Alienação de viatura ligeira de passageiros
No decurso da atividade dos agentes económicos ocorrem operações pontuais cujos aspetos contabilísticos e fiscais devem ser devidamente acautelados, por exemplo a venda de uma viatura ligeira de passageiros que se configurava como item do ativo fixo tangível da entidade. Nesta operação em concreto as variáveis utilizadas durante o período de utilização, tais como o seu valor de aquisição (se foi adquirida acima do limite fiscal estabelecido), a atribuição, ou não, de valor residual, a existência de quotas perdidas, e inclusivamente se na sua venda se apura uma mais-valias ou uma menos-valia, são aspetos que, do ponto de vista fiscal, carecem de alguma atenção.
Tratamento contabilístico
No que se refere ao desreconhecimento de itens do ativo fixo tangível remetemos para o disposto nos §§ 66 a 71 da NCRF 7 – Ativos fixos tangíveis.
O desreconhecimento de itens do ativo fixo tangível deve ocorrer no momento da alienação ou quando não se espere futuros benefícios económicos do seu uso, como por exemplo, abate por obsolescência ou sinistros, doação, atribuição na partilha, entre outras, conforme § 66 da NCRF 7:
“… 66 - A quantia escriturada de um item do ativo fixo tangível deve ser desreconhecida:
a) No momento da alienação; ou
b) Quando não se espere futuros benefícios económicos do seu uso ou alienação…”
Determina o § 67 da NCRF 7 que “… o ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do ativo fixo tangível deve ser incluído nos resultados quando o item for desreconhecido…”.
Sendo que, “… o ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do ativo fixo tangível deve ser determinado como a diferença entre os proventos líquidos da alienação, se os houver, e a quantia escriturada do item…”, conforme § 70 da NCRF 7.
Assim, o registo do desreconhecimento do item será efetuado pela quantia escriturada à data. Por definição, a quantia escriturada de um ativo é a sua quantia recuperável no final do período, ou seja, será o respetivo custo líquido de quaisquer depreciações e/ou perdas por imparidade já reconhecidas.
O ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do ativo fixo tangível deve ser incluído nos resultados do período, sendo que este resulta da diferença entre os proventos líquidos da alienação, se os houver, e a quantia escriturada do item.
Em complemente ao registo contabilístico deverá ser efetuado um cálculo extra contabilístico para apuramento da mais-valia ou menos-valia. A fórmula para apurar essa mais-valia ou menos-valia contabilística será:
Mvc ou mvc = VR – [Vaq (ou Vreav) - DAc/PIac]
Em que:
Mvc ou mvc - Mais-valia contabilística ou menos-valia contabilística
VR - Valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes
Vaq - Valor de aquisição
Vreav - Valor de reavaliação
DAc - Depreciações acumuladas contabilizadas
PIac - Perdas por imparidade acumuladas contabilizadas
Os registos contabilísticos a efetuar serão:
A) Pela anulação das depreciações acumuladas e determinação da quantia escriturada:
Débito: 438 - Ativos fixos tangíveis - Depreciações acumuladas
Débito: 439 - Ativos fixos tangíveis - Perdas por imparidade acumuladas
Por contrapartida a:
Crédito: 434 - Ativos fixos tangíveis – Equipamento de transporte
Pelo montante das depreciações e/ ou perdas por imparidade acumuladas
B1) Pelo desreconhecimento do ativo fixo tangível considerando a existência de mais-valia contabilística:
Débito: 278 – Outras contas a receber e a pagar – Outros devedores e credores (valor de venda)
Por contrapartida a:
Crédito: 434 - Ativos fixos tangíveis – Equipamento de transporte (quantia escriturada)
Crédito: 7871 – Outros rendimentos - Rendimentos em investimentos não financeiros – Alienações (mais-valia, que será a diferença positiva entre o valor de venda e a quantia escriturada)
B2) Pelo desreconhecimento do ativo fixo tangível considerando a existência de menos-valia contabilística:
Débito: 278 – Outras contas a receber e a pagar – Outros devedores e credores (valor de venda)
Débito: 6871 – Outros gastos - Gastos em investimentos não financeiros – Alienações (menos-valia, que será a diferença negativa entre o valor de venda e a quantia escriturada)
Por contrapartida a:
Crédito: 434 - Ativos fixos tangíveis – Equipamento de transporte (quantia escriturada)
B3) Alienação, quando o item já está totalmente depreciado:
Débito: 278 – Outras contas a receber e a pagar – Outros devedores e credores
Crédito: 7871 – Outros rendimentos - Rendimentos em investimentos não financeiros – Alienações
Pelo valor de venda
Enquadramento fiscal
Em termos fiscais consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas, decorrentes da alienação onerosa de bens do ativo fixo tangível, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, nos termos previstos no artigo 46º do Código do IRC.
Caso este resultado seja positivo, uma mais-valia, esta configura um rendimento tributável nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IRC.
Por sua vez, caso o resultado seja negativo, uma menos-valia, esta configura uma perda dedutível nos termos previstos na alínea l) do n.º 2 do artigo 23º do Código do IRC, com a limitação resultante da alínea l) do n.º 1 do artigo 23ºA do Código do IRC, cuja fórmula se encontra na Circular n.º 6/2011, de 5 de maio.
O Código do IRC prevê no n.º 2 do artigo 46º que as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas para efeitos fiscais, atualizado pelo coeficiente de desvalorização monetária (quando tenham decorridos dois anos desde a sua aquisição).
Contudo, especificamente para viaturas ligeiras de passageiros, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu esclarecimentos através da Circular n.º 6/2011, de 5 de maio, considerando que no caso de alienação de viatura ligeira de passageiros adquiridas acima do limite legal previsto, deve considerar-se, no cálculo da mais-valia ou menos-valia, o valor das depreciações praticadas (e não as fiscalmente aceites):
“… 32. Para as viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo valor de aquisição ou de reavaliação exceda aquele limite, deve observar-se o seguinte:
32.1. O cálculo da mais-valia ou menos-valia fiscal é efetuado também de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 46.º do Código do IRC devendo considerar-se, na respetiva fórmula de cálculo, as depreciações praticadas.
Face à ratio subjacente à imposição de limites ao reconhecimento de gastos com este tipo de bens quando o respetivo valor de aquisição ou de reavaliação ultrapassa determinado montante, a interpretação mais consentânea com essa ratio é considerar que, para efeitos de determinação das respetivas mais-valias ou menos-valias, o valor das depreciações que releva é o das praticadas na contabilidade…”
Ainda que o n.º 2 do artigo 46º do Código do IRC estabeleça que no cálculo da mais-valia deve considerar-se o valor das depreciações fiscalmente aceites, a AT através de doutrina, impõe que no caso de viaturas ligeiras de passageiros adquiridas acima do limite legal, deve considerar-se as depreciações praticadas. Se assim não fosse, o sujeito passivo que ao longo dos anos teve que acrescer o excesso do gasto com depreciações praticadas acima do limite legal, iria “recuperar” a penalização sofrida aquando do cálculo da mais-valia pela venda do item.
Acresce que esta mesma doutrina também veio impor limites à dedutibilidade fiscal da menos-valia obtida com a alienação de viaturas ligeiras de passageiros cujo valor de aquisição excedeu o limite legal, no seu ponto 32.2:
“… 32.2. No caso de se apurar uma menos-valia fiscal, deve ser aplicado o disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC, considerando-se que a parcela da menos-valia fiscal passível de ser deduzida como gasto é a proporcional ao valor fiscalmente depreciável, ou seja:
mv fiscal dedutível = valor limite / valor de aquisição x mv fiscal
Como a menos-valia fiscal entra no cômputo da diferença positiva ou negativa entre as mais-valias e as menos-valias fiscais, tem de se corrigir autonomamente, no quadro 07 da declaração de rendimentos de IRC, Modelo 22, a parcela da menos-valia fiscal que não é dedutível, ou seja, a diferença entre a menos-valia fiscal normalmente apurada e a menos-valia fiscal que é dedutível…”
Caso seja apurada uma menos-valia esta poderá não ser totalmente dedutível, havendo para o efeito que aplicar a fórmula prevista na Circular.
Para efeitos de apuramento da mais-valia ou menos-valia fiscal, importa considerar a seguinte fórmula:
Mvf ou mvf = VR - (Vaq - Pim - Daf) x Coef
Em que:
Mvf ou mvf - Mais-valia fiscal ou menos-valia fiscal
VR - Valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes
Vaq - Valor de aquisição
Pim - Perdas de imparidade (aceites fiscalmente) nos termos dos artigos 28.º-A e 31.º-B do Código do IRC
Daf - Depreciações ou amortizações acumuladas aceites fiscalmente (ou praticadas no caso das viaturas ligeiras de passageiros adquiridas acima do limite fiscal)
Coef - Coeficiente de desvalorização da moeda (Portaria do Ministro das Finanças)
No que se refere ao limite a partir do qual as depreciações das viaturas ligeiras de passageiros ou mistas (desde que tais bens não estejam afetos ao serviço público de transportes nem se destinem a ser alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo) não são fiscalmente aceites, importa analisar o disposto na Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho.
Este limite está dependente da data de aquisição da viatura.
Para as viaturas adquiridas durante o ano de 2010 o limite é de 40.000 euros. As viaturas adquiridas durante o ano de 2011 o limite é de 30.000 euros ou de 45.000 euros caso se trate de viaturas exclusivamente elétricas. As viaturas adquiridas durantes os anos de 2012, 2013 e 2014 o limite é de 25.000 euros ou de 50.000 euros caso se trate de viaturas exclusivamente elétricas.
Para as viaturas ligeiras de passageiros ou mistas adquiridas em 2015 ou nos anos seguintes, o montante do limite passa a ser de:
a) € 62 500 relativamente a veículos movidos exclusivamente a energia elétrica;
b) € 50 000 relativamente a veículos híbridos plug-in;
c) € 37 500 relativamente a veículos movidos a gases de petróleo liquefeito ou gás natural veicular;
d) € 25 000 relativamente às restantes viaturas não abrangidas nas alíneas anteriores.
Para as viaturas adquiridas antes de 2010, o limite fiscal das depreciações estava fixado em 29.927,87 euros, sendo este limite a ter em consideração, conforme entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira através de Informação Vinculativa (Proc.: 816/2011, com despacho concordante do Diretor Geral dos Impostos em 20.05.2011, proferido no Parecer n.º 16/2011, do Centro de Estudos Fiscais).
Preenchimento das declarações fiscais
As correções fiscais nesta matéria, em sede de IRC, são efetuadas aquando do preenchimento do quadro 07 da modelo 22. Num primeiro momento, o resultado contabilístico será expurgado do efeito da venda do ativo fixo tangível, isto é, a mais-valia contabilística será deduzida e/ ou a menos-valia contabilística será acrescida. Posteriormente, importa adicionar o resultado fiscal, pelo que será acrescida a mais-valia fiscal (ou 50% no caso de ser utilizado o regime do reinvestimento) e/ou será deduzida a menos-valia fiscal ou parte dela, por aplicação da alínea l) do n.º 1 do artigo 23ºA do Código do IRC.
Assim, aquando do preenchimento do Quadro 07 da Modelo 22 são relevantes os seguintes campos:
A acrescer:
736: Menos-valias contabilísticas
739: Diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais sem intenção de reinvestimento (art. 46º)
740: 50% da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais com intenção expressa de reinvestimento (art. 48º n.º 1)
752:Outros acréscimos
A deduzir:
767: Mais-valias contabilísticas
769: Diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias fiscais (art. 46º)
Caso se trate de um sujeito passivo pessoa singular enquadrado no regime de tributação com base nas regras da contabilidade organizada, então os campos a preencher do quadro 04 do Anexo C à Modelo 3 serão:
A acrescer:
432: Menos-valias contabilísticas
434: Diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais sem intenção de reinvestimento (art. 46º)
435: 50% da diferença positiva entra as mais-valias e as menos-valias fiscais com intenção expressa de reinvestimento (art. 48º n.º 1)
441: (linha em branco – equivalente a outros acréscimos)
A deduzir:
454: Mais-valias contabilísticas
456: Diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias fiscais (art. 46º)
Caso prático
Vamos agora analisar um caso prático de venda de viatura ligeira de passageiros adquirida acima do limite legal, que não se encontra totalmente depreciada e de cuja alienação resulta uma menos-valia.
Exemplo:
A sociedade XYZ, L alienou uma viatura de turismo em 2023 por € 20.000,00. A viatura havia sido adquirida em 2019 por € 60.000,00 e, à data, o valor das depreciações acumuladas ascendia a € 30.000,00.
Cálculo da mais-valia contabilística:
MVc / mvc = VR - (Vaq.(ou Vreav) - DAc/PIac)
Menos-valia contabilística = 20.000,00 – (60.000,00 – 30.000,00) = - 10.000,00
Registos contabilísticos:
A) Pela anulação das depreciações acumuladas e determinação da quantia escriturada:
Débito: 438x – Depreciações acumuladas
Crédito: 434x – AFT Equipamento de transporte – Viatura
Valor: 30.000,00
B) Pela alienação e desreconhecimento do ativo fixo tangível
Débito: 278x – Outros devedores e credores: 20.000,00
Débito: 6871 – Gastos e perdas em investimentos não financeiros – Alienações: 10.000,00
Crédito: 434x – AFT Equipamento de transporte – Viatura: 30.000,00
Cálculo da menos-valia fiscal:
Mvf ou mvf = VR líquido - (Vaq - Pim - Daf - Vgf) x Coef
Menos-valia fiscal = 20.000,00 – (60.000,00 – 30.000,00) x 1,01 = - 10.300,00
(consideramos o coeficiente de 1,01 previsto na Portaria n.º 253/2022, de 20 de outubro, a título de exemplo, uma vez que ainda não foram publicados os coeficientes para vendas realizadas em 2023)
Menos-valia fiscalmente aceite por aplicação da Circular 6/2011:
Menos-valia aceite = Valor limite/ valor aquisição x menos-valia fiscal
Menos-valia aceite = 50.000,00/ 60.000,00 x 10.300,00
Menos-valia aceite = 8.583,33
Diferença a acrescer: 1.716,67 (10.300,00 – 8.583,33)
Preenchimento do quadro 07 da Modelo 22
A acrescer:
Campo 736: Menos-valias contabilísticas – 10.000,00
Campo 752: Outros acréscimos – 1.716,67
A deduzir
Campo 769: Diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias fiscais (art. 46º) – 10.300,00
Preenchimento Mapa Mais-valias
Coluna (2) – Valor de realização: 20.000,00
Coluna (3) – Valor de aquisição para efeitos fiscais: 60.000,00
Coluna (4) – Ano de aquisição: 2019
Coluna (5) - Valor de aquisição para efeitos contabilísticos: 60.000,00
Coluna (6) – Depreciações/ amortizações e perdas por imparidade registadas: 30.000,00
Coluna (7) – Mais-valia ou menos-valia contabilística - Sinal: - (negativo)
Coluna (8) – Mais-valia ou menos-valia contabilística - Valor: 10.000,00
Coluna (10) – Depr./ amort. e perdas por imparidade aceites fiscalmente: 30.000,00
Coluna (11) - Coeficiente de desvalorização da moeda: 1,01
Coluna (12) – Mais-valia ou menos-valia fiscal - Sinal: - (negativo)
Coluna (13) – Mais-valia ou menos-valia fiscal - Valor: 10.300,00
No cálculo da mais-valia fiscal aquando do preenchimento do Mapa de Mais-valias iremos utilizar a fórmula prevista na Circular n.º 6/2011, de 5 de maio, pelo que não se segue as instruções de preenchimento do referido mapa.
Colaboração:
Elsa Marvanejo da Costa
Contabilista Certificada, especialista sobre o imposto sobre o rendimento na Ordem dos Contabilistas Certificados
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