Adiantamentos de clientes
Os adiantamentos de clientes por conta de aquisições de bens ou de prestações de serviços são operações que ocorrem no decurso da atividade económica dos diversos agentes, muitas vezes como garantia de bom pagamento. Estas operações estão sujeitas a algumas especificidades, nomeadamente em termos contabilísticos e em sede de IVA, que importa acautelar.
Enquadramento em IVA
Regra geral, o IVA é um imposto em que o facto gerador e a sua exigibilidade são coincidentes e ocorrem, no caso da transmissão de bens, no momento em que os bens são colocados à disposição do adquirente e, nas prestações de serviços, no momento da sua realização, conforme alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7º do Código do IVA:
“… 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o imposto é devido e torna-se exigível:
Nas transmissões de bens, no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente;
b) Nas prestações de serviços, no momento da sua realização;…”
Não obstante, terá que existir articulação entre os artigos 7º e 8º do Código do IVA, prevendo este último o diferimento da exigibilidade do imposto, momento a partir do qual o Estado pode fazer valer o seu direito ao imposto. Assim, o IVA será exigível no momento da emissão da fatura, sempre que esta seja obrigatória, ou para o termo do prazo legal da sua emissão ou, ainda, para o momento do pagamento total ou parcial do preço, se anterior à emissão de fatura e caso não tenha sido ultrapassado o prazo legal de faturação.
Resulta do n.º 1 do artigo 8º do Código do IVA:
“… 1 - Não obstante o disposto no artigo anterior e sem prejuízo do previsto no artigo 2.º do regime do IVA de caixa, sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma fatura nos termos do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível: [Redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro]
a) Se o prazo previsto para a emissão da fatura for respeitado, no momento da sua emissão;
b) Se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina;
c) Se a transmissão de bens ou a prestação de serviços derem lugar ao pagamento, ainda que parcial, anteriormente à emissão da fatura, no momento do recebimento desse pagamento, pelo montante recebido, sem prejuízo do disposto na alínea anterior…”
Concretamente para a situação em análise, de adiantamentos de clientes, importa destacar a antecipação da exigibilidade do imposto para o momento do recebimento do cliente.
O n.º 2 do artigo 8º do Código do IVA reforça esta antecipação da exigibilidade do imposto determinado que a mesma ocorre antes do próprio facto gerador, quando haja lugar à emissão de fatura ou ao pagamento antes da colocação dos bens à disposição do cliente ou da realização do serviço: “… o disposto no número anterior é ainda aplicável aos casos em que se verifique emissão de fatura ou pagamento, precedendo o momento da realização das operações tributáveis, tal como este é definido no artigo anterior…”.
O IVA liquidado pelo recebimento antecipado do cliente deve ser relevado na declaração periódica do período em que se tornou exigível, ou seja, do período em que ocorreu o recebimento (ainda que os bens não tenham sido colocados à disposição ou o serviço tenha sido realizado).
Neste sentido, aquando da emissão da fatura relativa ao adiantamento o sujeito passivo deve proceder à liquidação do IVA. Efetivamente, o recebimento do adiantamento de um cliente é uma operação que se encontra abrangida pela obrigatoriedade de emitir fatura, conforme alínea b) do n.º 1 do artigo 29º do Código do IVA:
“… 1 - Para além da obrigação do pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º devem, sem prejuízo do previsto em disposições especiais:
(…)
b) Emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços;…”
Esta fatura terá que ser emitida aquando do recebimento da respetiva quantia, com efeito, a alínea b) do n.º 1 do artigo 29º do Código do IVA obriga à emissão de uma fatura, cuja data deve coincidir com a data da perceção do respetivo montante, em conformidade com o n.º 1 do artigo 36º do Código do IVA.
Resulta do n.º 1 do artigo 36º do Código do IVA que:
“… 1 - A fatura referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º deve ser emitida:
a) O mais tardar no 5.º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º;
b) O mais tardar no 15.º dia do mês seguinte àquele em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º, no caso das prestações intracomunitárias de serviços que sejam tributáveis no território de outro Estado membro em resultado da aplicação do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º;
c) Na data do recebimento, no caso de pagamentos relativos a uma transmissão de bens ou prestação de serviços ainda não efetuada, bem como no caso em que o pagamento coincide com o momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º…”
Se forem efetuados pagamentos relativos a uma transmissão de bens ou prestação de serviços ainda não efetuada, ou quando o pagamento coincida com o momento da colocação dos bens à disposição do adquirente ou da realização do serviço, a fatura deve ser emitida na data do recebimento, conforme alínea c) do n.º 1 do artigo 36º do Código do IVA.
Aquando da entrega dos bens, e considerando que os pagamentos antecipados por conta da transmissão de bens foram parciais, deve ainda ser emitida fatura no prazo de cinco dias úteis contados da data da colocação dos bens à disposição do adquirente tornando-se o IVA exigível, relativamente ao valor remanescente, no momento da emissão da fatura, se cumprido o prazo legal de emissão, ou no momento em que o mesmo termina.
Tem sido entendimento da Direção de Serviços do IVA que o procedimento adequado no que respeita ao cumprimento da obrigação de faturação consiste na consideração do valor pago a título de adiantamento na fatura final, liquidando-se IVA sobre o valor total da contraprestação a receber do cliente, deduzido do montante já pago a título de adiantamento.
Assim, preferencialmente, os sujeitos passivos devem aquando da emissão da fatura final relativa à venda dos bens ou aos serviços prestados deve proceder à liquidação do IVA apenas pela diferença, isto é, abatendo o valor dos adiantamentos já realizados.
Não obstante, caso por questões de organização ou até mesmo de adaptação dos sistemas informáticos de faturação apenas se mostre possível a emissão de fatura definitiva da operação pelo valor total, sendo o adiantamento regularizado através de nota de crédito, então, para efeitos desta regularização do IVA importa ter presente os requisitos e condições previstas no artigo 78º do Código do IVA.
Se o sujeito passivo emitir fatura final liquidando o IVA sobre o total da operação, sem considerar o valor do adiantamento, esta fatura deverá ser corrigida através de documento retificativo da fatura, ou seja, nota de crédito, contendo os elementos referidos no n.º 6 do artigo 36º do Código do IVA, desde logo, a referência à fatura que se corrige e às menções desta que são objeto de alteração. Neste caso, se a fatura inexata já tiver dado lugar ao registo a que se refere o artigo 45º do Código do IVA, a regularização do IVA pode ser efetuada no prazo de dois anos, conforme decorre do n.º 3 do artigo 78º do Código do IVA.
Normativo contabilístico
O recebimento de determinada quantia monetária a título de adiantamento de clientes traduz-se num aumento dos meios financeiros utilizados (por exemplo, depósitos à ordem), assim como uma responsabilidade da entidade perante terceiros (o direito do cliente a receber o bem adquirido).
Em termos de registo contabilístico o adiantamento de clientes pode ser evidenciado em diferentes contas, consoante o preço da operação final esteja, ou não, previamente fixado.
Resulta das notas de enquadramento previstas na Portaria n.º 218/2015, de 23 de julho:
“… 218 - Adiantamentos de clientes: Esta conta regista as entregas feitas à entidade relativas a fornecimentos, sem preço fixado, a efetuar a terceiros. Pela emissão da fatura, estas verbas serão transferidas para as respetivas subcontas da rubrica 211 - Clientes c/c.
(…)
276 - Adiantamentos por conta de vendas: Regista as entregas feitas à entidade com relação a fornecimentos de bens e serviços cujo preço esteja previamente fixado. Pela emissão da fatura, estas verbas serão transferidas para as respetivas contas da rubrica 211 - Clientes c/c…”
Assim, se o preço da operação não está previamente definido, o registo contabilístico do recebimento do adiantamento do cliente será:
Débito: 12x - Depósitos à ordem
Crédito: 218x - Adiantamentos de clientes
Crédito: 2433x - IVA liquidado
Por sua vez, se o preço da operação final está previamente fixado aquando do adiantamento, então o registo contabilístico deste será:
Débito: 12x - Depósitos à ordem
Crédito: 276 - Adiantamentos por conta de vendas
Crédito: 2433x - IVA liquidado
Quando os bens foram colocados à disposição ou quando o serviço for prestado ao cliente haverá lugar à emissão da fatura definitiva. Considerando o tratamento preferencial, que prevê a regularização do adiantamento nessa mesma fatura, o registo contabilístico será:
Débito: 211x - Clientes c/c
Débito: 218x - Adiantamentos de clientes / 276x - Adiantamentos por conta de vendas
Crédito: 71x – Vendas/ 72x - Prestação de Serviços
Crédito: 2433x - IVA – liquidado
Referimos que o IVA será liquidado pela diferença, pelo que admitimos que em termos práticos possa ocorrer o débito na 2433 pelo valor do adiantamento e o crédito na mesma conta pelo valor total. Assim, o saldo desta conta neste lançamento contabilístico corresponde à diferença.
Por sua vez, se for emitida uma fatura pelo valor total e uma nota de crédito pelo valor a regularizar, então haverá lugar a dois registos contabilísticos, cada um referente a uma das operações.
Pela fatura:
Débito: 211x - Clientes c/c
Crédito: 71x – Vendas/ 72x - Prestação de Serviços
Crédito: 2433x - IVA – liquidado
Pela nota de crédito:
Débito: 218x - Adiantamentos de clientes / 276x - Adiantamentos por conta de vendas
Débito: 2434x – IVA regularizações
Crédito: 211x - Clientes c/c
De referir que neste caso, a regularização do IVA previsto na nota de crédito está sujeito aos requisitos e formalismos previstos no artigo 78º do Código do IVA.
Em termos de apresentação no balanço haverá que distinguir qual o normativo contabilístico utilizado pelo sujeito passivo.
Se o normativo contabilístico utilizado é a Norma Contabilística para Microentidades ou a Norma Contabilística e de Relato Financeiro para Pequenas Entidades, então o saldo credor de clientes relativo a adiantamento de clientes deve ser apresentado no balanço no passivo corrente na rubrica “Outros passivos correntes”.
Por sua vez, se o normativo contabilístico utilizado é o geral, isto é o conjunto das 28 Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro, então, o saldo credor de clientes referente a adiantamentos de clientes será apresentado na rubrica do passivo corrente “Adiantamentos de clientes”.
Colaboração:
Elsa Marvanejo da Costa
Contabilista Certificada, especialista sobre o imposto sobre o rendimento na Ordem dos Contabilistas Certificados
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