Sobre a eventual inconstitucionalidade do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, e a sua repercussão nos contratos de prestação de serviços de ajudante familiar
João Ricardo Correia
Juiz de Direito
O presente artigo debruça-se sobre as particularidades de uma relação contratual incidente sobre o que vulgarmente se chamam os “ajudantes familiares”, frequentemente formalizados mediante contratos de prestação de serviços de ajudante familiar ao abrigo do exposto no DL n.º 141/89, de 28 de Abril. Tal diploma definiu as condições de exercício e o regime de protecção social da actividade que, no âmbito da acção social realizada pela Segurança Social ou por outras entidades, é desenvolvida por ajudantes familiares (cfr. art. 1.º).
Note-se que o diploma em apreço surge face ao grande aumento de serviços ao domicílio dos particulares perante dois factores: o aumento da proporção das pessoas idosas/dependentes e a forte presença das mulheres no mercado de trabalho, razões estas indicadas em “Les Services à la Persone”, Dir. Bernard Balzani, in “Les études de la Documentation Française”, ISBN, 1763-6191, Paris, n.º 5313-5314 (2010), pág. 139. Os dados levantados no volume desta revista levantam a questão da qualidade destes empregos, quer do ponto de vista do trabalhador (forte precariedade, condições de trabalho que se aproximam do serviço doméstico), quer da perspectiva dos utilizadores dos serviços, uma vez que o profissionalismo dos elementos do sector (associações ou sociedades) nem sempre é garantido.
Assim, importa ter presente que, nos termos do mencionado diploma, nomeadamente dos seus arts. 2.º e 3.º, ajudantes familiares são as pessoas que, em articulação com instituições de suporte, prestam serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida da família nos casos em que os mesmos serviços não possam ser prestados pelos seus membros, sendo instituições de suporte, técnico e financeiro, dos ajudantes familiares a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, as instituições particulares de solidariedade social e, subsidiariamente, os centros regionais de segurança social e os serviços das regiões autónomas que promovam acção social no âmbito da Segurança Social, bem como outras entidades públicas ou organizações não governamentais que assegurem os serviços de apoio familiar previstos neste diploma.
Aos ajudantes familiares no exercício da sua actividade compete, em geral,
a) Prestar ajuda na confecção das refeições, no tratamento de roupas e nos cuidados de higiene e conforto pessoal dos utentes;
b) Realizar no exterior serviços necessários aos utentes e acompanhá-los nas suas deslocações, sempre que necessário;
c) Ministrar aos utentes, quando necessário, a medicação prescrita que não seja da exclusiva competência dos técnicos de saúde;
d) Acompanhar as alterações que se verifiquem na situação global dos utentes que afectem o seu bem-estar e, de um modo geral, actuar por forma a ultrapassar possíveis situações de isolamento e solidão (cfr. art. 4.º).
Por sua vez, é de reter que, nos termos do art. 10.º, n.º 1, do diploma em análise a prestação de serviço a que este se refere deve constar de documento, escrito e assinado por ambas as partes interessadas, onde se estabeleça o período previsto para a sua vigência e as condições determinantes da sua renovação, referindo o n.º 2 do mesmo que, pela celebração do contrato, os ajudantes familiares não adquirem a qualidade de empregado, funcionário ou agente das instituições de suporte.
Mais prevê tal diploma, nomeadamente no seu art. 11.º, quais os deveres dos ajudantes familiares perante as instituições de suporte, nomeadamente os de:
i) Desempenhar as tarefas que integram a sua actividade, de acordo com as orientações técnicas acordadas;
ii) Dar conhecimento atempado à instituição de suporte de todos os elementos que respeitem ao desenvolvimento da sua actividade, e que possam reflectir-se sobre o bem-estar dos utentes da ajuda familiar;
iii) Informar a instituição de suporte com a antecedência mínima de 48 horas, salvo casos de força maior, da impossibilidade de garantir a prestação dos serviços.
iv) Desempenhar as tarefas que integram a sua actividade, de acordo com as necessidades das pessoas e famílias a apoiar;
v) Colaborar com as famílias às quais prestam apoio, assegurando uma permanente informação sobre os aspectos relevantes para a garantia das condições de saúde e do bem-estar dos seus familiares.
E, por sua vez, prevê o seu art 12.º quais as obrigações das instituições de suporte, nomeadamente:
i) Proceder à selecção das pessoas ou das famílias a quem deve ser prestado apoio domiciliário e determinar o tipo de apoio necessário, sua periodicidade e duração;
ii) Prestar apoio técnico regular aos ajudantes familiares, por forma a garantir a eficácia da sua actuação, incluindo, quando necessário, os meios materiais indispensáveis ao bom exercício da actividade;
iii) Assegurar aos ajudantes familiares o pagamento da retribuição devida pela prestação do serviço;
iv) Promover a realização de contratos de seguros de acidentes pessoais para cobertura dos riscos a que fiquem sujeitos os ajudantes familiares no exercício da sua da actividade.
Sendo que a violação das obrigações dos ajudantes familiares, previstas no artigo 11º, e das instituições de suporte, previstas nas alíneas b) e c) do art. 12.º, determina a imediata rescisão do contrato.
Posto isto,
Da leitura do normativo em análise extrai-se que o legislador regulou uma actividade executada por profissionais (a qual denominou de ajudantes familiares) em moldes tais que a mesma, seguindo os deveres dos ajudantes familiares e das instituições de suporte tal como definidos no diploma em causa, nunca poderá deixar de ser considerada como prestação de serviços e não como um contrato de trabalho.
Assim, a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, respectivamente, nos arts. 1152.º e 1154.º do Código Civil, assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia). O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
No contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Porém, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou a autonomia – que permite atingir aquela distinção. A subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem (vide, nesse sentido, Paula Quintas e Hélder Quintas, in “Código do Trabalho Anotado e Comentado”, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 98).
Em suma,
O critério legislativo para distinguir estas duas formas de exercício de uma actividade assenta não na natureza da actividade desenvolvida, inexistindo uma lista de tarefas ou actividades que sejam definidas por lei como abrangidas por uma ou outra forma contratual, mas sim no apuramento casuístico das circunstâncias supra definidas, ou seja, subordinação jurídica ou autonomia, prestação de uma actividade ou de obrigação de resultado.
E, para tanto, prevê ainda o legislador, no art. 12.º, n. 1, do Código do Trabalho, a presunção de existência de um contrato de trabalho quando na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam se verifique, entre outras, o seguinte:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma.
Reitera-se que, de acordo com a leitura do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, que as actividades desenvolvidas no seu âmbito são consideradas pelo legislador como exercidas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, reforçando o seu art. 10.º, n.º 2, tal escolha legislativa.
A questão que se coloca resume-se assim a saber se o art. 10.º, n.º 2, do diploma aqui em estudo corresponde:
- a uma opção legislativa no sentido em que o exercício de uma actividade por parte de um ajudante familiar corresponde sempre e necessariamente a um contrato de prestação de serviços, mesmo que em concreto tal exercício extrapole a autonomia e o alcançar de um fim (correspondendo a uma subordinação jurídica e ao exercício de uma actividade), interpretação essa que nos levará sempre à ideia de que o legislador, mediante proibição, excluiu a actividade de um ajudante familiar e a sua relação com a instituição de suporte do âmbito do contrato de trabalho (sendo indiferente que materialmente corresponda a tal figura do direito);
- ou se, pelo contrário, o legislador, através da norma constante do art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, estará apenas a clarificar, mediante uma norma interpretativa, aquilo que naturalmente já decorreria da leitura do texto integral do diploma, ou seja, a salientar que qualquer actividade que se circunscreva aos deveres consignados nos arts. 11.º e 12 do mesmo será sempre um contrato de prestação de serviços, sem prejuízo daquelas situações em que o exercício da actividade de ajudante familiar, face à verificação da subordinação jurídica e prestação de uma actividade correspondam a um contrato de trabalho, e, como tal, regulado pelas normas dele decorrentes.
Para tanto, cumpre salientar que, através da consulta da base Digesto (Presidência do Conselho de Ministros), verifica-se que o DL n.° 141/89, de 28 de Abril, sofreu até à presente data uma única modificação, sendo revogado o n.° 2 do seu art. 16.° pelo DL n.° 328/93, de 25 de Setembro, que, por sua vez, foi revogado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).
Ou seja, o diploma em estudo mantém-se inalterado, nos seus elementos essenciais, desde a data da sua publicação até à presente data, sem prejuízo de uma tentativa de alteração do mesmo efectuada pela Proposta de Lei n.º 38/XII, de 08 de Agosto de 2011, e a qual referia, na sua exposição de motivos, que “Este enquadramento demonstra que os ajudantes familiares se encontram claramente nas condições do artigo 12º do Código de Trabalho (Presunção de Contrato), pelo que são falsos trabalhadores independentes e, logo, têm direito a um contrato de trabalho nos termos da lei”. (Vide www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=36401).
Procurou-se assim alterar o DL n.º 141/89, de 28 de Abril, por forma a incluir a previsão expressa, em sede legislativa, da inclusão da actividade de ajudante familiar no âmbito de uma relação laboral, apagando as menções dele existentes referentes a contratos de prestação de serviços.
Saliente-se que tal alteração foi rejeitada na generalidade (Vide DAR, 1.ª Série, n.º 11/XII/2, de 13 de Outubro de 2013, pág. 33).
Por sua vez, e a nível de direito comparado, é de referir que, em Espanha, a “Ley 39/2006, de 14 de diciembre, de Promoción de la Autonomia Personal y Atención a las Personas en Situatión de Dependencia”, cria um sistema para a autonomia e atenção à dependência correspondendo a uma acção conjunta e coordenada entre a Administração Central do Estado e as Comunidades Autónomas, abrangendo todas as áreas que afectam todas as pessoas em situação de dependência (Vide Parecer da X Comissão de Segurança Social e Trabalho e respectiva nota técnica de 10 de Outubro de 2012, in www.parlamento.pt).
As relações laborais dos trabalhadores por conta de outrem de ajuda ao domicílio são reguladas pelo “Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de marzo”, e pelo “V Convenio colectivo marco estatal de servicios de atención a las personas dependientes y desarrollo de la promoción de la autonomia personal”.
De reter que os trabalhadores de “Ayuda a Domicilio” têm direito a férias, subsídio de férias e de Natal, bem como a todas as prestações, incluindo a protecção nas diversas eventualidades previstas para os trabalhadores por conta de outrem.
Por sua vez, e em França, prevê o “Code de L’ Action Sociale et des Familles” um conjunto de normas que prevêem um conjunto de regras de apoio e assistência aos ajudantes familiares (Article L-114-1, 114-1-1, 1111-6), assim como ajudas financeiras aos mesmos (Article L245-12, L541-1, L-541-4), regras estas que se aproximam das regras previstas para o contrato de trabalho por conta de outrem (Vide www.unaf.fr/ e supra mencionado Parecer).
Em Itália, a figura do ajudante familiar reveste várias formas, entre as quais a de “bandante”, que é uma tipologia de empregada doméstica e que desenvolve trabalhos sobretudo de assistência a idosos em “full time”. A figura do ajudante doméstico é assim reconduzível a toda uma série de trabalhadores domésticos e que têm a sua situação jurídica estatuída em contrato colectivo nacional de trabalho em vigor desde Março de 2007 (Vide supra mencionado Parecer).
Desta síntese constata-se que, pelo menos a nível da legislação em vigor nos países referidos, não se retira ou exclui o exercício da actividade de ajudante familiar do âmbito das relações laborais.
Por sua vez, não é despiciendo relembrar que a questão da conformidade do art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional no âmbito do processo 769/2000, o qual deu origem ao Acórdão n.º 237/01 (Vide http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010237.html).
Tal Acórdão, proferido na sequência de um recurso interposto de um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu julgar inconstitucional, por violação da al. b) do n.º 1 do art. 168.º da versão da Lei Fundamental decorrente da Lei de Revisão Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, a norma constante do n.º 2 do art.º 10.º do DL n.º 141/89 de 28 de Abril (actual art. 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa), na interpretação segundo a qual dela decorre a possibilidade conferida às instituições de suporte de cessar em qualquer altura os contratos celebrados com os denominados “ajudantes familiares” – qualificados como contratos de trabalho – e, por isso, não respeitando os limites e número máximo de renovações impostos pela legislação reguladora da contratação a termo pelas entidades patronais privadas.
Temos presente igualmente que o Acórdão em referência deixou acentuado que no vertente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade apenas atendeu à subsunção jurídica dos factos havidos como provados, levada a efeito pelo Tribunal a quo, subsunção essa de harmonia com a qual a relação negocial que foi efectuada entre as partes, em face dos elementos demonstrados quanto a tal relação, era de perspectivar como uma relação laboral ou, se se quiser, sujeita uma relação que haveria de ser regida pelo ordenamento jurídico-laboral.
Porém, se é certa a existência de uma premissa pelo qual o Tribunal Constitucional partiu para formar o seu juízo de inconstitucionalidade, também é certa a existência de uma outra premissa a ter em consideração, nomeadamente, a de que, partindo da interpretação efectuada pela decisão sub iudicio – ou seja, que se colocava no caso dos autos uma relação laboral que era regulada, por entre o mais, pela norma ora em apreço – então, foi-se levado a concluir que, tratando-se de normação que, regulando especificamente pelo menos um aspecto da relação laboral (aspecto esse sem dúvida essencial, já que reportado a uma forma de cessação dessa relação jurídica), houve de ser considerado como uma estatuição que perfeitamente se inclui na matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e, consequentemente, a respectiva edição inseriu-se, ao tempo em que ocorreu, na competência exclusiva da Assembleia da República, ex vi da al. b) do n.º 1 do art. 168.º da versão da Constituição, decorrente da Lei de Revisão Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro (Vide, sobre o que se deve incluir naquela alínea, Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2ª edição, 2º volume, 199).
Mais teve em atenção que o DL n.º 141/89, de 28 de Abril, foi editado pelo Governo no exercício da sua competência legislativa concorrente com a Assembleia da República e sem que se mostre que o órgão parlamentar tivesse concedido àqueloutro órgão executivo autorização para o editar.
Note-se que a Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, a que se faz referência no preâmbulo do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, reporta-se apenas à Lei de Bases da Segurança Social e não correspondendo tal diploma a qualquer autorização legislativa por parte da Assembleia da República com vista à restrição de eventuais direitos dos trabalhadores.
Assim e chegados a este ponto, há que constatar que a interpretação do exposto no art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, e a qual impõe o entendimento que tal dispositivo legal qualifica, como obrigatória, todas as relações entre os chamados ajudantes familiares e as instituições de suporte como contratos de prestação de serviços, excluindo assim, por lei, tais relações – mesmo que sujeitas a subordinação jurídica ou traduzidas no exercício de uma actividade – do âmbito da relação laboral, imporá também o entendimento que tal normativo exclui então um conjunto determinado de profissionais apenas face ao exercício da sua actividade da protecção dada pelo art. 53.º da Constituição da República Portuguesa, e o qual consagra o princípio da segurança no emprego ao prever que “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”.
Decidir quais as actividades profissionais que podem ser ou não incluídas no âmbito da relação laboral, excluindo certas e determinadas actividades face à sua natureza específica da protecção da lei do trabalho, é uma tarefa constitucionalmente possível mas desde que, o seja feita pela Assembleia da República ou pelo Governo, ao abrigo de uma lei de autorização legislativa, pois que tais matérias fazem parte da reserva relativa da Assembleia da República [cfr. art. 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa].
No caso concreto, constata-se que o art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, foi editado pelo Governo sem precedência de uma lei de autorização legislativa, pelo que nada mais resta senão concluir pela recusa da aplicação do normativo em referência quando interpretado no sentido em que o mesmo exclui, de forma obrigatória, do âmbito da relação laboral, toda a actividade exercida pelos ajudantes familiares face às instituições de suporte, em virtude da violação do art. 165.º, n.º 1, al. b), da Lei Fundamental, tudo nos termos e para os efeitos do exposto no art. 204.º da mesma.
Aliás, só uma interpretação distinta da mencionada supra, nomeadamente, a que perspectiva o art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, enquanto norma interpretativa e a qual não prejudica a inserção da actividade de ajudante familiar e sua relação com as instituições de suporte, desde que verificados os respectivos pressupostos de subordinação jurídica ou prestação de actividade, no âmbito laboral, é que nos permite aceitar que esta, assim como o diploma no qual está inserido, tenha sido aprovada, promulgada e publicada sem a precedência de uma lei de autorização legislativa.
E conclusão,
Não se pode assumir que o legislador é profícuo na elaboração de diplomas que padecem de inconstitucionalidades orgânicas. Pelo contrário, devemos assumir que o legislador, consciente do sentido que quis atribuir à norma em questão, entendeu que esta, assim como todo o diploma, não excluía qualquer actividade do âmbito da lei laboral, não restringindo por sua vez os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, nem por sua vez se integrava na reserva absoluta da Assembleia da República, sendo esse raciocínio o mais consonante com uma interpretação conforme à Constituição, o que, naturalmente se impõe.
Note-se que o diploma em apreço surge face ao grande aumento de serviços ao domicílio dos particulares perante dois factores: o aumento da proporção das pessoas idosas/dependentes e a forte presença das mulheres no mercado de trabalho, razões estas indicadas em “Les Services à la Persone”, Dir. Bernard Balzani, in “Les études de la Documentation Française”, ISBN, 1763-6191, Paris, n.º 5313-5314 (2010), pág. 139. Os dados levantados no volume desta revista levantam a questão da qualidade destes empregos, quer do ponto de vista do trabalhador (forte precariedade, condições de trabalho que se aproximam do serviço doméstico), quer da perspectiva dos utilizadores dos serviços, uma vez que o profissionalismo dos elementos do sector (associações ou sociedades) nem sempre é garantido.
Assim, importa ter presente que, nos termos do mencionado diploma, nomeadamente dos seus arts. 2.º e 3.º, ajudantes familiares são as pessoas que, em articulação com instituições de suporte, prestam serviços domiciliários imprescindíveis à normalidade da vida da família nos casos em que os mesmos serviços não possam ser prestados pelos seus membros, sendo instituições de suporte, técnico e financeiro, dos ajudantes familiares a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, as instituições particulares de solidariedade social e, subsidiariamente, os centros regionais de segurança social e os serviços das regiões autónomas que promovam acção social no âmbito da Segurança Social, bem como outras entidades públicas ou organizações não governamentais que assegurem os serviços de apoio familiar previstos neste diploma.
Aos ajudantes familiares no exercício da sua actividade compete, em geral,
a) Prestar ajuda na confecção das refeições, no tratamento de roupas e nos cuidados de higiene e conforto pessoal dos utentes;
b) Realizar no exterior serviços necessários aos utentes e acompanhá-los nas suas deslocações, sempre que necessário;
c) Ministrar aos utentes, quando necessário, a medicação prescrita que não seja da exclusiva competência dos técnicos de saúde;
d) Acompanhar as alterações que se verifiquem na situação global dos utentes que afectem o seu bem-estar e, de um modo geral, actuar por forma a ultrapassar possíveis situações de isolamento e solidão (cfr. art. 4.º).
Por sua vez, é de reter que, nos termos do art. 10.º, n.º 1, do diploma em análise a prestação de serviço a que este se refere deve constar de documento, escrito e assinado por ambas as partes interessadas, onde se estabeleça o período previsto para a sua vigência e as condições determinantes da sua renovação, referindo o n.º 2 do mesmo que, pela celebração do contrato, os ajudantes familiares não adquirem a qualidade de empregado, funcionário ou agente das instituições de suporte.
Mais prevê tal diploma, nomeadamente no seu art. 11.º, quais os deveres dos ajudantes familiares perante as instituições de suporte, nomeadamente os de:
i) Desempenhar as tarefas que integram a sua actividade, de acordo com as orientações técnicas acordadas;
ii) Dar conhecimento atempado à instituição de suporte de todos os elementos que respeitem ao desenvolvimento da sua actividade, e que possam reflectir-se sobre o bem-estar dos utentes da ajuda familiar;
iii) Informar a instituição de suporte com a antecedência mínima de 48 horas, salvo casos de força maior, da impossibilidade de garantir a prestação dos serviços.
iv) Desempenhar as tarefas que integram a sua actividade, de acordo com as necessidades das pessoas e famílias a apoiar;
v) Colaborar com as famílias às quais prestam apoio, assegurando uma permanente informação sobre os aspectos relevantes para a garantia das condições de saúde e do bem-estar dos seus familiares.
E, por sua vez, prevê o seu art 12.º quais as obrigações das instituições de suporte, nomeadamente:
i) Proceder à selecção das pessoas ou das famílias a quem deve ser prestado apoio domiciliário e determinar o tipo de apoio necessário, sua periodicidade e duração;
ii) Prestar apoio técnico regular aos ajudantes familiares, por forma a garantir a eficácia da sua actuação, incluindo, quando necessário, os meios materiais indispensáveis ao bom exercício da actividade;
iii) Assegurar aos ajudantes familiares o pagamento da retribuição devida pela prestação do serviço;
iv) Promover a realização de contratos de seguros de acidentes pessoais para cobertura dos riscos a que fiquem sujeitos os ajudantes familiares no exercício da sua da actividade.
Sendo que a violação das obrigações dos ajudantes familiares, previstas no artigo 11º, e das instituições de suporte, previstas nas alíneas b) e c) do art. 12.º, determina a imediata rescisão do contrato.
Posto isto,
Da leitura do normativo em análise extrai-se que o legislador regulou uma actividade executada por profissionais (a qual denominou de ajudantes familiares) em moldes tais que a mesma, seguindo os deveres dos ajudantes familiares e das instituições de suporte tal como definidos no diploma em causa, nunca poderá deixar de ser considerada como prestação de serviços e não como um contrato de trabalho.
Assim, a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, respectivamente, nos arts. 1152.º e 1154.º do Código Civil, assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia). O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
No contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Porém, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou a autonomia – que permite atingir aquela distinção. A subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem (vide, nesse sentido, Paula Quintas e Hélder Quintas, in “Código do Trabalho Anotado e Comentado”, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 98).
Em suma,
O critério legislativo para distinguir estas duas formas de exercício de uma actividade assenta não na natureza da actividade desenvolvida, inexistindo uma lista de tarefas ou actividades que sejam definidas por lei como abrangidas por uma ou outra forma contratual, mas sim no apuramento casuístico das circunstâncias supra definidas, ou seja, subordinação jurídica ou autonomia, prestação de uma actividade ou de obrigação de resultado.
E, para tanto, prevê ainda o legislador, no art. 12.º, n. 1, do Código do Trabalho, a presunção de existência de um contrato de trabalho quando na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam se verifique, entre outras, o seguinte:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma.
Reitera-se que, de acordo com a leitura do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, que as actividades desenvolvidas no seu âmbito são consideradas pelo legislador como exercidas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, reforçando o seu art. 10.º, n.º 2, tal escolha legislativa.
A questão que se coloca resume-se assim a saber se o art. 10.º, n.º 2, do diploma aqui em estudo corresponde:
- a uma opção legislativa no sentido em que o exercício de uma actividade por parte de um ajudante familiar corresponde sempre e necessariamente a um contrato de prestação de serviços, mesmo que em concreto tal exercício extrapole a autonomia e o alcançar de um fim (correspondendo a uma subordinação jurídica e ao exercício de uma actividade), interpretação essa que nos levará sempre à ideia de que o legislador, mediante proibição, excluiu a actividade de um ajudante familiar e a sua relação com a instituição de suporte do âmbito do contrato de trabalho (sendo indiferente que materialmente corresponda a tal figura do direito);
- ou se, pelo contrário, o legislador, através da norma constante do art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, estará apenas a clarificar, mediante uma norma interpretativa, aquilo que naturalmente já decorreria da leitura do texto integral do diploma, ou seja, a salientar que qualquer actividade que se circunscreva aos deveres consignados nos arts. 11.º e 12 do mesmo será sempre um contrato de prestação de serviços, sem prejuízo daquelas situações em que o exercício da actividade de ajudante familiar, face à verificação da subordinação jurídica e prestação de uma actividade correspondam a um contrato de trabalho, e, como tal, regulado pelas normas dele decorrentes.
Para tanto, cumpre salientar que, através da consulta da base Digesto (Presidência do Conselho de Ministros), verifica-se que o DL n.° 141/89, de 28 de Abril, sofreu até à presente data uma única modificação, sendo revogado o n.° 2 do seu art. 16.° pelo DL n.° 328/93, de 25 de Setembro, que, por sua vez, foi revogado pela Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).
Ou seja, o diploma em estudo mantém-se inalterado, nos seus elementos essenciais, desde a data da sua publicação até à presente data, sem prejuízo de uma tentativa de alteração do mesmo efectuada pela Proposta de Lei n.º 38/XII, de 08 de Agosto de 2011, e a qual referia, na sua exposição de motivos, que “Este enquadramento demonstra que os ajudantes familiares se encontram claramente nas condições do artigo 12º do Código de Trabalho (Presunção de Contrato), pelo que são falsos trabalhadores independentes e, logo, têm direito a um contrato de trabalho nos termos da lei”. (Vide www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=36401).
Procurou-se assim alterar o DL n.º 141/89, de 28 de Abril, por forma a incluir a previsão expressa, em sede legislativa, da inclusão da actividade de ajudante familiar no âmbito de uma relação laboral, apagando as menções dele existentes referentes a contratos de prestação de serviços.
Saliente-se que tal alteração foi rejeitada na generalidade (Vide DAR, 1.ª Série, n.º 11/XII/2, de 13 de Outubro de 2013, pág. 33).
Por sua vez, e a nível de direito comparado, é de referir que, em Espanha, a “Ley 39/2006, de 14 de diciembre, de Promoción de la Autonomia Personal y Atención a las Personas en Situatión de Dependencia”, cria um sistema para a autonomia e atenção à dependência correspondendo a uma acção conjunta e coordenada entre a Administração Central do Estado e as Comunidades Autónomas, abrangendo todas as áreas que afectam todas as pessoas em situação de dependência (Vide Parecer da X Comissão de Segurança Social e Trabalho e respectiva nota técnica de 10 de Outubro de 2012, in www.parlamento.pt).
As relações laborais dos trabalhadores por conta de outrem de ajuda ao domicílio são reguladas pelo “Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de marzo”, e pelo “V Convenio colectivo marco estatal de servicios de atención a las personas dependientes y desarrollo de la promoción de la autonomia personal”.
De reter que os trabalhadores de “Ayuda a Domicilio” têm direito a férias, subsídio de férias e de Natal, bem como a todas as prestações, incluindo a protecção nas diversas eventualidades previstas para os trabalhadores por conta de outrem.
Por sua vez, e em França, prevê o “Code de L’ Action Sociale et des Familles” um conjunto de normas que prevêem um conjunto de regras de apoio e assistência aos ajudantes familiares (Article L-114-1, 114-1-1, 1111-6), assim como ajudas financeiras aos mesmos (Article L245-12, L541-1, L-541-4), regras estas que se aproximam das regras previstas para o contrato de trabalho por conta de outrem (Vide www.unaf.fr/ e supra mencionado Parecer).
Em Itália, a figura do ajudante familiar reveste várias formas, entre as quais a de “bandante”, que é uma tipologia de empregada doméstica e que desenvolve trabalhos sobretudo de assistência a idosos em “full time”. A figura do ajudante doméstico é assim reconduzível a toda uma série de trabalhadores domésticos e que têm a sua situação jurídica estatuída em contrato colectivo nacional de trabalho em vigor desde Março de 2007 (Vide supra mencionado Parecer).
Desta síntese constata-se que, pelo menos a nível da legislação em vigor nos países referidos, não se retira ou exclui o exercício da actividade de ajudante familiar do âmbito das relações laborais.
Por sua vez, não é despiciendo relembrar que a questão da conformidade do art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional no âmbito do processo 769/2000, o qual deu origem ao Acórdão n.º 237/01 (Vide http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20010237.html).
Tal Acórdão, proferido na sequência de um recurso interposto de um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu julgar inconstitucional, por violação da al. b) do n.º 1 do art. 168.º da versão da Lei Fundamental decorrente da Lei de Revisão Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, a norma constante do n.º 2 do art.º 10.º do DL n.º 141/89 de 28 de Abril (actual art. 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa), na interpretação segundo a qual dela decorre a possibilidade conferida às instituições de suporte de cessar em qualquer altura os contratos celebrados com os denominados “ajudantes familiares” – qualificados como contratos de trabalho – e, por isso, não respeitando os limites e número máximo de renovações impostos pela legislação reguladora da contratação a termo pelas entidades patronais privadas.
Temos presente igualmente que o Acórdão em referência deixou acentuado que no vertente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade apenas atendeu à subsunção jurídica dos factos havidos como provados, levada a efeito pelo Tribunal a quo, subsunção essa de harmonia com a qual a relação negocial que foi efectuada entre as partes, em face dos elementos demonstrados quanto a tal relação, era de perspectivar como uma relação laboral ou, se se quiser, sujeita uma relação que haveria de ser regida pelo ordenamento jurídico-laboral.
Porém, se é certa a existência de uma premissa pelo qual o Tribunal Constitucional partiu para formar o seu juízo de inconstitucionalidade, também é certa a existência de uma outra premissa a ter em consideração, nomeadamente, a de que, partindo da interpretação efectuada pela decisão sub iudicio – ou seja, que se colocava no caso dos autos uma relação laboral que era regulada, por entre o mais, pela norma ora em apreço – então, foi-se levado a concluir que, tratando-se de normação que, regulando especificamente pelo menos um aspecto da relação laboral (aspecto esse sem dúvida essencial, já que reportado a uma forma de cessação dessa relação jurídica), houve de ser considerado como uma estatuição que perfeitamente se inclui na matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e, consequentemente, a respectiva edição inseriu-se, ao tempo em que ocorreu, na competência exclusiva da Assembleia da República, ex vi da al. b) do n.º 1 do art. 168.º da versão da Constituição, decorrente da Lei de Revisão Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro (Vide, sobre o que se deve incluir naquela alínea, Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2ª edição, 2º volume, 199).
Mais teve em atenção que o DL n.º 141/89, de 28 de Abril, foi editado pelo Governo no exercício da sua competência legislativa concorrente com a Assembleia da República e sem que se mostre que o órgão parlamentar tivesse concedido àqueloutro órgão executivo autorização para o editar.
Note-se que a Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, a que se faz referência no preâmbulo do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, reporta-se apenas à Lei de Bases da Segurança Social e não correspondendo tal diploma a qualquer autorização legislativa por parte da Assembleia da República com vista à restrição de eventuais direitos dos trabalhadores.
Assim e chegados a este ponto, há que constatar que a interpretação do exposto no art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, e a qual impõe o entendimento que tal dispositivo legal qualifica, como obrigatória, todas as relações entre os chamados ajudantes familiares e as instituições de suporte como contratos de prestação de serviços, excluindo assim, por lei, tais relações – mesmo que sujeitas a subordinação jurídica ou traduzidas no exercício de uma actividade – do âmbito da relação laboral, imporá também o entendimento que tal normativo exclui então um conjunto determinado de profissionais apenas face ao exercício da sua actividade da protecção dada pelo art. 53.º da Constituição da República Portuguesa, e o qual consagra o princípio da segurança no emprego ao prever que “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”.
Decidir quais as actividades profissionais que podem ser ou não incluídas no âmbito da relação laboral, excluindo certas e determinadas actividades face à sua natureza específica da protecção da lei do trabalho, é uma tarefa constitucionalmente possível mas desde que, o seja feita pela Assembleia da República ou pelo Governo, ao abrigo de uma lei de autorização legislativa, pois que tais matérias fazem parte da reserva relativa da Assembleia da República [cfr. art. 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa].
No caso concreto, constata-se que o art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, foi editado pelo Governo sem precedência de uma lei de autorização legislativa, pelo que nada mais resta senão concluir pela recusa da aplicação do normativo em referência quando interpretado no sentido em que o mesmo exclui, de forma obrigatória, do âmbito da relação laboral, toda a actividade exercida pelos ajudantes familiares face às instituições de suporte, em virtude da violação do art. 165.º, n.º 1, al. b), da Lei Fundamental, tudo nos termos e para os efeitos do exposto no art. 204.º da mesma.
Aliás, só uma interpretação distinta da mencionada supra, nomeadamente, a que perspectiva o art. 10.º, n.º 2, do DL n.º 141/89, de 28 de Abril, enquanto norma interpretativa e a qual não prejudica a inserção da actividade de ajudante familiar e sua relação com as instituições de suporte, desde que verificados os respectivos pressupostos de subordinação jurídica ou prestação de actividade, no âmbito laboral, é que nos permite aceitar que esta, assim como o diploma no qual está inserido, tenha sido aprovada, promulgada e publicada sem a precedência de uma lei de autorização legislativa.
E conclusão,
Não se pode assumir que o legislador é profícuo na elaboração de diplomas que padecem de inconstitucionalidades orgânicas. Pelo contrário, devemos assumir que o legislador, consciente do sentido que quis atribuir à norma em questão, entendeu que esta, assim como todo o diploma, não excluía qualquer actividade do âmbito da lei laboral, não restringindo por sua vez os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, nem por sua vez se integrava na reserva absoluta da Assembleia da República, sendo esse raciocínio o mais consonante com uma interpretação conforme à Constituição, o que, naturalmente se impõe.