Subscrição e realização do capital social
O conceito de sociedades comerciais encontra-se previsto no artigo 2º do Código das Sociedades Comerciais (CSC): “… são sociedades comerciais aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem o tipo de sociedade em nome coletivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por ações…”.
As sociedades por quotas são uma das formas de estabelecimento mais comum, eventualmente face à responsabilidade limitada dos sócios, em regra, só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade.
No que se refere à personalidade, estabelece o artigo 5º CSC: “… as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras…”. A importância do registo para efeitos de constituição legal da sociedade.
As sociedades comerciais são sujeitos de direitos e obrigações, que possuem uma firma, que as identifica, um domicílio (sede) distinto do de qualquer dos seus sócios, estas detêm autonomia patrimonial (possuem um património próprio) atuando através dos seus representantes legais.
A forma e parte do contrato encontra-se prevista no artigo 7º CSC, prevendo esta norma que o contrato de sociedade deve ser reduzido a escrito e as assinaturas dos seus subscritores devem ser reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade.
Relativamente ao capital social, estabelece o artigo 9º do CSC, que enumera os elementos que o contrato de sociedade deve conter:
“… f) O capital social, salvo nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam apenas com a sua indústria;
g) A quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos efetuados por conta de cada quota;
h) Consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro, a descrição destes e a especificação dos respetivos valores;…”
No caso das sociedades por quotas esta informação deve ser complementada com o artigo 199º do CSC.
O artigo 14º refere-se quanto à expressão do capital, determinado que: “… o montante do capital social deve ser sempre e apenas expresso em moeda com curso legal em Portugal…”.
São obrigações dos sócios, conforme o disposto no artigo 20º do CSC: “… entrar para a sociedade com bens suscetíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja permitido, com indústria; (…) quinhoar nas perdas, salvo o disposto quanto a sócios de indústria…”
Feito este breve percurso pelas disposições legais previstas no Código das Sociedades Comerciais, pelos quais chegamos ao facto de os sócios serem detentores de uma participação social, quota esta que representa o capital social da sociedade importa analisar o procedimento contabilístico dos diferentes momentos relativos ao capital.
Na constituição de uma sociedade o capital social passa por duas fases ou dois momentos: a subscrição e a realização. Tais fases, a subscrição e a realização, verificam-se também no caso de um aumento de capital social.
Aquando da celebração do contrato de sociedade, os sócios subscrevem determinado capital social. Basicamente é o momento em que se comprometem a entregar essa quantia, seja esta monetária ou em espécie. Tais montantes correspondem ao capital social com que a sociedade irá iniciar a sua atividade.
A obrigação de entrada dos sócios configura o valor de subscrição das partes de capital.
O artigo 25º do CSC estabelece, no seu n.º 1, que “… o valor nominal da parte, da quota (…) atribuída a um sócio no contrato de sociedade não pode exceder o valor da sua entrada, como tal se considerando ou a respetiva importância em dinheiro ou o valor atribuído aos bens no relatório do revisor oficial de contas, exigido pelo artigo 28.º…”. Ou seja, o valor de entrada corresponde, no mínimo, ao valor nominal do capital subscrito.
No entanto, o valor de subscrição pode ser superior ao valor nominal da quota, cenário de que pode resultar a existência de um prémio de subscrição ou emissão. Embora esta situação seja mais comum nos aumentos de capital, face ao valor de balanço (contabilístico) existente, pode ainda assim ocorrer na constituição da sociedade.
Após a subscrição do capital, os sócios devem proceder à sua realização, isto é, à entrega efetiva dos valores com que se comprometeram aquando da subscrição, ao seu pagamento. A realização do capital é a liberação das quotas.
O capital pode não ser realizado de uma única vez, pode ocorrer a realização parcial num determinado momento sendo estabelecidos prazos para a conclusão da realização do capital social para data(s) posterior(es).
Para o efeito importa considerar o disposto no artigo 26º do CSC, sob a epígrafe “Tempo das entradas”:
“… 1 - As entradas dos sócios devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Sempre que a lei o permita, as entradas podem ser realizadas até ao termo do primeiro exercício económico, a contar da data do registo definitivo do contrato de sociedade.
3 - Nos casos e nos termos em que a lei o permita, os sócios podem estipular contratualmente o diferimento das entradas em dinheiro…”
Como regra, as entradas dos sócios devem ser realizadas com a celebração do contrato, conforme n.º 1 do artigo 26º do CSC. Com a constituição da sociedade deve ser aberta a necessária conta bancária e os sócios devem providenciar as quantias a que se comprometeram, ou proceder à entrega dos bens quando a realização é em espécie.
Não obstante, está prevista a possibilidade de, até final do ano em que ocorreu a subscrição, ser realizado o capital, sem que os sócios entrem em incumprimento.
Especificamente para as sociedades por quotas, prevê o n.º 4 do artigo 202º do CSC que: “… sem prejuízo de estipulação contratual que preveja o diferimento da realização das entradas em dinheiro, os sócios devem declarar no ato constitutivo, sob sua responsabilidade, que já procederam à entrega do valor das suas entradas ou que se comprometem a entregar, até ao final do primeiro exercício económico, as respetivas entradas nos cofres da sociedade…”.
Os sócios que se tenham comprometido no ato constitutivo a realizar as suas entradas até ao final do primeiro exercício económico devem declarar, sob sua responsabilidade, na primeira assembleia geral anual da sociedade posterior ao fim de tal prazo, que já procederam à entrega do respetivo valor nos cofres da sociedade, conforme n.º 6 do artigo 202º do CSC.
Acresce que o artigo 26º do CSC prevê ainda no seu n.º 3 que os sócios possam estipular contratualmente o diferimento das entradas em dinheiro. Sendo tal disposição legal complementada com artigo 203º do CSC, que estabelece: “… o pagamento das entradas diferidas tem de ser efetuado em datas certas ou ficar dependente de factos certos e determinados, podendo, em qualquer caso, a prestação ser exigida a partir do momento em que se cumpra o período de cinco anos sobre a celebração do contrato, a deliberação do aumento de capital ou se encerre o prazo equivalente a metade da duração da sociedade, se este limite for inferior…”.
Os pagamentos posteriores só podem ser diferidos para datas certas, por um período não superior a cinco anos ou a metade da duração da sociedade, se este limite for inferior, ou ficar dependente de factos certos e determinados.
Em suma:
- A realização do capital ocorre genericamente com a constituição da sociedade.
- Alternativamente, o contrato de sociedade pode estabelecer, para um ou para todos os sócios, que tais entregas ocorrerão até final do ano (do primeiro exercício económico de atividade). A ser este o caso, os sócios devem, na primeira assembleia geral anual da sociedade posterior ao fim de tal prazo, declarar que já procederam à entrega do respetivo valor nos cofres da sociedade.
- Existe ainda uma terceira possibilidade que é o diferimento das entregas, neste caso sendo fixados os momentos (data e valor) em que tal deve ocorrer, num prazo máximo de cinco anos (ou metade da duração da sociedade se inferior).
O contrato de sociedade pode estabelecer penalidades para a falta de cumprimento da obrigação de entrada, assim o determina o n.º 3 do artigo 27º do CSC. A única forma de compensação prevista para este incumprimento do sócio consta no n.º 4 do artigo 27º do CSC, que determina que: “… os lucros correspondentes a partes, quotas ou ações não liberadas não podem ser pagos aos sócios que se encontrem em mora, mas devem ser-lhes creditados para compensação da dívida de entrada, sem prejuízo da execução, nos termos gerais ou especiais, do crédito da sociedade…”.
O sócio que não tenha efetuado a prestação de entrada na data em que devia fazê-la designa-se por sócio retardatário, embora só entre em mora depois de interpelado pela sociedade para efetuar o pagamento. Se o sócio não efetuar, no prazo fixado na interpelação, a prestação a que está obrigado, deve a sociedade avisá-lo por carta registada de que, a partir do 30.º dia seguinte à receção da carta, fica sujeito a exclusão e a perda total ou parcial da quota, conforme n.º 1 do artigo 204º do CSC. Deliberando a sociedade excluir o sócio, deve comunicar-lhe, por carta registada, a sua exclusão, com a consequente perda a favor da sociedade da respetiva quota e pagamentos já realizados, salvo se os sócios, por sua iniciativa ou a pedido do sócio remisso, deliberarem limitar a perda à parte da quota correspondente à prestação não efetuada.
Quando a realização do capital ocorre em espécie deve observar-se o disposto no artigo 28º do CSC. Resulta do n.º 1 desta disposição legal que: “… as entradas em bens diferentes de dinheiro devem ser objeto de um relatório elaborado por um revisor oficial de contas sem interesses na sociedade, designado por deliberação dos sócios na qual estão impedidos de votar os sócios que efetuam as entradas…”.
O relatório do revisor deve, pelo menos descrever os bens, identificar os seus titulares, avaliar os bens, indicando os critérios utilizados para a avaliação. Deve também declarar se os valores encontrados atingem ou não o valor nominal da parte, quota ou ações atribuídas aos sócios que efetuaram tais entradas, acrescido dos prémios de emissão, se for caso disso, ou a contrapartida a pagar pela sociedade. No caso de ações sem valor nominal, declarar se os valores encontrados atingem ou não o montante do capital social correspondentemente emitido.
O relatório deve reportar-se a uma data não anterior em 90 dias à do contrato de sociedade, mas o seu autor deve informar os fundadores da sociedade de alterações relevantes de valores, ocorridas durante aquele período, de que tenha conhecimento.
Movimentos contabilísticos
Importa atender ao previsto nos parágrafos 17 da Norma Contabilística para Microentidades e da Norma Contabilística e de Relato Financeiro para Pequenas Entidades, assim como para as restantes entidades a Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 27 – Instrumentos financeiros.
As contas a considerar para a subscrição e realização do capital nas sociedades por quotas serão:
262x – Acionistas/ sócios – Quotas não liberadas – Sócio x
51x – Capital subscrito - Sócio x
Em termos contabilísticos, o capital social será evidenciado através da conta 51 – Capital subscrito. Por sua vez, será com a leitura do saldo da conta 262, que, numa sociedade por quotas, compreendemos se o capital se encontra, ou não, totalmente realizado.
Vamos considerar diversos exemplos que abranjam a variedade de situações que ocorrem ao nível da subscrição e realização do capital social.
EXEMPLOS:
1) Realização em dinheiro
A sociedade XYZ, Lda., foi constituída em junho de 2023 com um capital social de € 4.000,00 detido em partes iguais pelos sócios António e Manuel. Os sócios procederam de imediato à realização integral do capital subscrito através de depósito bancário.
Neste caso estamos perante uma subscrição sem prémio de subscrição, que ocorre quando o valor de subscrição (Vs) é igual ao valor nominal (Vn) ou ao valor de emissão (Ve) das partes de capital - Vs = Vn ou Ve.
2) Realização parcial
A sociedade JTF, Lda., foi constituída em junho de 2023 com um capital social de € 7.000,00 detido em partes iguais pelos sócios João e Fernando. Os sócios procederam à realização do capital no montante de 1.500,00 cada uma, pretendendo proceder à entrega do restante valor até final do ano.
A conta 51 representa o capital social da sociedade, por sua vez, o saldo das contas 262 evidencia o valor em dívida do sócio, isto é, o montante do capital não realizado.
3) Realização em espécie (máquina)
A sociedade WKZ, Lda., foi constituída em junho de 2023 com um capital social de € 20.000,00 detido em partes iguais pelos sócios Alexandre e Miguel. Os sócios procederam de imediato à realização integral do capital subscrito, o sócio Alexandre através de depósito bancário, o sócio Miguel através da entrega de uma máquina, este procedimento foi objeto de certificação por um revisor oficial de contas.
Neste caso estamos perante uma subscrição sem prémio de subscrição, que ocorre quando o valor de subscrição (Vs) é igual ao valor nominal (Vn) ou ao valor de emissão (Ve) das partes de capital - Vs = Vn ou Ve.
4) Subscrição com prémio de emissão – realização em dinheiro
A sociedade FGB, Lda., constituída em junho de 2023 com um capital social de € 50.000,00 detido em partes iguais pelos sócios Francisco e Gabriel. Perante os investimentos que pretendem de imediato efetuar, os sócios decidem realizar € 70.000,00, considerando assim a existência de um prémio de emissão de € 20.000,00.
Neste caso estamos perante uma subscrição com prémio de subscrição, que ocorre quando o valor de subscrição (Vs) é superior ao valor nominal (Vn) ou ao valor de emissão (Ve) das partes de capital - Vs = Vn ou Ve.
Este procedimento é mais habitual aquando dos aumentos de capital atendendo ao valor contabilístico/ de balanço ser superior ao valor nominal das quotas nesse momento. Contudo também poderá existir aquando da constituição da sociedade. Não sendo a totalidade da quantia entregue pelo sócio afeta a capital social, a diferença configura um prémio de emissão (ou prémio de subscrição). Esta decisão pode resultar de questões estratégicas de conjugação com as intenções económicas e financeiras existentes e o previsto ao nível do Código das Sociedades Comerciais, por exemplo para distribuição de lucros no futuro.
5) Realização em espécie, com existência de empréstimo
A sociedade PKB, Lda., constituída em junho de 2023 com um capital social de € 40.000,00 detido em partes iguais pelos sócios Paulo e Bruno. O sócio Paulo entrega a quantia de € 20.000,00 procedendo ao respetivo depósito bancário, o sócio Bruno entrega uma máquina cujo valor atribuído pelo ROC é de € 30.000,00, ficando acordado que a diferença entre o valor da máquina e o valor nominal do capital social será considerado um empréstimo.
Enquadramento fiscal
As entradas de capital numa sociedade, configuram variações patrimoniais, contudo as mesmas não têm relevância fiscal, uma vez que se encontram previstas nas exceções elencadas no artigo 21º do Código do IRC.
Resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 21º do Código do IRC:
“… 1 - Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:
a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio;…”
Assim, aquando do preenchimento do quadro 07 da Modelo 22, não deve ser refletida tal operação.
Colaboração:
Elsa Marvanejo da Costa
Contabilista Certificada, especialista sobre o imposto sobre o rendimento na Ordem dos Contabilistas Certificados