A formação e vicissitudes do contrato de locação financeira (leasing) na Guiné-Bissau
JANUÁRIO PEDRO CORREIA
Doutor em Direito/Docente da Faculdade de Direito de Bissau
1. CONCEITO, ELEMENTOS CARACTERÍSTICOS E OBJETO
DE LEASING
O contrato de locação financeira, nominado à luz da nova lei – Decreto-Lei n.º 1/2017(1), também designado na expressão de origem inglesa como “leasing”(2)–, é um tipo contratual vulgarizado atualmente, que teve a sua prática primitiva nos tempos de história antiga, tendo como berço a Grécia antiga. Impulsionado, posteriormente, na idade moderna, mais precisamente na década de 50, nos Estados Unidos de América.
Em seguida, o “leasing” passou a ganhar nova forma e proporção, expandindo-se pelos países europeus(3).
Na Zona UEMOA, incluindo a Guiné-Bissau, não obstante a sua regulamentação formal desde 2016/2017, mas ainda não existem sinais vitais da sua segmentação e vulgarização prática nas instituições bancárias.
No entanto, para se ter informação sobre apport diferenciador da realidade vigente nos países da UEMOA, em 2014, leasing e as operações similares representaram menos de 1% dos ativos dos estabelecimentos de crédito, contra 11% na Tunísia e 25% nas Maurícias.
A definição legal de locação financeira vem condensada no artigo 1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 1/2017.
OBJETO:
O objeto desse contrato pode ser um bem móvel ou imóvel, suscetível de locação financeira, conforme define o artigo 1º/4 do Decreto-Lei e artigos 202º-205º do CC. Entretanto, exetuando apenas alguns bens móveis e imóveis discriminados nos termos do artigo 3º do referido DL.
2. A FORMAÇÃO E CONTEÚDO DE LEASING
No que tange à formação de leasing, é mister distinguir nos termos do DL a forma e a formalidade exigidas para a válida conclusão do contrato de locação financeira na Guiné-Bissau.
FORMA:
Por força do artigo 4º do DL, afigura-se-nos indispensável distinguir o quid sobre o qual recai leasing, para efeito de determinação da forma exigida.
Assim, quando incide sobre um bem móvel, poderá ser celebrado por documento particular autenticado ou por escritura pública. A lei exige uma forma alternativa ou disjuntiva, artigo 4º/1ª parte do DL. Caso o objeto seja um bem imóvel, exige-se a escritura pública, o que faz deste contrato um negócio jurídico solene, artigo 4º/2ª parte do DL e artigo 220º do CC.
FORMALIDADE:
O leasing está sujeito, obrigatoriamente, a publicidade mediante registo/inscrição na Conservatória do Registo Comercial e Predial, quer tenha por objeto um bem móvel ou imóvel, com exeção apenas de bem móvel que seja equipamento rolante, artigos 6º, 7º e 8º do DL.
FALTA DO REGISTO NO RCCM:
Gera a inoponibilidade de leasing e as respetivas vicissitudes (artigo 6º/ 2ª parte do 1º, 2º e 3º parágrafos do DL).
CONTEÚDO EXIGIDO:
Para além da forma e formalidades exigidas, ainda o DL condiciona a validade substancial de leasing na Guiné-Bissau à observância de seguintes menções obrigatórias, artigo 5º DL:
• A descrição do objeto do contrato com todas as características que permitam a sua identificação;
• O preço de compra do bem;
• A duração do contrato de locação financeira;
• O montante e número de rendas;
• O plano de amortização das rendas;
• A indicação do período de irrevogabilidade;
• A opção de compra a favor do locatário;
Ainda o DL consagra, complementarmente, outras menções adicionais no artigo 31º.
No entanto, por último, o DL dispensa os contratos de financiamento Ijarah de preenchimento das cláusulas referentes à indicação da parte que escolheu o bem e o fornecedor; o preço de compra do bem; a opção de compra a favor do locatário, etc...
3. MODALIDADES ESPECIAIS
O artigo 1º do DL define nos vários pontos as modalidades especiais de leasing na Guiné-Bissau, como sejam: RELOCAÇÃO FINANCEIRA OU LEASE-BACK ou restitutiva, lease-back, cession-bail, a CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA.
• LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRO: Visa a aquisição e a locação de imóveis construídos; a aquisição de terreno e o financiamento de construções; o financiamento de construções a realizar em terreno pertencente ao locatário, artigo 31º.
• LOCAÇÃO FINANCEIRA MOBILIÁRIA: Tem por objeto bens móveis, nomeadamente equipamentos, máquinas e/ou ferramentas necessárias para a atividade do locatário.
• LOCAÇÃO FINANCEIRA ISLÂMICA OU FINANCIAMENTO IJARAH: Consta do artigo 14º DL. Assim, o DL inova, criando uma modalidade particular de leasing que atenda as caraterísticas peculiares e regras reitoras das finanças islâmicas vigentes em quase todos os países da UMOA.
4. DIREITOS E OBRIGAÇÕES
DO LOCADOR, DO LOCATÁRIO
E DO FORNECEDOR
Por força da celebração do contrato de locação financeira, resultam conjunto de direitos e obrigações, maxime nos termos dos artigos 10º a 20º do DL, a cargo do locador financeiro, do locatário, artigos 21º a 27º do DL, e de fornecedor, artigo 28º do DL(4).
5. AS VICISSITUDES DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
As lobrigadas vinculações resultantes dos contratos de locação financeira e de fornecimento devem ser cumpridas e bem, conforme o acordado, observando os princípios e regras estruturantes em matéria de cumprimento das obrigações (artigo 762º e ss do Código Civil).
No entanto, o regime plasmado no artigo 36º e ss. do DL não foge à regra em matéria de cumprimento e não cumprimento das obrigações, e, como tal, complementada pelas disposições do Código Civil aplicáveis, tais como artigo 790º, referente a impossibilidade de cumprimento, artigos 798º e ss, 801º e ss, referentes a incumprimento, incluindo a mora e de não cumprimento definitivo (culposo).
As vicissitudes do contrato de locação financeira são várias atendendo, sobretudo, a complexa estrutura e natureza deste contrato.
Nesse sentido, procederemos, em seguida, a catalogação de situação que possa conduzir a cessação do contrato de locação financeira e a respetiva consequência:
• CADUCIDADE E REVOGAÇÃO
A cessação do contrato de locação financeira por caducidade ou revogação encontra respaldo no Título VI, Capítulo I e artigo 42º e ss do DL, embora tenha referenciado de forma imprópria a figura jurídica de denúncia no lugar de revogação.
CADUCIDADE:
O contrato de locação financeira extingue-se por caducidade após o termo do prazo acordado, não havendo a respetiva renovação e nem opção de compra nos termos legais, devendo restituir o bem locado conforme dispostos nos artigos 24º, 25º, 34, 42º e 43º do DL.
REVOGAÇÃO:
Resulta do artigo 9º do DL a regra geral de irrevogabilidade do contrato de locação financeira durante o período da sua vigência. Todavia, artigo 24º, in fine, do DL, consagra excecionalmente a possibilidade de cessação do contrato de locação financeira por mútuo acordo entre locador e locatário financeiro, antes do termo do prazo acordado. Porém, essa faculdade de revogação é condicionada à vigência do período de irrevogabilidade do contrato, obrigatoriamente integrado no conteúdo do contrato, contando que não seja inferior a 1 ano, artigo 5º/7. Portanto, o DL vincula as partes a um período mínimo de estabilidade contratual, no mínimo de 1 ano.
• A MORA, CUMPRIMENTO DEFEITUOSO E RESOLUÇÃO
POR INCUMPRIMENTO CULPOSO
E AS RESPETIVAS CONSEQUÊNCIAS
O DL define as obrigações distintas de todos os intervenientes na operação de leasing, v.g., do locador, do locatário e do fornecedor, bem como as consequências negativas associadas a eventual rotura culposa dessa vinculação contratual, tais como(5):
MORA:
Retira-se implicitamente do artigo 30º do DL a possibilidade de responsabilização do locador ou locatário que tenha agido com culpa na realização tardia da prestação por parte do fornecedor (artigo 813º e ss. do Código Civil).
Em relação ao fornecedor, o artigo 29º do DL confere ao locatário, enquanto beneficiário efetivo do bem, ou ao locador financeiro como parte do contrato de fornecimento, em substituição do locatário financeiro, a legitimidade para exigir a realização tardia da prestação devida, mediante interpelação admonitória, bem como exigir a responsabilidade ao fornecedor, artigo 804º e ss do Código Civil.
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO: Igualmente, resultam do artigo 29º do DL as situações de cumprimento parcial e defeituoso.
Assim, cabe ao locatário ou locador financeiro o direito a exigir as correções necessárias, no sentido de se proceder à entrega do bem compreendido no contrato, bem como o direito a indemnização, artigo 29º, in fine, do DL, e dos artigos 798º, 905º e ss, 913º e ss, Código Civil.
Tal responsabilidade não seria imputável ao fornecedor caso prove que a entrega parcial ou incompleta deve-se exclusivamente a culpa de locador ou locatário, artigo 30º do DL.
• IMPOSSIBILIDADE NÃO CULPOSA
Sem prejuízo da regra geral aplicável em matéria de impossibilidade de cumprimento das obrigações (objetiva, total, parcial, temporária e subjetiva, artigo 790º e ss do Código Civil), o artigo 30º, in fine, do DL, exclui a responsabilidade do fornecedor em caso de tardia ou incompleta e de não cumprimento definitivo que não lhe seja imputado, mas por razão de força maior.
No entanto, a mesma solução é válida para a situação de não cumprimento do locador ou locatário devido a razão de força maior, artigo 5º/4 do DL.
• A RESOLUÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL
O contrato de locação financeira é suscetível de cessar por impulso de uma das partes, com fundamento no comportamento culposo da contraparte, dando causa a rotura definitiva do vínculo obrigacional.
O DL regula as responsabilidades imputáveis a cada interveniente perante a rotura definitiva do vínculo contratual, artigo 28º a 30º e 36 e ss.
• RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR:
Resulta dos artigos 28º a 30º do DL a possibilidade de o locatário ou locador responsabilizar o fornecedor pelo não cumprimento culposo de realização da sua prestação de entrega do bem locado.
• RESPONSABILIDADE DO LOCADOR:
Resulta do artigo 36º a possibilidade de o locatário responsabilizar, nos termos do artigo 798º e ss do Código Civil, o locador por causa de violação culposa do contrato, precedida da respetiva resolução, na situação de incumprimento grave, acoplada à perda de interesse e do incumprimento definitivo.
• RESPONSABILIDADE DO LOCATÁRIO:
Resultam dos artigos 37º a 39º do DL. a responsabilidade obrigacional do locatário, por um lado, pelo incumprimento da obrigação de pagamento de rendas, e, por outro, pela posse, utilização indevida, perda ou deterioração culposa do objeto do contrato, artigos 44º a 46º do DL.
Ainda, complementarmente, o locatário é imputado na responsabilidade civil pelo dano ou destruição do objeto locado, artigos 37º do DL, 798º, 799º e 483º/1 do Código Civil, bem como na assunção da responsabilidade objetiva pelo risco da perda total, roubo, montagem incorreta, instalação ou utilização indevida do bem, e de reparar danos causados pelos terceiros aos bens locados, artigos 38º e 39º do DL, 800º, 483º/2, e 499º e ss, do Código Civil.
• COMMUDUM DE REPRESENTAÇÃO:
Em caso de perda parcial ou total do bem locado sujeito a seguro, o locador financeiro tem direito a receber as indemnizações dos seguros, artigos 794º do CC e 19º do DL.
6. NOTA FINAL
O presente trabalho procedeu análise da formação e as vicissitudes do contrato de “leasing” à luz da nova lei, a partir da qual se vislumbra que “leasing” integra na sua composição diversos institutos jurídicos, o que faz dele uma modalidade contratual complexa, com caraterísticas peculiares, e, como tal, aproxima-se à operação de crédito vertido sobre a locação, com intervenção do banco e na disponibilização de recursos/créditos para aquisição do bem, venda a retro, entre outros tipos.
NOTAS:
1. Publicado no Suplemento ao Boletim Oficial n.º 25, 19/06/2018, visando o presente decreto transpor para ordem jurídica interna a Lei Uniforme de Julho de 2016.
2. Por comodidade, utilizaremos na exposição indistintamente as designações “contrato de locação financeira”, “locação financeira”, “e “leasing”.
3. Sobre história e evolução de leasing, veja-se: António Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Bancário”, 4ª ed., Coimbra, Almedina, 2010. P. 671 e ss.
4. Cf. António Pedro A. Ferreira, Direito Bancário, 2ª ed., p. 703 e ss.
5. Ainda, a liquidação e insolvência do locatário financeiro pode acarretar a extinção de locação financeira (vide: artigos 49º a 54º do DL n.º 1/2017).
DE LEASING
O contrato de locação financeira, nominado à luz da nova lei – Decreto-Lei n.º 1/2017(1), também designado na expressão de origem inglesa como “leasing”(2)–, é um tipo contratual vulgarizado atualmente, que teve a sua prática primitiva nos tempos de história antiga, tendo como berço a Grécia antiga. Impulsionado, posteriormente, na idade moderna, mais precisamente na década de 50, nos Estados Unidos de América.
Em seguida, o “leasing” passou a ganhar nova forma e proporção, expandindo-se pelos países europeus(3).
Na Zona UEMOA, incluindo a Guiné-Bissau, não obstante a sua regulamentação formal desde 2016/2017, mas ainda não existem sinais vitais da sua segmentação e vulgarização prática nas instituições bancárias.
No entanto, para se ter informação sobre apport diferenciador da realidade vigente nos países da UEMOA, em 2014, leasing e as operações similares representaram menos de 1% dos ativos dos estabelecimentos de crédito, contra 11% na Tunísia e 25% nas Maurícias.
A definição legal de locação financeira vem condensada no artigo 1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 1/2017.
OBJETO:
O objeto desse contrato pode ser um bem móvel ou imóvel, suscetível de locação financeira, conforme define o artigo 1º/4 do Decreto-Lei e artigos 202º-205º do CC. Entretanto, exetuando apenas alguns bens móveis e imóveis discriminados nos termos do artigo 3º do referido DL.
2. A FORMAÇÃO E CONTEÚDO DE LEASING
No que tange à formação de leasing, é mister distinguir nos termos do DL a forma e a formalidade exigidas para a válida conclusão do contrato de locação financeira na Guiné-Bissau.
FORMA:
Por força do artigo 4º do DL, afigura-se-nos indispensável distinguir o quid sobre o qual recai leasing, para efeito de determinação da forma exigida.
Assim, quando incide sobre um bem móvel, poderá ser celebrado por documento particular autenticado ou por escritura pública. A lei exige uma forma alternativa ou disjuntiva, artigo 4º/1ª parte do DL. Caso o objeto seja um bem imóvel, exige-se a escritura pública, o que faz deste contrato um negócio jurídico solene, artigo 4º/2ª parte do DL e artigo 220º do CC.
FORMALIDADE:
O leasing está sujeito, obrigatoriamente, a publicidade mediante registo/inscrição na Conservatória do Registo Comercial e Predial, quer tenha por objeto um bem móvel ou imóvel, com exeção apenas de bem móvel que seja equipamento rolante, artigos 6º, 7º e 8º do DL.
FALTA DO REGISTO NO RCCM:
Gera a inoponibilidade de leasing e as respetivas vicissitudes (artigo 6º/ 2ª parte do 1º, 2º e 3º parágrafos do DL).
CONTEÚDO EXIGIDO:
Para além da forma e formalidades exigidas, ainda o DL condiciona a validade substancial de leasing na Guiné-Bissau à observância de seguintes menções obrigatórias, artigo 5º DL:
• A descrição do objeto do contrato com todas as características que permitam a sua identificação;
• O preço de compra do bem;
• A duração do contrato de locação financeira;
• O montante e número de rendas;
• O plano de amortização das rendas;
• A indicação do período de irrevogabilidade;
• A opção de compra a favor do locatário;
Ainda o DL consagra, complementarmente, outras menções adicionais no artigo 31º.
No entanto, por último, o DL dispensa os contratos de financiamento Ijarah de preenchimento das cláusulas referentes à indicação da parte que escolheu o bem e o fornecedor; o preço de compra do bem; a opção de compra a favor do locatário, etc...
3. MODALIDADES ESPECIAIS
O artigo 1º do DL define nos vários pontos as modalidades especiais de leasing na Guiné-Bissau, como sejam: RELOCAÇÃO FINANCEIRA OU LEASE-BACK ou restitutiva, lease-back, cession-bail, a CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA.
• LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRO: Visa a aquisição e a locação de imóveis construídos; a aquisição de terreno e o financiamento de construções; o financiamento de construções a realizar em terreno pertencente ao locatário, artigo 31º.
• LOCAÇÃO FINANCEIRA MOBILIÁRIA: Tem por objeto bens móveis, nomeadamente equipamentos, máquinas e/ou ferramentas necessárias para a atividade do locatário.
• LOCAÇÃO FINANCEIRA ISLÂMICA OU FINANCIAMENTO IJARAH: Consta do artigo 14º DL. Assim, o DL inova, criando uma modalidade particular de leasing que atenda as caraterísticas peculiares e regras reitoras das finanças islâmicas vigentes em quase todos os países da UMOA.
4. DIREITOS E OBRIGAÇÕES
DO LOCADOR, DO LOCATÁRIO
E DO FORNECEDOR
Por força da celebração do contrato de locação financeira, resultam conjunto de direitos e obrigações, maxime nos termos dos artigos 10º a 20º do DL, a cargo do locador financeiro, do locatário, artigos 21º a 27º do DL, e de fornecedor, artigo 28º do DL(4).
5. AS VICISSITUDES DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
As lobrigadas vinculações resultantes dos contratos de locação financeira e de fornecimento devem ser cumpridas e bem, conforme o acordado, observando os princípios e regras estruturantes em matéria de cumprimento das obrigações (artigo 762º e ss do Código Civil).
No entanto, o regime plasmado no artigo 36º e ss. do DL não foge à regra em matéria de cumprimento e não cumprimento das obrigações, e, como tal, complementada pelas disposições do Código Civil aplicáveis, tais como artigo 790º, referente a impossibilidade de cumprimento, artigos 798º e ss, 801º e ss, referentes a incumprimento, incluindo a mora e de não cumprimento definitivo (culposo).
As vicissitudes do contrato de locação financeira são várias atendendo, sobretudo, a complexa estrutura e natureza deste contrato.
Nesse sentido, procederemos, em seguida, a catalogação de situação que possa conduzir a cessação do contrato de locação financeira e a respetiva consequência:
• CADUCIDADE E REVOGAÇÃO
A cessação do contrato de locação financeira por caducidade ou revogação encontra respaldo no Título VI, Capítulo I e artigo 42º e ss do DL, embora tenha referenciado de forma imprópria a figura jurídica de denúncia no lugar de revogação.
CADUCIDADE:
O contrato de locação financeira extingue-se por caducidade após o termo do prazo acordado, não havendo a respetiva renovação e nem opção de compra nos termos legais, devendo restituir o bem locado conforme dispostos nos artigos 24º, 25º, 34, 42º e 43º do DL.
REVOGAÇÃO:
Resulta do artigo 9º do DL a regra geral de irrevogabilidade do contrato de locação financeira durante o período da sua vigência. Todavia, artigo 24º, in fine, do DL, consagra excecionalmente a possibilidade de cessação do contrato de locação financeira por mútuo acordo entre locador e locatário financeiro, antes do termo do prazo acordado. Porém, essa faculdade de revogação é condicionada à vigência do período de irrevogabilidade do contrato, obrigatoriamente integrado no conteúdo do contrato, contando que não seja inferior a 1 ano, artigo 5º/7. Portanto, o DL vincula as partes a um período mínimo de estabilidade contratual, no mínimo de 1 ano.
• A MORA, CUMPRIMENTO DEFEITUOSO E RESOLUÇÃO
POR INCUMPRIMENTO CULPOSO
E AS RESPETIVAS CONSEQUÊNCIAS
O DL define as obrigações distintas de todos os intervenientes na operação de leasing, v.g., do locador, do locatário e do fornecedor, bem como as consequências negativas associadas a eventual rotura culposa dessa vinculação contratual, tais como(5):
MORA:
Retira-se implicitamente do artigo 30º do DL a possibilidade de responsabilização do locador ou locatário que tenha agido com culpa na realização tardia da prestação por parte do fornecedor (artigo 813º e ss. do Código Civil).
Em relação ao fornecedor, o artigo 29º do DL confere ao locatário, enquanto beneficiário efetivo do bem, ou ao locador financeiro como parte do contrato de fornecimento, em substituição do locatário financeiro, a legitimidade para exigir a realização tardia da prestação devida, mediante interpelação admonitória, bem como exigir a responsabilidade ao fornecedor, artigo 804º e ss do Código Civil.
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO: Igualmente, resultam do artigo 29º do DL as situações de cumprimento parcial e defeituoso.
Assim, cabe ao locatário ou locador financeiro o direito a exigir as correções necessárias, no sentido de se proceder à entrega do bem compreendido no contrato, bem como o direito a indemnização, artigo 29º, in fine, do DL, e dos artigos 798º, 905º e ss, 913º e ss, Código Civil.
Tal responsabilidade não seria imputável ao fornecedor caso prove que a entrega parcial ou incompleta deve-se exclusivamente a culpa de locador ou locatário, artigo 30º do DL.
• IMPOSSIBILIDADE NÃO CULPOSA
Sem prejuízo da regra geral aplicável em matéria de impossibilidade de cumprimento das obrigações (objetiva, total, parcial, temporária e subjetiva, artigo 790º e ss do Código Civil), o artigo 30º, in fine, do DL, exclui a responsabilidade do fornecedor em caso de tardia ou incompleta e de não cumprimento definitivo que não lhe seja imputado, mas por razão de força maior.
No entanto, a mesma solução é válida para a situação de não cumprimento do locador ou locatário devido a razão de força maior, artigo 5º/4 do DL.
• A RESOLUÇÃO E RESPONSABILIDADE CIVIL
O contrato de locação financeira é suscetível de cessar por impulso de uma das partes, com fundamento no comportamento culposo da contraparte, dando causa a rotura definitiva do vínculo obrigacional.
O DL regula as responsabilidades imputáveis a cada interveniente perante a rotura definitiva do vínculo contratual, artigo 28º a 30º e 36 e ss.
• RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR:
Resulta dos artigos 28º a 30º do DL a possibilidade de o locatário ou locador responsabilizar o fornecedor pelo não cumprimento culposo de realização da sua prestação de entrega do bem locado.
• RESPONSABILIDADE DO LOCADOR:
Resulta do artigo 36º a possibilidade de o locatário responsabilizar, nos termos do artigo 798º e ss do Código Civil, o locador por causa de violação culposa do contrato, precedida da respetiva resolução, na situação de incumprimento grave, acoplada à perda de interesse e do incumprimento definitivo.
• RESPONSABILIDADE DO LOCATÁRIO:
Resultam dos artigos 37º a 39º do DL. a responsabilidade obrigacional do locatário, por um lado, pelo incumprimento da obrigação de pagamento de rendas, e, por outro, pela posse, utilização indevida, perda ou deterioração culposa do objeto do contrato, artigos 44º a 46º do DL.
Ainda, complementarmente, o locatário é imputado na responsabilidade civil pelo dano ou destruição do objeto locado, artigos 37º do DL, 798º, 799º e 483º/1 do Código Civil, bem como na assunção da responsabilidade objetiva pelo risco da perda total, roubo, montagem incorreta, instalação ou utilização indevida do bem, e de reparar danos causados pelos terceiros aos bens locados, artigos 38º e 39º do DL, 800º, 483º/2, e 499º e ss, do Código Civil.
• COMMUDUM DE REPRESENTAÇÃO:
Em caso de perda parcial ou total do bem locado sujeito a seguro, o locador financeiro tem direito a receber as indemnizações dos seguros, artigos 794º do CC e 19º do DL.
6. NOTA FINAL
O presente trabalho procedeu análise da formação e as vicissitudes do contrato de “leasing” à luz da nova lei, a partir da qual se vislumbra que “leasing” integra na sua composição diversos institutos jurídicos, o que faz dele uma modalidade contratual complexa, com caraterísticas peculiares, e, como tal, aproxima-se à operação de crédito vertido sobre a locação, com intervenção do banco e na disponibilização de recursos/créditos para aquisição do bem, venda a retro, entre outros tipos.
NOTAS:
1. Publicado no Suplemento ao Boletim Oficial n.º 25, 19/06/2018, visando o presente decreto transpor para ordem jurídica interna a Lei Uniforme de Julho de 2016.
2. Por comodidade, utilizaremos na exposição indistintamente as designações “contrato de locação financeira”, “locação financeira”, “e “leasing”.
3. Sobre história e evolução de leasing, veja-se: António Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Bancário”, 4ª ed., Coimbra, Almedina, 2010. P. 671 e ss.
4. Cf. António Pedro A. Ferreira, Direito Bancário, 2ª ed., p. 703 e ss.
5. Ainda, a liquidação e insolvência do locatário financeiro pode acarretar a extinção de locação financeira (vide: artigos 49º a 54º do DL n.º 1/2017).