Trabalhos para a própria empresa;

Trabalhos para a própria empresa

Quando determinada empresa utiliza os seus recursos internos para a construção de um item do ativo fixo tangível (ao invés de adquirir tal item a terceiros), terá que adotar procedimentos contabilísticos específicos para a situação. Neste artigo pretendemos clarificar os registos contabilísticos que devem ser realizados numa situação de trabalhos para a própria empresa.
Por exemplo, uma empresa com a atividade de construção civil que vai construir um imóvel para que este venha a ser a sua sede social. Vamos imaginar que esta empresa adquiriu um terreno para o efeito e utiliza os seus equipamentos e trabalhadores quando não estão afetos a outros projetos em curso, otimizando assim os seus recursos. Procede também à compra de diversos materiais para essa construção, sendo que a obra/ construção irá demorar algum tempo a ser realizada, podendo existir um (ou mais) encerramentos do exercício durante a mesma.
O imóvel construído irá configurar um item do ativo fixo tangível (ex., sede social da sociedade), pelo que teremos que “transformar” os materiais e serviços externos adquiridos, os gastos relativos às horas que os trabalhadores estiveram afetos a esta construção, assim como depreciações das máquinas e demais equipamento utilizados para o efeito num item do ativo fixo tangível, que irá ser depreciado após a sua conclusão e entrada em funcionamento.
Todas estas operações devem ser controladas por folha de obra ou por quaisquer outros registos que permitam quantificar quer materiais, quer horas de trabalho e de uso dos equipamentos, por forma a uma correta mensuração do item (novo ativo que irá surgir).

NCRF 7
Lembramos o conceito de ativo previsto no normativo contabilístico. Ativo é “… um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros…”.
Sendo que ativos fixos tangíveis são itens tangíveis que: “… sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e se espera que sejam usados durante mais do que um período…”.
Acerca do reconhecimento, determina o § 7 da NCRF 7 que “… o custo de um item de ativo fixo tangível deve ser reconhecido como ativo se, e apenas se:
a) for provável que futuros benefícios económicos associados ao item fluam para a entidade; e
b) o custo do item puder ser mensurado fiavelmente…”.
Por sua vez, referimos que um item do ativo fixo tangível que satisfaça as condições de reconhecimento como um ativo deve ser mensurado pelo seu custo.
Para efeitos de mensuração deve ter-se em consideração o disposto no § 17 e seguintes da NCRF 7:
“… 17 - O custo de um item do ativo fixo tangível compreende:
a) O seu preço de compra, incluindo os direitos de importação e os impostos de compra não reembolsáveis, após dedução dos descontos e abatimentos;
b) Quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida; e
c) A estimativa inicial dos custos de desmantelamento e remoção do item e de restauro do local no qual este está localizado, em cuja obrigação uma entidade incorre quando o item é adquirido ou como consequência de ter usado o item durante um determinado período para finalidades diferentes da produção de inventários durante esse período…”
Esta norma contabilística contempla informação específica para ativos construídos pela própria entidade, no seu § 23: “… O custo de um ativo construído pela própria entidade determina-se usando os mesmos princípios quanto a um ativo adquirido. Se uma entidade produzir ativos idênticos para venda no decurso normal das operações empresariais, o custo do ativo é geralmente o mesmo que o custo de construir um ativo para venda (ver NCRF 18). Por isso, quaisquer lucros internos são eliminados para chegar a tais custos. De forma semelhante, o custo de quantias anormais de materiais, de mão-de-obra ou de outros recursos desperdiçados incorridos na autoconstrução de um ativo não é incluído no custo do ativo. A NCRF 10 - Custos de Empréstimos Obtidos estabelece critérios para o reconhecimento do juro como componente da quantia escriturada de um item do ativo fixo tangível construído pela própria entidade…”.

Registos contabilísticos das operações
Feito este percurso em alguns tópicos previstos na NCRF 7 necessários ao tema em análise, destacamos a existência das seguintes contas no Plano de Contas:
45 – Investimentos em curso
453 – Ativos fixos tangíveis em curso
74 – Trabalhos para a própria entidade
741 – Ativos fixos tangíveis
Para o registo contabilístico das operações haverá que distinguir transações adquiridas a terceiros exclusivamente para o investimento em curso, daquelas que resultam da atividade normal do sujeito passivo e cuja imputação ao investimento em curso necessita de informações específicas.
As operações que são realizadas exclusivamente para o investimento em curso podem ser movimentadas diretamente na respetiva subconta do ativo.

A) Compra de materiais ou subcontratação de serviços exclusivamente destinados aos ativo em curso:
Débito: 453 – Investimentos em curso – Ativos fixos tangíveis
Crédito: 221/ 271 – Fornecedores/ Fornecedores de investimentos
Esta informação deve ser facultada ao contabilista, por exemplo, sendo feita tal referência na respetiva fatura.
Consideramos que sempre que à data da operação (da compra) se tem conhecimento da sua afetação ao investimento em curso, deve logo ocorrer a sua capitalização.
Já no que se refere a materiais que foram utilizados pelo sujeito passivo, aos encargos com o pessoal, assim como outros gastos, nomeadamente valores relativos à depreciação dos equipamentos que estiveram afetos ao investimento em curso e que foram registados como gastos do período, importa retirar tais quantias do resultado do período e proceder à sua capitalização (registo no ativo em curso). Vejamos.
Chegamos ao final do exercício, verificamos que:
- Nas subcontas 62x – Fornecimentos e serviços externos, estão registados diversos encargos incorridos no âmbito do investimento em curso (mas cujo destino se desconhecia inicialmente);
- Nas subcontas da 63x – Gastos com o pessoal, estão registados todos os gastos incorridos com os trabalhadores, sendo que estes estiveram temporariamente afetos ao investimento em curso;
- Na subconta 642x – Gastos de depreciação e amortização – Ativos fixos tangíveis, estão registados os gastos totais com as depreciações dos diversos itens do ativo fixo tangível, sendo que alguns destes equipamentos estiveram temporariamente alocados ao investimento em curso;
- Na subconta da 31 – Compras existem itens que foram afetos ao investimento em curso.
Todos estes valores afetam o resultado do período, onde na realidade não são gastos do período, pois respeitam a um ativo – o investimento em curso. O órgão de gestão da entidade deve, por exemplo através de uma folha de obra, controlar e registar as operações que se referem ao ativo em curso.
Deverá possuir o controlo das diversas matérias-primas e outros fornecimentos e serviços que foram afetas a tal investimento (lembramos que estaremos perante operações que aquando da sua aquisição foram registas atendendo à sua natureza, desconhecendo-se no momento da compra que estas iriam ser afetas ao investimento em curso); o controlo das horas dos trabalhadores que foram gastas em tal ativo; assim como o tempo que alguns itens do ativo fixo tangível possam ter estado alocados a tais operações.
No que se refere aos inventários, podem ter existido compras de matérias diretamente registadas ao investimento em curso (como vimos inicialmente), como podem ter existido compras registadas na classe 3, porque nesse momento não era explícita a informação sobre a sua afetação ao investimento em curso. Neste último caso, aquando da informação de tal afetação, deve transferir-se essa quantia:

B) Transferência de inventários para o investimento em curso
Débito: 453 – Ativos fixos tangíveis em curso
Crédito: 38x – Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos
De seguida, através do controlo das horas em que os diversos trabalhadores estiveram afetos ao investimento em curso e das horas/ períodos em que os elementos do ativo fixo tangível (ex., máquinas) estiveram alocados a essa obra, haverá que calcular o valor dos gastos (com o pessoal e depreciações) que estão a influenciar o resultado do período.
Mediante estas informações, o contabilista irá proceder ao registo dos trabalhos para a própria empresa. Após a mensuração das diversas operações, com base na folha de obra, ou quaisquer outros elementos internos que suportem a operação:

C) Registo dos trabalhos para a própria empresa:
Débito: 453 – Ativos fixos tangíveis em curso
Crédito: 741 – Trabalhos para a própria empresa - Ativos fixos tangíveis
Com este lançamento contabilístico, irá ser reposta a verdade ao nível do resultado do período. Através desta técnica contabilística, ao registar-se o rendimento, mais não se faz do que proceder ao balanceamento entre gastos e rendimentos, ou seja, “elimina-se” a perda que estava registada, mas que na realidade não é perda/ gasto, pois está em curso a construção/ produção de um ativo. Em simultâneo com a anulação destas operações do resultado do período, reconhece-se o ativo (balanço).
Em todos os finais de ano (preparação de demonstrações financeiras) durante a construção/ produção de tal item do ativo fixo tangível, deve ser adotado este procedimento.
Quando a sua construção/ produção estiver concluída, então deverá ser transferido para a respetiva rubrica.

D) Transferência para ativo fixo tangível
Débito: 43 – Ativos fixos tangíveis (no nosso exemplo, seria 432 – Edifícios e outras construções)
Crédito: 453 – Ativos fixos tangíveis em curso
A partir daqui configura um item do ativo fixo tangível, nos termos gerais, que irá ser sujeito a depreciações de acordo o seu período de utilidade esperada.
Concluímos reforçando que o pressuposto da utilização desta conta de rendimentos (conta 74 – Trabalhos para a própria empresa) será a anulação dos valores registados nas respetivas contas de gastos (segundo a respetiva natureza) dos diversos elementos imputados à obra, destacando o princípio do balanceamento entre os gastos incorridos e a obtenção de benefícios (o reconhecimento de um ativo).


Colaboração:
Elsa Marvanejo da Costa
Contabilista Certificada, especialista sobre o imposto sobre o rendimento na Ordem dos Contabilistas Certificados


Rosa Ribeiro, 11/05/2023
Partilhar
Comentários 0