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O reverso da moeda, o reverso da medida

O Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, introduziu no sistema fiscal português um regime especial de tributação aplicável aos Residentes não Habituais (RNH), destinado a contribuintes não residentes que pretendam estabelecer uma residência temporária ou permanente em Portugal. 
O RNH é destinado a um sujeito passivo que se torne residente fiscal em Portugal, de acordo com as regras em vigor em matéria de obtenção da residência e, que não tenha sido residente fiscal em Portugal em nenhum dos cinco anos anteriores àquele em que se pretende aplicar o regime. Uma vez atribuído, este estatuto prevalece por um período de 10 anos consecutivos, não prorrogável.
O regime dos residentes não habituais caracteriza-se essencialmente por dois aspetos: a isenção de tributação dos rendimentos obtidos no estrangeiro, após verificação de determinados requisitos; e, a aplicação de uma taxa fixa de imposto de 20% sobre os rendimentos do trabalho dependente e independente obtidos em território português em atividades de elevado valor acrescentado de natureza científica, artística ou técnica.
Por seu turno, a Lei n.º 82/2023 de 29 de dezembro que aprovou o Orçamento do Estado para 2024 promoveu certas alterações com vista à extinção deste regime, tendo sido revogados os artigos que mencionavam o RNH. 
No entanto, foi introduzido simultaneamente, pela referida Lei, uma disposição transitória de modo a salvaguardar os indivíduos que se encontrassem num conjunto de situações específicas, o que permite, nesses casos, que o estatuto de residente não habitual continue a ser aplicável até ao termo do referido prazo de 10 anos consecutivos a contar da data em que o sujeito passivo se tornou residente em território português.
Entre os vários casos abrangidos, destacam-se, por exemplo, os sujeitos passivos ou elementos do seu agregado familiar que, a 31 de dezembro de 2023, reuniam as condições para poderem ser qualificados como residentes fiscais em Portugal ou que, por outro lado, tendo-se apenas tornando residentes até 31 de dezembro de 2024, tenham celebrado promessa de contrato de trabalho, contrato de trabalho ou acordo de destacamento, cujo exercício de funções deva ocorrer em território nacional, até 31 de dezembro de 2023; ou o contrato de arrendamento ou outro contrato que conceda o uso ou a posse de imóvel situado em território português, até 10 de outubro de 2023.
A par e passo, deve assinalar-se que estão também contemplados os casos em que se obteve visto válido de residência ou autorização de residência ou em que o procedimento com vista à sua concessão tenha sido iniciado junto das entidades competentes até 31 de dezembro de 2023.
Contudo, o anterior Governo acabou, de igual modo, por implementar um novo benefício fiscal em sede de IRS, previsto no artigo 58º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais e denominado de Incentivo Fiscal à Investigação Científica e Inovação (IFICI), substituindo assim o RNH.
Grosso modo, este benefício foi criado para os contribuintes que se tornem residentes fiscais em Portugal, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos 5 anos anteriores e que exerçam atividades que se enquadrem nos seguintes casos:
Docência no ensino superior e investigação científica, bem como postos de trabalho e membros de órgãos sociais em entidades reconhecidas como centros de tecnologia e inovação, no âmbito do Decreto-Lei n.º 126-B/2021, de 31 de dezembro;
Postos de trabalho qualificados nos termos do Código Fiscal do Investimento;
Profissões altamente qualificadas definidas em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia;
Postos de trabalho em atividades económicas reconhecidas como relevantes para a economia nacional;
Investigação e desenvolvimento em entidades elegíveis para efeitos do SIFIDE;
Postos de trabalho em start-ups nos termos da Lei n.º 21/2023, de 25 de maio;
Postos de trabalho ou outras atividades desenvolvidas por residentes fiscais nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, a definir por decreto legislativo regional.
Este regime prevê a tributação, em sede de IRS, à taxa especial de 20% dos rendimentos líquidos do trabalho dependente e empresariais e profissionais decorrentes das atividades listadas, pelo período de dez anos consecutivos, bem como isenção sobre rendimentos do trabalho dependente, empresariais e profissionais, de capitais, prediais e mais-valias obtidos no estrangeiro.
As alterações indicadas irão ter um impacto deveras significativo, de tal forma que o Governo prevê que a despesa fiscal alusiva ao RNH, em 2025, irá registar o maior aumento desde que o benefício foi criado, em 2009: apontando-se para um crescimento na despesa a rondar os 500 milhões de euros face ao que estava previsto para o ano de 2024.
Na verdade, é crível afirmar-se que as mais recentes medidas, em especial a referente à extinção do benefício e subsequente aprovação do seu regime transitório, contribuíram em larga medida para um incremento do número de pedidos de inscrição de residentes não habituais, o que, aliás, se compreende, atentas as notórias vantagens que o RNH encerra.
Por outro lado, o IFICI foi uma forma que o Governo encontrou de emendar o problema que se apercebeu que criara com o termo do RNH. Um mal menor, diga-se, porquanto, apesar de tudo, restringiu o acesso ao benefício a um grupo relativamente minoritário de indivíduos. Todavia, o facto é que a sua criação não terá sido alheia à quantidade de pedidos ocorridos desde o fim anunciado do benefício e à perda de receita fiscal potencialmente associada.
Em bom rigor, tanto assim é,que não obstante os contribuintes que beneficiam deste(s) regime(s) estejam sujeitos a uma tributação especial em sede de IRS, o que, virtualmente, implicaria que o Estado prescindisse de arrecadar receitas, é previsível que a receita fiscal suba mais de 36% já no próximo ano de 2025. 
Fica, por isso, algo patente,que a extinção desta medida, determinada maioritariamente por questões extrafiscais, se mostrou algo desfasada e até prejudicial para o próprio país.
Carolina Reis Coelho advogada estagiáriade fiscal da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados , 16/12/2024
 
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