A contribuição extraordinária sobre os apartamentos em alojamento local (CEAL)
No momento em que o Parlamento se prepara para reanalisar o decreto que contém as medidas do programa “Mais Habitação” faria sentido expurgar do diploma algumas das medidas que apresentam alguns riscos de inconstitucionalidade.
A contribuição extraordinária sobre os apartamentos em alojamento local, da forma como está configurada, poderá vir a ser considerada um tributo unilateral ou imposto.
Tratando-se de um imposto, a sua configuração põe em causa alguns dos limites formais e materiais previstos na Constituição da República Portuguesa.
A implementação da CEAL desacompanhada de efetivas medidas de apoio à conversão do AL em arrendamento representará um ataque desproporcionado ao setor do alojamento local e ao investimento que, de boa-fé, foi feito pelos cidadãos neste importante setor da atividade económica.
Numa conferência de imprensa, em fevereiro deste ano, o Governo anunciava um conjunto de medidas direcionadas a solucionar a crise na habitação, as quais designou por “Mais Habitação”.
Algumas das novidades anunciadas - como arrendamento forçado, fim dos vistos gold e restrições ao alojamento local - causaram algum alarme social e motivaram muita discussão nos meses que se seguiram.
Quanto ao alojamento local, as medidas inicialmente divulgadas previam o impedimento de novas licenças, a caducidade das já existentes, apontada para 2030, e a criação de um novo tributo para quem desenvolve a atividade de alojamento local: a contribuição extraordinária para o alojamento local (CEAL).
Entretanto, a 19 de Julho, o Parlamento aprovou a Proposta de Lei n.º 71/XV/1.ª, com os votos favoráveis do PS, que concretiza essas medidas.
Em 21 de agosto, o Presidente da República devolveu à Assembleia da República o diploma, sem promulgação, expressando sérias dúvidas quanto à credibilidade das medidas. No comunicado da Presidência da República de 20 de agosto (disponível no sítio www.presidencia.pt) pode ler-se que “a complexidade do regime de alojamento local torna duvidoso que permita alcançar com rapidez os efeitos pretendidos” e acrescenta ainda que “apesar das correções no arrendamento forçado e no alojamento local, dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento”.
Diz-se ainda que “tudo somado, nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral”.
A devolução do decreto ao Parlamento configura por parte do Presidente da República um veto político. Caso numa segunda fase, o Parlamento mantenha as linhas mestras do diploma, ainda poderá haver, caso se justifique, uma fiscalização da constitucionalidade, preventiva ou sucessiva, do diploma.
Pese embora o referido comunicado não se pronuncie sobre a constitucionalidade das concretas medidas incluídas no decreto nem incida especificamente sobre a contribuição sobre o alojamento local, centraremos a nossa análise neste tema concreto e sobre a sua eventual desconformidade com a Constituição da República Portuguesa.
A CEAL – o que é?
A contribuição extraordinária sobre os apartamentos em alojamento local1 incide sobre a afetação de imóveis habitacionais a alojamento local, a 31 de dezembro de cada ano civil.
Nos termos da proposta de lei “consideram-se afetos a alojamento local os imóveis habitacionais que integrem uma licença de alojamento local válida”.
Ficarão isentos da CEAL os imóveis habitacionais que não constituam frações autónomas, nem partes ou divisões suscetíveis de utilização independente. Ficam também isentos os estabelecimentos de alojamento local nas modalidades de moradia, quarto e estabelecimentos de hospedagem, salvo se integrados numa fração autónoma. Há ainda uma exclusão dos imóveis localizados nos territórios do interior quando cumpram determinados requisitos previstos na proposta.
Os sujeitos passivos são os titulares da exploração dos estabelecimentos de alojamento local na aceção do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, na sua redação atual. No entanto lê-se na proposta que “os proprietários de imóveis que não sejam titulares da exploração nos quais se desenvolva a exploração de alojamento local são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento da contribuição relativamente aos respetivos imóveis”.
A base tributável da CEAL é constituída pela aplicação do coeficiente económico do alojamento local e do coeficiente de pressão urbanística à área bruta privativa dos imóveis habitacionais, sobre os quais incida a CEAL – coeficientes que a proposta define que não têm em conta o rendimento efetivo gerado em concreto por aquela atividade.
Assim, o titular de um estabelecimento de alojamento local que não tenha tido rendimentos durante grande parte do ano – por ex.º, porque fez obras no seu imóvel – é tributado da mesma forma que o outro titular de AL que tenha tido rendimento constante ao longo do período desde que se apliquem os mesmos coeficientes.
Nos termos da proposta, o coeficiente económico do alojamento local é calculado através do quociente entre o rendimento médio anual por quarto disponível em alojamento local apurado pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P., relativamente ao ano anterior ao facto tributário e a área bruta mínima de um fogo habitacional de tipologia T1, nos termos previstos no artigo 67.º no Regulamento Geral das Edificações Urbanas.
Por sua vez, o coeficiente de pressão urbanística é calculado, para cada zona, através do quociente entre a variação positiva da renda de referência por m2, na zona do estabelecimento de alojamento local, entre 2015 e o ano anterior ao facto tributário e a variação positiva da renda de referência por m2, apurada nos termos da alínea anterior, na zona em que tal variação seja mais elevada a nível nacional.
No que respeita à taxa aplicável, começou por anunciar-se uma taxa de 35% que depois passou para 20% e acabou por ser fixada em 15%2, fruto da enorme contestação que a sua criação causou no setor do alojamento local.
Assim, a par dos impostos que já incidem sobre os rendimentos emergentes desta atividade, como qualquer outra, o Governo apresentou esta contribuição extraordinária, justificando-a como um incentivo para que quem é titular de um estabelecimento de alojamento local desista desta sua atividade e opte pela colocação da sua fração no mercado de arrendamento habitacional. Cumpre referir que, apesar da justificação apresentada, certo é que não consta das medidas previstas na proposta de lei qualquer incentivo concreto ao arrendamento habitacional.
Veremos em seguida algumas das questões colocadas por esta nova figura tributária.
Da duvidosa constitucionalidade da CEAL
A natureza jurídica das contribuições é um tema que tem dividido a doutrina3 e a jurisprudência4.
Para o Professor Casalta Nabais os tributos dividem-se em unilaterais (que incluem os impostos) ou bilaterais (que incluem as taxas e as contribuições bilaterais)5. Por sua vez estas não se confundem com as contribuições especiais previstas no n.º 3 do art.º 4.º da Lei Geral Tributária (e que são consideradas impostos): contribuições de melhoria e contribuições pelo maior desgaste ocasionado.
Sempre que uma contribuição não tem contrapartida ou natureza bilateral, estamos perante um imposto. Como afirma Filipe de Vasconcelos Fernandes “a jurisprudência do TC foi alargando a noção constitucional de imposto e, consequentemente, o alcance da reserva de lei parlamentar, a todos os tributos que não poderiam rigorosamente qualificar-se como taxas”6.
Se a contribuição extraordinária vier a serconsiderada um imposto ou tributo unilateral deve obedecer a requisitos de natureza formal e substancial.
Quanto à sua criação, só poderá ser aprovada por lei da AR ou decreto-lei autorizado do Governo e estes deverão fixar os seus elementos essenciais (princípio da legalidade fiscal).
Quanto ao seu conteúdo, desde logo não poderá pôr em causa o princípio da unicidade do imposto sobre o rendimento pessoal, previsto no art.º 104.º, 1 da Constituição da República Portuguesa. A CEAL, ao incidir sobre rendimentos já tributados em sede de IRS poderá constituir um segundo imposto sobre o rendimento que pagam os cidadãos que se dedicam à atividade de alojamento local (que já têm tratamento diferencial em relação a outros empresários com rendimentos imobiliários em temas como o IRS, IVA ou a Segurança Social).
Uma segunda crítica de natureza substantiva prende-se com o princípio da capacidade contributiva. Da forma como a CEAL está desenhada e tendo em conta o seu caráter objetivo, poderemos tributar os cidadãos sem ter em conta o seu efetivo rendimento – o que poderá também colidir com o princípio da tributação das empresas pelo lucro real, que se aplica também em IRS aos rendimentos de natureza empresarial – categoria B. Em bom rigor, um empresário que tenha prejuízo num determinado exercício não fica isento do pagamento da CEAL.
Da mesma forma, ao prever a responsabilidade subsidiária dos proprietários dos imóveis que não sejam titulares de licença de exploração estamos também a violar os referidos princípios e ainda o princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, a contribuição incide sobre a atividade de alojamento local, mas deixa de fora algumas das respetivas modalidades, não se aplicando ao alojamento local na modalidade de moradia nem de quatro. Além disso, também deixa de fora a atividade de exploração de apartamentos turísticos, por exemplo, ou a atividade de arrendamento a turistas, ou mesmo a atividade de arrendamento quando reveste natureza empresarial – o que poderá pôr em causa princípios como o da igualdade fiscal.
Há ainda críticas relacionadas com a sua eventual aplicação retroativa: o coeficiente de pressão urbanística tem por base a variação positiva da renda de referência por m2 , na zona do estabelecimento de alojamento local, entre 2015 e o ano anterior ao facto tributário. Por outro lado, segundo a proposta, na contribuição a liquidar em 2024, relativa a 31 de dezembro de 2023, são considerados para efeitos da alínea a) do artigo 6.º os dados do Instituto Nacional de Estatística, I. P. referentes ao ano de 2019.
Assim, um contribuinte pode ser tributado tendo por base factos ocorridos antes da entrada em vigor da CEAL. Se considerarmos a CEAL como um imposto estará em causa o art.º 103.º, 3 da CRP e o princípio da segurança jurídica.
Ainda que se venha a concluir que a CEAL não é um imposto e antes uma contribuição de caráter bilateral (tese a que não aderimos), não deixará de colocar questões de natureza constitucional relativamente a princípios como a proporcionalidade, a proteção da confiança e a boa-fé.
Para além de todas estas críticas de natureza constitucional, a CEAL revela- -se ainda particularmente onerosa ao não vir acompanhada de outras medidas que prevejam um verdadeiro incentivo à afetação dos imóveis ao arrendamento. Desta forma, cidadãos que nos últimos anos fizeram investimento, criaram emprego e ajudaram à retoma económica do país verão a sua atividade condicionada de forma arbitrária e injusta.
________________
1 - O Regime Jurídico dos Estabelecimentos de Alojamento Local encontra-se previsto no DL n.º 128/2014, de 29 de agosto, diploma que até esta data sofreu quatro alterações e segundo o qual os apartamentos são apenas uma das modalidades que tais estabelecimentos podem integrar, a par de outras como a moradia, os estabelecimentos de hospedagem e os quartos (vide artigo 3.º).
2 - Artigo 9.º do Anexo a que se refere o artigo 30.º da Proposta de Lei n.º 71/XV (Gov), o qual veio a ser aprovado na especialidade e na votação final global que teve lugar na Assembleia da República, em 19 de julho último.
3 - Onde se destacam Casalta Nabais, Suzana Tavares da Silva, Filipe de Vasconcelos Fernandes, Sérgio Vasques e Ana Paula Dourado.
4 - Ver, por ex.º, Ac. TC n.º 135/2012, TC n.º 187/2013, TC n.º 285/21.
5 - A falsa natureza de imposto ambiental da ECOTAXA”, RLJ, ano 152, n.º 4040, maio/junho 2023.
6 - As “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” e a jurisprudência do Tribunal Constitucional, AAFDL, 2022, pág. 38.
Tratando-se de um imposto, a sua configuração põe em causa alguns dos limites formais e materiais previstos na Constituição da República Portuguesa.
A implementação da CEAL desacompanhada de efetivas medidas de apoio à conversão do AL em arrendamento representará um ataque desproporcionado ao setor do alojamento local e ao investimento que, de boa-fé, foi feito pelos cidadãos neste importante setor da atividade económica.
Numa conferência de imprensa, em fevereiro deste ano, o Governo anunciava um conjunto de medidas direcionadas a solucionar a crise na habitação, as quais designou por “Mais Habitação”.
Algumas das novidades anunciadas - como arrendamento forçado, fim dos vistos gold e restrições ao alojamento local - causaram algum alarme social e motivaram muita discussão nos meses que se seguiram.
Quanto ao alojamento local, as medidas inicialmente divulgadas previam o impedimento de novas licenças, a caducidade das já existentes, apontada para 2030, e a criação de um novo tributo para quem desenvolve a atividade de alojamento local: a contribuição extraordinária para o alojamento local (CEAL).
Entretanto, a 19 de Julho, o Parlamento aprovou a Proposta de Lei n.º 71/XV/1.ª, com os votos favoráveis do PS, que concretiza essas medidas.
Em 21 de agosto, o Presidente da República devolveu à Assembleia da República o diploma, sem promulgação, expressando sérias dúvidas quanto à credibilidade das medidas. No comunicado da Presidência da República de 20 de agosto (disponível no sítio www.presidencia.pt) pode ler-se que “a complexidade do regime de alojamento local torna duvidoso que permita alcançar com rapidez os efeitos pretendidos” e acrescenta ainda que “apesar das correções no arrendamento forçado e no alojamento local, dificilmente permite recuperar alguma confiança perdida por parte do investimento privado, sendo certo que o investimento público e social, nele previsto, é contido e lento”.
Diz-se ainda que “tudo somado, nem no arrendamento forçado, nem no alojamento local, nem no envolvimento do Estado, nem no seu apoio às cooperativas, nem nos meios concretos e prazos de atuação, nem na total ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário, o presente diploma é suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo, e, por isso, mobilizador para o desafio a enfrentar por todos os seus imprescindíveis protagonistas – públicos, privados, sociais, e, sobretudo, portugueses em geral”.
A devolução do decreto ao Parlamento configura por parte do Presidente da República um veto político. Caso numa segunda fase, o Parlamento mantenha as linhas mestras do diploma, ainda poderá haver, caso se justifique, uma fiscalização da constitucionalidade, preventiva ou sucessiva, do diploma.
Pese embora o referido comunicado não se pronuncie sobre a constitucionalidade das concretas medidas incluídas no decreto nem incida especificamente sobre a contribuição sobre o alojamento local, centraremos a nossa análise neste tema concreto e sobre a sua eventual desconformidade com a Constituição da República Portuguesa.
A CEAL – o que é?
A contribuição extraordinária sobre os apartamentos em alojamento local1 incide sobre a afetação de imóveis habitacionais a alojamento local, a 31 de dezembro de cada ano civil.
Nos termos da proposta de lei “consideram-se afetos a alojamento local os imóveis habitacionais que integrem uma licença de alojamento local válida”.
Ficarão isentos da CEAL os imóveis habitacionais que não constituam frações autónomas, nem partes ou divisões suscetíveis de utilização independente. Ficam também isentos os estabelecimentos de alojamento local nas modalidades de moradia, quarto e estabelecimentos de hospedagem, salvo se integrados numa fração autónoma. Há ainda uma exclusão dos imóveis localizados nos territórios do interior quando cumpram determinados requisitos previstos na proposta.
Os sujeitos passivos são os titulares da exploração dos estabelecimentos de alojamento local na aceção do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, na sua redação atual. No entanto lê-se na proposta que “os proprietários de imóveis que não sejam titulares da exploração nos quais se desenvolva a exploração de alojamento local são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento da contribuição relativamente aos respetivos imóveis”.
A base tributável da CEAL é constituída pela aplicação do coeficiente económico do alojamento local e do coeficiente de pressão urbanística à área bruta privativa dos imóveis habitacionais, sobre os quais incida a CEAL – coeficientes que a proposta define que não têm em conta o rendimento efetivo gerado em concreto por aquela atividade.
Assim, o titular de um estabelecimento de alojamento local que não tenha tido rendimentos durante grande parte do ano – por ex.º, porque fez obras no seu imóvel – é tributado da mesma forma que o outro titular de AL que tenha tido rendimento constante ao longo do período desde que se apliquem os mesmos coeficientes.
Nos termos da proposta, o coeficiente económico do alojamento local é calculado através do quociente entre o rendimento médio anual por quarto disponível em alojamento local apurado pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P., relativamente ao ano anterior ao facto tributário e a área bruta mínima de um fogo habitacional de tipologia T1, nos termos previstos no artigo 67.º no Regulamento Geral das Edificações Urbanas.
Por sua vez, o coeficiente de pressão urbanística é calculado, para cada zona, através do quociente entre a variação positiva da renda de referência por m2, na zona do estabelecimento de alojamento local, entre 2015 e o ano anterior ao facto tributário e a variação positiva da renda de referência por m2, apurada nos termos da alínea anterior, na zona em que tal variação seja mais elevada a nível nacional.
No que respeita à taxa aplicável, começou por anunciar-se uma taxa de 35% que depois passou para 20% e acabou por ser fixada em 15%2, fruto da enorme contestação que a sua criação causou no setor do alojamento local.
Assim, a par dos impostos que já incidem sobre os rendimentos emergentes desta atividade, como qualquer outra, o Governo apresentou esta contribuição extraordinária, justificando-a como um incentivo para que quem é titular de um estabelecimento de alojamento local desista desta sua atividade e opte pela colocação da sua fração no mercado de arrendamento habitacional. Cumpre referir que, apesar da justificação apresentada, certo é que não consta das medidas previstas na proposta de lei qualquer incentivo concreto ao arrendamento habitacional.
Veremos em seguida algumas das questões colocadas por esta nova figura tributária.
Da duvidosa constitucionalidade da CEAL
A natureza jurídica das contribuições é um tema que tem dividido a doutrina3 e a jurisprudência4.
Para o Professor Casalta Nabais os tributos dividem-se em unilaterais (que incluem os impostos) ou bilaterais (que incluem as taxas e as contribuições bilaterais)5. Por sua vez estas não se confundem com as contribuições especiais previstas no n.º 3 do art.º 4.º da Lei Geral Tributária (e que são consideradas impostos): contribuições de melhoria e contribuições pelo maior desgaste ocasionado.
Sempre que uma contribuição não tem contrapartida ou natureza bilateral, estamos perante um imposto. Como afirma Filipe de Vasconcelos Fernandes “a jurisprudência do TC foi alargando a noção constitucional de imposto e, consequentemente, o alcance da reserva de lei parlamentar, a todos os tributos que não poderiam rigorosamente qualificar-se como taxas”6.
Se a contribuição extraordinária vier a serconsiderada um imposto ou tributo unilateral deve obedecer a requisitos de natureza formal e substancial.
Quanto à sua criação, só poderá ser aprovada por lei da AR ou decreto-lei autorizado do Governo e estes deverão fixar os seus elementos essenciais (princípio da legalidade fiscal).
Quanto ao seu conteúdo, desde logo não poderá pôr em causa o princípio da unicidade do imposto sobre o rendimento pessoal, previsto no art.º 104.º, 1 da Constituição da República Portuguesa. A CEAL, ao incidir sobre rendimentos já tributados em sede de IRS poderá constituir um segundo imposto sobre o rendimento que pagam os cidadãos que se dedicam à atividade de alojamento local (que já têm tratamento diferencial em relação a outros empresários com rendimentos imobiliários em temas como o IRS, IVA ou a Segurança Social).
Uma segunda crítica de natureza substantiva prende-se com o princípio da capacidade contributiva. Da forma como a CEAL está desenhada e tendo em conta o seu caráter objetivo, poderemos tributar os cidadãos sem ter em conta o seu efetivo rendimento – o que poderá também colidir com o princípio da tributação das empresas pelo lucro real, que se aplica também em IRS aos rendimentos de natureza empresarial – categoria B. Em bom rigor, um empresário que tenha prejuízo num determinado exercício não fica isento do pagamento da CEAL.
Da mesma forma, ao prever a responsabilidade subsidiária dos proprietários dos imóveis que não sejam titulares de licença de exploração estamos também a violar os referidos princípios e ainda o princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, a contribuição incide sobre a atividade de alojamento local, mas deixa de fora algumas das respetivas modalidades, não se aplicando ao alojamento local na modalidade de moradia nem de quatro. Além disso, também deixa de fora a atividade de exploração de apartamentos turísticos, por exemplo, ou a atividade de arrendamento a turistas, ou mesmo a atividade de arrendamento quando reveste natureza empresarial – o que poderá pôr em causa princípios como o da igualdade fiscal.
Há ainda críticas relacionadas com a sua eventual aplicação retroativa: o coeficiente de pressão urbanística tem por base a variação positiva da renda de referência por m2 , na zona do estabelecimento de alojamento local, entre 2015 e o ano anterior ao facto tributário. Por outro lado, segundo a proposta, na contribuição a liquidar em 2024, relativa a 31 de dezembro de 2023, são considerados para efeitos da alínea a) do artigo 6.º os dados do Instituto Nacional de Estatística, I. P. referentes ao ano de 2019.
Assim, um contribuinte pode ser tributado tendo por base factos ocorridos antes da entrada em vigor da CEAL. Se considerarmos a CEAL como um imposto estará em causa o art.º 103.º, 3 da CRP e o princípio da segurança jurídica.
Ainda que se venha a concluir que a CEAL não é um imposto e antes uma contribuição de caráter bilateral (tese a que não aderimos), não deixará de colocar questões de natureza constitucional relativamente a princípios como a proporcionalidade, a proteção da confiança e a boa-fé.
Para além de todas estas críticas de natureza constitucional, a CEAL revela- -se ainda particularmente onerosa ao não vir acompanhada de outras medidas que prevejam um verdadeiro incentivo à afetação dos imóveis ao arrendamento. Desta forma, cidadãos que nos últimos anos fizeram investimento, criaram emprego e ajudaram à retoma económica do país verão a sua atividade condicionada de forma arbitrária e injusta.
________________
1 - O Regime Jurídico dos Estabelecimentos de Alojamento Local encontra-se previsto no DL n.º 128/2014, de 29 de agosto, diploma que até esta data sofreu quatro alterações e segundo o qual os apartamentos são apenas uma das modalidades que tais estabelecimentos podem integrar, a par de outras como a moradia, os estabelecimentos de hospedagem e os quartos (vide artigo 3.º).
2 - Artigo 9.º do Anexo a que se refere o artigo 30.º da Proposta de Lei n.º 71/XV (Gov), o qual veio a ser aprovado na especialidade e na votação final global que teve lugar na Assembleia da República, em 19 de julho último.
3 - Onde se destacam Casalta Nabais, Suzana Tavares da Silva, Filipe de Vasconcelos Fernandes, Sérgio Vasques e Ana Paula Dourado.
4 - Ver, por ex.º, Ac. TC n.º 135/2012, TC n.º 187/2013, TC n.º 285/21.
5 - A falsa natureza de imposto ambiental da ECOTAXA”, RLJ, ano 152, n.º 4040, maio/junho 2023.
6 - As “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” e a jurisprudência do Tribunal Constitucional, AAFDL, 2022, pág. 38.