A (não) transição dos contratos de arrendamento para habitação no “Mais Habitação” e a compensação aos senhorios;

A (não) transição dos contratos de arrendamento para habitação no “Mais Habitação” e a compensação aos senhorios

A possibilidade de transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) dos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes da vigência do RAU foi criada em 2012, pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto. Tal possibilidade teve como principal objetivo o de equilibrar o mercado de arrendamento, tentando terminar com as limitações do regime legal em vigor antes do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), sejam as limitações ao nível do valor da renda e suas atualizações, seja o regime legal do próprio contrato de arrendamento. O objetivo era o de fazer jus ao princípio da liberdade contratual, ao respeito pelas relações contratuais como relações de encontro de vontades, afastando as imposições, tantas vezes desajustadas, aos contratos. O procedimento criado tinha início com uma comunicação do senhorio ao arrendatário, na qual aquele dava conhecimento da sua pretensão de fazer transitar o contrato para o NRAU, bem como da sua intenção de atualizar o valor da renda. O mecanismo foi, em prol da segurança jurídica, sofrendo ajustes quanto ao conteúdo das comunicações. Foi também sendo alvo de alterações no que respeita ao período de tempo após o qual o contrato de arrendamento, uma vez verificados todos os pressupostos legais, transitaria para o NRAU. Assim, a Lei n.º 31/2012 começou por indicar que o contrato transitaria para o novo regime ao fim de 5 anos e, em caso de oposição do arrendatário, ao fim de mais 2 anos, ou seja, no total 7 anos. Assim, para quem teria iniciado o procedimento da tentativa de transição para o NRAU e atualização extraordinária do valor da renda, no ano de 2012, a transição poderia ocorrer, em caso de acordo, em 2017 ou, no silêncio do arrendatário ou com a sua oposição, em 2019.
Ora, em 2017, através da Lei n.º 43/2017, de 14 de junho, aquele prazo de 5 anos veio a ser redefinido passando a ser de 8 anos e aquele período de 2 anos passou a ser de 5 anos. Assim, em 2017, passamos a ter uma transição para o NRAU apenas após 8 anos (em vez de 5) e, em caso de silêncio ou oposição do arrendatário, acrescia mais 5 anos, totalizando assim, 13 anos, em vez dos anteriores 7 anos. Considerando um senhorio que terá iniciado o procedimento de tentativa de transição em 2012, o mesmo apenas seria completado em 2019 ou, no silêncio ou falta de acordo do arrendatário, em 2024. Mas eis que em 2020, o período que então era de 8 anos mais 5 anos, voltou a ser alterado através da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, passando a contemplar-se 10 anos (primeiro período - 2022) e 5 anos (no caso de silêncio ou oposição do arrendatário - 2027).
Voltando ao mesmo senhorio que iniciou o procedimento em 2012 e tinha a expectativa que, no limite, veria o contrato de arrendamento transitado para o NRAU em 2019, viu tal expectativa ser prorrogada para 2024 e, posteriormente, para 2027.
Pelo meio, ainda se assistiu a uma suspensão da contagem destes prazos, com a Lei n.º 12/2022, de 27 de junho que aprovou o Orçamento de Estado para 2022, mantendo-se, porém, a possibilidade de atualização da renda.
Finalmente, no ano transato, em 2023, viemos a constatar que, afinal os contratos de arrendamento para habitação, não mais transitarão para o NRAU quando o arrendatário tem um RABC (rendimento anual bruto corrigido) inferior a cinco RMNA (remunerações mínimas nacionais anuais) ou quando tem idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60 /prct.. A Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro veio, assim, a interromper o procedimento de transição para o NRAU dos contratos de arrendamento para habitação, quando os arrendatários reúnem uma das referidas condições (vide artigo 35.º do citado diploma legal). Os senhorios viram, pois, as suas expectativas frustradas e as partes – senhorios e arrendatários – constataram que as várias diligências adotadas durante vários anos, no âmbito do procedimento da tentativa de transição do contrato para o NRAU, terminaram por imposição legal. A solução legislativa não é, como se compreende, isenta de críticas, pelo que a mesma veio acompanhada de uma tentativa de compensação aos senhorios que, de forma repentina, viram interrompido o processo de transição do contrato para o NRAU. Assim, foram logo definidas medidas fiscais, incluindo isenção de IRS e de IMI. Além disso, foram também anunciadas outras contrapartidas, como os montantes e os limites da compensação a atribuir ao senhorio e da renda a fixar para o arrendatário a aplicar a partir de 2024. Estas medidas vieram a ser definidas nos últimos dias do ano de 2023, através do DL n.º 132/2023, de 27 de dezembro. Assim, no que respeita ao limite da renda a fixar para o arrendatário com contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada e vigor do RAU, esta não pode ser superior ao que se encontra definido em 28.12.2023, data da entrada em vigor do diploma (mas não da produção dos seus efeitos, o que só virá a suceder em 1.07.2024), podendo, contudo, ser atualizada nos moldes da atualização legal anual ordinária. Quanto aos montantes e limites da compensação a atribuir aos senhorios, cumpre referir que tal compensação só existe quando o valor da renda mensal seja inferior a 1/15 do valor patrimonial tributário (vpt) do locado, fracionado em 12 meses. Assim, se por hipótese considerarmos um vpt de 70.000,00€, o senhorio apenas terá direito a uma compensação se a renda mensal for inferior a 388,00€. Continuando no campo das hipóteses, se a renda mensal for, por exemplo, de 200,00€, o valor da compensação a atribuir ao senhorio será no valor equivalente à diferença entre o valor da renda e o valor correspondente a 1/15 do vpt do locado, ou seja, será de 138,00€.
A referida compensação é um apoio financeiro não reembolsável, carece de um pedido de atribuição apresentado pelo senhorio ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. (IHRU, I.P.) e é atribuída por um período de 12 meses, renováveis por períodos iguais e sucessivos.
Sem prescindir, cumpre ainda referir que a Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, criou vazios legais pois, ao alterar os números 1 e 2 do artigo 35.º do NRAU e ao revogar os números 3 a 6 da mesma disposição legal, as remissões feitas no âmbito do procedimento de transição do contrato de arrendamento com fins não habitacionais (vide artigo 54.º, n.º 2 e n.º 6, alínea c) do NRAU) para o regime aplicável aos contratos com fins habitacionais, são agora feitas para normas revogadas.
Adivinha-se, assim, que as alterações relacionadas com a transição dos contratos de arrendamento celebrados antes do RAU, levantarão desafios vários ao intérprete e aplicador do direito a cada momento.

Colaboração:
Márcia Passos, Advogada

05/01/2024
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