Locação de imóvel sem serviços está isenta de imposto;

IVA
Locação de imóvel sem serviços está isenta de imposto

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I – Factos e questão apresentada

1. A Requerente alega ser proprietária do 1º andar da fração autónoma sita na Rua XXX, Nº XXX, na cidade XXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial XXX sob o nº XXX e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º XXX.
2. Nessa qualidade, refere ter dado de arrendamento uma parte do imóvel destinando-o, exclusivamente, ao exercício das atividades correspondentes ao objeto social da arrendatária que descreve como “venda de chocolates e bombons, pastelaria, venda de café e bebidas diversas, venda de produtos gourmet, formação e workshop de chocolates e pastelaria”.
3. Esclarece que, embora o locado tenha licença para funcionar como alojamento local, tem um acesso independente pela Rua XXX e que a locação em causa se trata de um arrendamento das “paredes nuas” sem qualquer outro serviço ou atividade, mas tão só o gozo temporário do espaço do imóvel em troca da correspondente renda.
4. Entende a Requerente que a operação se encontra isenta de IVA nos termos da alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA, considerando que do arrendamento não faz parte a prestação de qualquer serviço ou situação elencada nas alíneas a) a e) da citada alínea 29) e que esse entendimento foi o sufragado pela Autoridade Tributária em pareceres e informações vinculativas anteriores, nomeadamente, através da Informação Vinculativa Nº 15050, por despacho de 2019-09-02 e da Informação Vinculativa Nº 15479, por despacho de 2019-06-06.
5. Solicita que se informe se as rendas cobradas no âmbito do referido contrato de arrendamento se enquadram na isenção a que se refere a alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA.
II – Enquadramento e análise face ao Código do IVA
6. Em sede de IVA, a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade trimestral, pelo exercício da atividade principal de “Alojamento mobilado para turistas” (CAE 55201) e das atividades secundárias de “Outros locais de alojamento de curta duração” (CAE 055204), “Hotéis com restaurante” (CAE 055111) e “Restaurantes com espaço de dança” (CAE 056105).
7. A Requerente declara realizar operações que conferem direito à dedução do imposto, bem como operações que não conferem direito à dedução, constituindo-se como um sujeito passivo misto que utiliza como método de dedução, a afetação real de todos dos bens.
8. A título prévio, considerando que as atividades declaradas pela Requerente não beneficiam de qualquer das isenções previstas no Código do IVA, as operações que efetua no respetivo âmbito são apenas do tipo sujeito a imposto e dele não isento que conferem direito à dedução.
9. Deve, assim, proceder à retificação da informação de cadastro, mediante a apresentação de declaração de alterações, nos termos e forma previstos nos artigos 32.º e 35.º do Código do IVA, ali mencionando, nomeadamente, a realização exclusiva de operações que conferem o direito a dedução.
10. Importa advertir que a Requerente não se encontra registada pela atividade de arrendamento de bens imobiliários pelo que, caso pretenda, efetivamente, exercer essa atividade, deverá, nos termos do artigo 32.º do Código do IVA, proceder à entrega da Declaração de Alterações, acrescentando o exercício da mesma.
11. Se daqui resultar, então, a realização simultânea de operações que conferem direto à dedução e operações que não conferem aquele direito, então constituir-se-á como sujeito passivo misto, devendo indicar o método adotado (pro rata ou afetação real) para determinação do imposto dedutível.
12. Decorre do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, que as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado. E o n.º 1 do artigo 4º do mesmo diploma, estipula um conceito residual de prestações de serviços ao definir que são consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens. Nestes termos, a locação (arrendamento) de bens imóveis é uma operação sujeita a IVA.
13. No que respeita à incidência subjetiva do imposto - saber quem está sujeito -, resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA que são sujeitos passivos de imposto, entre outros, as pessoas coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de prestação de serviços.
14. Assim, no caso em análise, estamos perante uma operação que consubstancia uma prestação de serviços, localizada em território nacional, efetuada a título oneroso, por um sujeito passivo no exercício da sua atividade, pelo que se trata de operação sujeita a IVA.
15. Contudo, este princípio geral de tributação, comporta determinadas derrogações, entre as quais, a prevista na alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA, pelo que importa aferir se a operação em apreço pode beneficiar desta isenção.
16. A citada alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta, salvo nas situações descritas nas respetivas alíneas a) a e).
17. Releva para o caso, esclarecer que esta isenção resultou da transposição para o ordenamento jurídico nacional do disposto na alínea I) do n.º 1 do artigo 135º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro e que, por se tratar de uma derrogação a um princípio geral, deverá ser objeto de uma interpretação estrita.
18. Para efeitos de isenção do imposto, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vem definir o conceito de locação de imóveis como sendo a operação económica em que o proprietário de um imóvel cede ao locatário (prestação de serviços) o direito de ocupar o imóvel e dele excluir outras pessoas contra o pagamento de uma renda (contraprestação) por um prazo convencionado (entre outros acórdãos: MirrorGroup, C-409/98; SinclairCollis, C-275/01; Seeling, C-269/00 e TemcoEurope, C-284/03).
19. Deste modo, considera o TJUE que estamos perante uma locação de bens imóveis quando se verificam os seguintes pressupostos essenciais: (i) o proprietário do imóvel cede a uma pessoa (locatário), (ii) o direito de ocupar este imóvel, dele excluindo as outras pessoas, (iii) por um determinado prazo, (iv) em contrapartida de uma renda.
20. Estas características da locação constituem os seus elementos essenciais, devendo, não só estar presentes na operação económica em análise, mas, para além disso, ser as características predominantes nessa operação económica, mais particularmente, a locação de imóvel, no sentido de uma colocação passiva do imóvel à disposição deve ser a prestação preponderante da operação (Acórdão Lindöpark, C-150/99).
21. Assim, com base na jurisprudência do TJUE considera a Autoridade Tributária e Aduaneira que:
  • a colocação passiva do imóvel à disposição do cliente deve estar ligada ao mero decurso do tempo e não deve gerar valor acrescentado significativo;
  • a colocação passiva do imóvel à disposição do cliente deve ser a operação preponderante em relação às prestações de serviços que lhe estão associadas e que dela não podem ser dissociadas; se puderem ser dissociadas, o tratamento fiscal é efetuado autonomamente; as prestações de serviços de supervisão, de gestão e/ou de manutenção retiram, em regra, o carácter preponderante à locação, e podem, até, descaracterizar a operação como locação por falta de verificação de um dos pressupostos essenciais.
22. Na operação de arrendamento apresentada, verificam-se as características da locação enunciadas no ponto 17, tratando-se de uma mera colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, em contrapartida de uma retribuição (renda) ligada ao mero decurso do tempo, sem ser acompanhada de qualquer equipamento ou serviço que extravase a locação e sem gerar qualquer vantagem acrescida ao locatário, ainda que aí venha a ser exercida uma atividade comercial, na medida em que se trata de uma operação dissociada da aqui em causa.
23. E, face à descrição da Requerente, afigura-se que, objetivamente, se encontram reunidas todas as características de um mero arrendamento - locação do imóvel pura e simples.
24. Nestes termos e neste pressuposto, a operação encontra enquadramento na isenção prevista na alínea 29) do artigo 9.º do Código do IVA, sem prejuízo das exceções aí consagradas.
III – Conclusão
25. A Requerente deve rever o respetivo enquadramento em sede de IVA. Não se encontrando registada pela atividade de arrendamento de bens imobiliários, deverá acrescer esta atividade através da entrega da declaração de alterações nos termos do disposto no artigo 32.º do Código do IVA.
26. Afigura-se que a operação em causa configura uma mera colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, em contrapartida de uma renda, estando ligada ao decurso do tempo, sem gerar valor acrescentado significativo e sem se encontrar acompanhada de equipamentos ou prestações de serviços que extravasem a locação.
27. Assim, por aplicação conjugada do n.º 1 do artigo 4.º e alínea 29) do artigo 9.º, ambos do Código do IVA, a operação apresentada configura uma operação sujeita a IVA, mas dele isenta, não conferindo esta isenção direito à dedução.
Rosa Ribeiro, 31/05/2024
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