmo submercado do Sistema Interligado Nacional (SIN), reunidas por comunhão de interesses e cuja carga seja maior ou igual a 500 kW.
Percebe-se, assim, que a consolidação do Ambiente de Contratação Livre – ACL viabilizou a abertura do mercado elétrico brasileiro sob a perspectiva contratual e a partir dele se pôde levar a cabo negociações diretas entre geradores, comercializadores, importadores, exportadores, consumidores livres e consumidores especiais de energia elétrica. Nesse ambiente, os agentes têm liberdade para pactuar potência contratada, prazos, formas de pagamento, preços, garantias, dentre outros termos que podem ser estabelecidos de acordo com as necessidades e possibilidades das partes, sendo as transações celebradas através de contratos bilaterais.
Ao consumidor livre é assegurado o uso dos sistemas de distribuição e transmissão, desde que arque com alguns custos envolvidos. Dentre as obrigações do consumidor, também se destaca a necessidade de contratação da totalidade da sua carga, podendo sofrer as penalidades caso descumpra a referida regra. Entretanto, os consumidores livres poderão retornar ao Ambiente de Contratação Regulada mediante a comunicação prévia à concessionária de distribuição local.
Conclusão
Sintetizando, percebe-se que o mercado regulado, embora seja o mais utilizado no Brasil, apresenta uma série de limitações quanto à forma de contratação entre vendedores e compradores. Embora os leilões aumentem a competitividade entre os agentes, o ambiente de contratação regulado acaba engessando a relação entre as partes no contrato de compra e venda de energia, uma vez que as condições do negócio já são previamente estabelecidas, não havendo espaço para a livre negociação.
Devido a isto, o Ambiente de Contratação Livre é uma solução para os diversos gargalos existentes no mercado regulado. Trata-se de um mercado que está atualmente em franca expansão no Brasil e que vem recebendo um grande volume de investimentos privados, em razão do crescente ingresso de consumidores em face de permissão legal e no qual comprador e vendedor têm liberdade para definir condições, preço, forma e garantias, de acordo com as suas demandas e ofertas.
Entretanto, ao longo das últimas três décadas, o setor elétrico brasileiro foi desestatizado e reestruturado, transferindo-se as atividades de geração, distribuição e transmissão à iniciativa privada, com participação relevante de empresas estrangeiras. O Estado ficou com o papel de fiscalizador e regulador pelo evidente interesse coletivo em assegurar um correto funcionamento do segmento.
Foi concebido, então, um modelo setorial baseado na segregação das atividades dos serviços de energia elétrica em quatro segmentos: geração ou produção, transmissão, distribuição e comercialização. O princípio que passou a reger o marco regulatório foi o da livre competição entre agentes setoriais, a partir da desverticalização do setor. Essa mudança permitiu a ampliação da segurança energética do sistema nacional e o gerenciamento dos riscos de mercado, como estratégia do Poder Público Federal para garantir o fornecimento de energia necessário ao desenvolvimento social e econômico do país.
É nesse contexto que em 1995 foi criada a figura do consumidor livre, que correspondia ao grande consumidor com carga igual ou maior que 3 mW em tensão igual ou superior a 69 kV e que poderia contratar a energia elétrica diretamente aos geradores ou pagar o preço da energia elétrica do dia no mercado spot. No ano seguinte foi criada a figura do comercializador de energia elétrica, pessoa jurídica sem ativos de geração que pode comprar e revender direitos sobre a disponibilidade de certa quantidade de energia elétrica.
Após a crise de abastecimento energético vivenciada no Brasil no ano de 2001, o Governo Federal identificou a necessidade de dar novas diretrizes ao setor. Dentre diversas medidas, foram criadas instituições ligadas ao Ministério de Minas e Energia com atribuições específicas para planejar, monitorar, avaliar a segurança de suprimento e conduzir a comercialização de energia elétrica no âmbito do Sistema Interligado Nacional.
Ademais, o incentivo à diversificação de fontes energéticas se mostrou uma medida indispensável para assegurar os objetivos do Poder Público nesta área. Como resultado, as fontes térmica, eólica e solar ganharam destaque ao longo dos últimos anos, representando atualmente, juntas, 34% da geração nacional.
Adicionalmente, dividiu-se o mercado energético brasileiro em dois ambientes de contratação, diretamente ligados ao potencial de consumo dos destinatários finais: consumidores cativos e consumidores livres.
São consumidores cativos aqueles que não têm a faculdade de eleger o seu fornecedor, adquirindo energia elétrica da empresa de distribuição concessionária da sua região e ocorrem dentro do chamado Ambiente de Contratação Regulado (ACR).
Por sua vez, são consumidores livres aqueles autorizados a escolher seus fornecedores de energia elétrica, dentre aqueles que lhes oferece os melhores preços e condições e, portanto, atuam no Ambiente de Contratação Livre (ACL).
Ambiente de Contratação Regulado (ACR)
A aquisição de energia elétrica no Ambiente de Contratação Regulada é feita pelas concessionárias do serviço de distribuição, por meio de certame licitatório, em modalidade de leilão, realizada diretamente pelos órgãos vinculados ao Poder Público. Objetivando a redução dos custos para os consumidores finais, os contratos firmados no ambiente regulado, denominados Contrato de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR), são celebrados, geralmente, entre os geradores individualmente e todas as concessionárias reunidas em pool. O CCEAR tem sua minuta previamente disponibilizada aos participantes, como documento anexo ao edital do leilão de energia ao qual se refere, sendo a adesão aos seus termos condição para participação dos agentes no processo de concorrência. Cabe à Empresa de Pesquisa Energética - EPE a habilitação dos empreendimentos nos leilões, os quais tem o seu preço-teto previamente divulgado, de modo que os lances são ofertados pelos agentes de geração em rodadas sucessivas, com valores decrescentes. O critério utilizado no certame é o da menor tarifa, ou seja, vencem os agentes de geração que ofertarem o montante necessário para as concessionárias de distribuição pelo menor valor de megawatt hora. Assim, uma vez concluída a concorrência e homologado o leilão, os respectivos preços de venda serão refletidos no CCEAR celebrado com cada agente gerador.
Sobre os prazos contratuais, é relevante indicar que a exploração dos serviços de geração, distribuição e comercialização envolve grandes gastos suportados pelos investidores e, por isso, tais prazos de concessão deverão ser coerentes com o tempo necessário para que o investimento envolvido possa ser amortizado, geralmente não inferior a 20 anos.
No Ambiente de Contratação Regulado há, ainda, outra classificação de contratos que categoriza os instrumentos de acordo com as responsabilidades assumidas pelas partes frente às diferenças verificadas entre o montante gerado e o contratado. Nos contratos por quantidade, o gerador assume os riscos pela energia produzida, devendo os excedentes ou deficits serem suportados por este, incluindo os riscos de compensação no mercado de curto prazo. Já nos contratos por disponibilidade, o comprador assume tais riscos, pagando um valor fixo ao gerador, o qual mantém o compromisso de manter uma potência disponível.
Por fim, no que se refere à resolução de conflitos oriundos das relações contratuais, em regra, o CCEAR prevê a instauração de procedimento arbitra, sendo aplicável a legislação federal setorial e a Convenção de Comercialização instituída pela Agência Nacional de Energia Elétrica.
Ambiente de Contratação Livre (ACL)
O Ambiente de Contratação Livre (ACL), que representa aproximadamente 32% do consumo de energia no Brasil, é aquele que permite a celebração de contratos bilaterais livremente ajustados entre consumidores e vendedores de energia elétrica.
Referido ambiente de contratação pressupõe a existência dos chamados consumidores livres. De acordo com o artigo 15 da Lei nº 9.074/95, e regulamentado pela Portaria MME nº 514/2008, são considerados Consumidores Livres os consumidores com carga igual ou superior a 2000 kW, atendidos em qualquer tensão. Estes valores de carga serão decrescentes, de acordo com as alterações promovidas pela Portaria MME nº 468/2019, nos seguintes termos:
• A partir de 1º de janeiro de 2021, os consumidores com carga igual ou superior a 1500 kW, atendidos em qualquer tensão;
• A partir de 1º de janeiro de 2022, os consumidores com carga igual ou superior a 1000 kW, atendidos em qualquer tensão;
• A partir de 1º de janeiro de 2023, os consumidores com carga igual ou superior a 500 kW, atendidos em qualquer tensão; e
• A partir de 1º de janeiro de 2024, os consumidores com carga inferior a 500 kW, atendidos em qualquer tensão.
Além dos Consumidores Livres, admite-se, no ambiente de contratação livre, a figura do Consumidor Especial, aquele que é titular de unidade consumidora ou conjunto de unidades consumidoras do Grupo “A”, integrante do mesmo submercado do Sistema Interligado Nacional (SIN), reunidas por comunhão de interesses e cuja carga seja maior ou igual a 500 kW.
Percebe-se, assim, que a consolidação do Ambiente de Contratação Livre – ACL viabilizou a abertura do mercado elétrico brasileiro sob a perspectiva contratual e a partir dele se pôde levar a cabo negociações diretas entre geradores, comercializadores, importadores, exportadores, consumidores livres e consumidores especiais de energia elétrica. Nesse ambiente, os agentes têm liberdade para pactuar potência contratada, prazos, formas de pagamento, preços, garantias, dentre outros termos que podem ser estabelecidos de acordo com as necessidades e possibilidades das partes, sendo as transações celebradas através de contratos bilaterais.
Ao consumidor livre é assegurado o uso dos sistemas de distribuição e transmissão, desde que arque com alguns custos envolvidos. Dentre as obrigações do consumidor, também se destaca a necessidade de contratação da totalidade da sua carga, podendo sofrer as penalidades caso descumpra a referida regra. Entretanto, os consumidores livres poderão retornar ao Ambiente de Contratação Regulada mediante a comunicação prévia à concessionária de distribuição local.
Conclusão
Sintetizando, percebe-se que o mercado regulado, embora seja o mais utilizado no Brasil, apresenta uma série de limitações quanto à forma de contratação entre vendedores e compradores. Embora os leilões aumentem a competitividade entre os agentes, o ambiente de contratação regulado acaba engessando a relação entre as partes no contrato de compra e venda de energia, uma vez que as condições do negócio já são previamente estabelecidas, não havendo espaço para a livre negociação.
Devido a isto, o Ambiente de Contratação Livre é uma solução para os diversos gargalos existentes no mercado regulado. Trata-se de um mercado que está atualmente em franca expansão no Brasil e que vem recebendo um grande volume de investimentos privados, em razão do crescente ingresso de consumidores em face de permissão legal e no qual comprador e vendedor têm liberdade para definir condições, preço, forma e garantias, de acordo com as suas demandas e ofertas.