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Nuno Lima da Luz, Presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas

“Queremos informar o público sobre os riscos e oportunidades na adoção de criptoativos”

Nesta entrevista à “Vida Judiciária”, Nuno Lima da Luz destaca o importante papel da APBC, para chegar a uma solução quanto à tributação de eventuais ganhos com estes ativos.


Vida Judiciária – Qual é o papel da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas (APBC) na indústria de Block- chain e criptomoedas e que milestones se orgulha a Associação de ter conseguido?
Nuno Lima da Luz –
A APBC foi a primeira associação ligada ao setor a ser criada em Portugal, constituída no início de 2018. Nos últimos quatro anos teve um trabalho notável e incansável na promoção da indústria e do ecossistema, tendo coordenado e participado em inúmeras conferências em Portugal, tendo também efetuado diversos workshops e webinars com vista ao esclarecimento da população relativamente às potencialidades desta nova tecnologia e alertando também para os eventuais perigos que surgem sempre com o advento dessas soluções inovadoras. Celebrou também um protocolo de colaboração com a Cambridge Judge Business School, para desenvolver estudos comparados entre Portugal e Reino Unido.
A APBC teve também um trabalho importante junto de diversas instituições, reguladores e legislador, tendo o anterior presidente participado em diversos seminários e grupos de trabalho onde se discutiu e se procuraram soluções para este tema. A APBC também tem sido uma voz ativa no panorama regulatório em Portugal, tendo participado, por exemplo, na consulta pública do Banco de Portugal relativa ao Aviso n.º 3/2021, que regulamentou o registo de prestadores de serviços com ativos virtuais em Portugal, procurando sempre defender os interesses das empresas do setor.
Mais recentemente, a APBC integrou a Federação de Associações de Criptoeconomia (FACE) e teve também um papel importante na elaboração da proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2023, onde se conseguiu chegar a uma solução ótima (dentro do que era possível) relativamente à tributação dos eventuais ganhos com este tipo de ativos.

VJ – Qual é a sua visão e principais objetivos para o futuro da APBC?
NLL –
A APBC pretende ser um ponto de contacto e de ligação, entre o ecossistema da criptoeconomia e as instituições, quer legislador quer regulação, tendo sempre como fim último o esclarecimento e o auxílio no entendimento da tecnologia por parte de todos. Como é consabido, por motivos variados, a tecnologia avança sempre mais depressa que a legislação e podemos cair no erro de criar entropias desnecessárias ao desenvolvimento de certa indústria se não soubermos olhar para o tema com o devido critério.
Procuramos também, nos próximos quatro anos, continuar a promover a adoção dos criptoativos, informando o público sobre as suas oportunidades e os seus riscos, através de formações, workshops, podcasts e outros instrumentos, estabelecendo uma ligação próxima entre a APBC, os seus associados, parceiros institucionais e/ou entusiastas.
Queremos ser também uma entidade de referência para a comunicação social, enquanto associação que promove o conhecimento na tecnologia, combatendo, deste modo, qualquer tipo de desinformação relacionada com este setor. Infelizmente escreve-se muito sobre o tema com base em soundbytes e sem a devida investigação, pelo que é essencial esclarecer de antemão com quem sabe e domina os temas antes de difundir ou propalar inverdades que possam denegrir desnecessariamente o setor.
Num último ponto procuramos também defender os interesses dos utilizadores de Blockchain e criptoativos, bem como das empresas do setor, intervindo em qualquer iniciativa legislativa e regulamentar, junto dos órgãos governamentais nacionais e junto das associações europeias que interagem com as instituições da União Europeia.

VJ – Que métodos e meios utiliza a APBC para promover o interesse público na sensibilização e formação nas áreas de Blockchain e criptomoedas?
NLL –
Os elementos dos orgãos sociais da APBC são recorrentemente solicitados para participar em conferências, webinars, podcasts, bem como em orgãos de comunicação social, por forma a poder dar o seu contributo no esclarecimento da população relativamente a estas áreas. Contamos, a breve trecho, preparar uma série de iniciativas que permitam também informar as pessoas sobre a necessidade do investimento em literacia digital e financeira, de modo a mitigar muitas situações nefastas que ainda vemos ocorrer, e nos são reportadas, quase diariamente. Aproveitamos este forum para reiterar que todo e qualquer setor de atividade que seja apto a gerar algum tipo de rendimento é sempre apetecível por burlões e criminosos, que tiram partido do desconhecimento alheio para obterem para si algum lucro indevido à custa de terceiros mais incautos. Isto acontece em criptoeconomia, como acontece também com plataformas de venda de bens usados, como acontece em inúmeras outras áreas. É importante que todos entendam os potenciais da tecnologia mas também que a saibam usar da melhor forma.

VJ – Que benefícios e vantagens traz a colaboração das diferentes associações na Federação de Associações de Criptoeconomia (FACE), em comparação com a atividades das suas associadas?
NLL –
O ecossistema português é relativamente pequeno, todos nos conhecemos de uma maneira ou de outra. Quando surgiu o tema da possibilidade de se legislar especificamente sobre a tributação de operações com criptoativos, com alguma naturalidade as três associações se coordenaram e juntaram por forma a ter uma voz única e mais assertiva, de contacto com o legislador, para a defesa do setor. Penso que essa união foi bastante mais produtiva na defesa de todos os associados de cada uma das associações, na medida em que o trabalho foi coordenado e executado conjuntamente, juntando as mais valias intrínsecas de cada uma das associações. Uma das situações claras em que o todo foi maior que a soma das partes. Esta abordagem holística permitiu maior agilidade e celeridade no processo de diálogo com o Governo, relativamente a este tema concreto da tributação. Ainda está por discutir o futuro da FACE, enquanto entidade criada de modo bastante orgânico, para futuras defesas do setor. As associações, com prossecuções e massas associativas algo distintas, continuarão naturalmente o seu trabalho.

VJ – A APBC está disponível para cooperar com as autoridades de supervisão nacionais e com o regulador no desenvolvimento de soluções legais e regulatórias satisfatórias? Que expectativas tem a Associação?
NLL –
 A APBC está sempre disponível para essa cooperação, é, aliás, um dos seus objetivos máximos e até estatutários. Com a chegada do Regulamento Europeu dos Mercados em Criptoativos será necessária uma coordenação nacional para a elaboraçao de uma eventual lei de execução que aprimore ou se relacione com a legislação interna. Ainda que seja de aplicação automática em todos os Estados-Membros, o Regulamento trás uma série de novos entendimentos que terão necessariamente de ser adaptados no quadro jurídico português e, como tal, estando a APBC dotada de quadros técnicos especializados no tema, será um parceiro natural para que possa servir de ponto de contacto nessas discussões.

VJ – Em que medida é que a blockchain pode revolucionar a atividade dos advogados e os serviços que prestam?
NLL – 
A fiabilidade, imutabilidade, acessibilidade, integridade e automação que a tecnologia Blockchain garante traz certamente inúmeras inovações e benefícios à atividade jurídica. Pensamos por exemplo na revolução que pode existir ao nível de registos públicos e a consequente tokenização de qualquer tipo de ativo ou bens, permitindo também a transmissão de direitos de propriedade entre partes de modo verificável e seguro. Com o advento da tecnologia será necessária uma transição do advogado tradicional para um advogado-programador, que coloque em código aquilo que já é hoje feito em contratos tradicionais, e que saiba interpretar o código que sustenta uma qualquer aplicação descentralizada. Nick Szabo já falava em 1997 em smart legal contracts, ou seja, acordos que se auto-executam mediante a verificação de determinadas circunstâncias. Hoje em dia é uma realidade, e os advogados terão certamente um papel importante, não só na promoção da sua utilização, como também no próprio desenho e concepção dessas novas formas contratuais. Haverá, certamente, a necessidade de esclarecer o alcance e os limites destas novas formas contratuais no atual quadro legal em vigor. Existe, pois, uma crescente necessidade e procura em advogados que consigam aliar o conhecimento técnico, substancial, sobre a tecnologia e os seus potenciais com a sua aplicablidade jurídica.

VJ – Quais são os temas/questões mais críticos na área de criptoativos e Blockchain que necessitam de ser regulamentados?
NLL – 
Com a entrada em vigor do Regulamento MiCA vamos passar a ter, pelo menos na União Europeia, um conjunto de normas relativamente a certas atividades com criptoativos que permitirão garantir maior segurança aos consumidores, quer de retalho quer institucionais.
No entanto alguns temas ficarão, para já, de fora desse regime legal como por exemplo a qualificação jurídica dos non-fungible tokens e do modo como estes se relacionam com os ativos subjacentes que possam representar; questões de finança descentralizada (DeFI), onde se inclui staking, lending, automated market making, yield farming e uma série de outros instrumentos.
Outro tema que merece particular atenção do legislador nacional é a possibilidade de tokenização de ativos e utilização de smart contracts para diversos tipos de negócios até agora vedados na contratação eletrónica, como por exemplo negócios jurídicos reais imobiliários.Tendo em conta as inovações trazidas pela tecnologia Blockchain a nível da troca de valor ou representações de propriedade de determinados bens, talvez fosse útil revisitar e repensar o quadro regulatório nacional e entender de que forma se pode criar condições para uma aplicação plena da tecnologia.
Assumimos, ainda assim, que seja bastante complicado regular uma tecnologia tão inovadora, que permite alterar por completo o paradigma das trocas de valor a uma escala verdadeiramente global. Pense-se, por exemplo, no modo como a internet, enquanto layer tecnológico, se foi auto-regulando desde a sua disponibilização ao público no início dos anos 90. Blockchain acaba por ser mais um layer tecnológico que corre por cima de uma plataforma que já é globalmente distribuída e sem barreiras geográficas, que é a internet.

VJ – Espera-se que o MICA funcione como meio de atração de investimento estrangeiro para a União Europeia ou, pelo contrário, favorecerá a migração de empresas (prestadoras de serviços) em ativos virtuais para fora da UE?
NLL –
 Consideramos que o Regulamento MiCA será certamente um marco importante para a criação de um level playing field, não só a nível europeu como a nível mundial, fruto do chamado Efeito Bruxelas. A UE ganhará certamente a outras jurisdições na atração de players instuticionais que promovem de um modo mais sustentado a utilização da tecnologia Blockchain. Portugal podia e devia ter um papel mais activo, legislando atempandamente um regime transitório que permitisse às empresas registarem-se como prestadores de serviços com criptoativos de forma ágil, aproveitando também as recentes alterações a nível fiscal, e mantendo-se como um destino atrativo em termos de criptoeconomia.

VJ – Qual é a vossa perspetiva sobre os “recentes” debates relativos à harmonização da tributação sobre ativos virtuais a nível da União Europeia?
NLL –
 Das discussões que têm existido na Comissão Europeia, a proposta de uma harmonização ainda é algo muito incipiente e só estaria prevista para vigorar em 2027. 5 anos neste mundo dos criptoativos são uma eternidade. Muitos stakeholders têm solicitado uma abordagem holística na União Europeia do ponto de vista fiscal, dadas as significativas disparidades entre Estados-Membros e a imprevisibilidade que isso gera em quem quer operar numa lógica internacional. Temos algumas dúvidas sobre a praticabilidade de uma abordagem fiscal única, mas poderá ser um caminho a explorar certamente, se feito com um entendimento bastante claro da tecnologia subjacente e dos problemas operacionais que isso possa acarretar em termos declarativos para os contribuintes.

VJ – Qual a mensagem mais inspiradora e significativa da web summit deste ano, no que respeita aos webinares referentes ao universo dos ativos virtuais, Blockchain, NFTs, Web3 e DeFi?
NLL –
A mensagem que, na nossa opinião, mais importa frisar é que numa altura em que alguma incerteza económica paira sobre o mundo existe um maior foco no desenvolvimento sustentado da indústria. Permite às empresas que operam nestas áreas desenvolver os seus produtos e serviços sem a pressão dos resultados rápidos, permitindo também que haja maior foco nas soluções que realmente importam e têm caminho para andar no longo prazo. Ganha-se também tempo para pensar de modo mais cauteloso nas eventuais necessidades regulatórias, sem necessidade de aplicar “travões” à inovação que possam não estar consusbstanciandos num entendimento pleno da tecnologia.


07/02/2023
 
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