Indemnização por danos em mercadorias transportadas não é tributada
(SIVA – Processo nº 25638, com despacho de 29.02.2024)
Conteúdo:
I – Questão colocada
1. A Requerente “vem requerer informação vinculativa sobre a liquidação, ou não, de IVA, sobre valor faturado a transportadoras de mercadorias, a título de indemnização, por danos causados nas mercadorias transportadas durante esse mesmo transporte”.
2. A sua “atividade principal consiste na distribuição por grosso de produtos farmacêuticos (CAE 46460)”, sendo que “subcontrata o serviço de transportadoras para fazer o transporte das mercadorias desde o seu armazém até às instalações dos clientes”.
3. “As mercadorias são sempre faturadas ao cliente antes do início do transporte.”
4. Por vezes ocorrem danos durante o transporte, ficando as mercadorias inutilizadas.
Nestas situações, a Requerente “credita ao cliente as mercadorias danificadas, e envia novas mercadorias acompanhadas de nova fatura”.
5. “Relativamente ao serviço prestado pelas transportadoras, está contratualizado com as mesmas, a título de indeminização, o pagamento de xx euros por kg de mercadoria danificada, independentemente do valor das mercadorias.”
6. “Mediante cada situação”, a transportadora envia à Requerente “a informação dos valores a faturar a título de indeminização, sempre com a devida identificação da fatura emitida ao cliente.”
7. “As questões que se pretendem esclarecer são:
- Devem ou não os valores faturados a transportadoras, a título de indeminização por danos causados durante o transporte, liquidar IVA?
- Qual a justificação legal para a sujeição, ou não, desta operação?”
II – Elementos factuais
8. A Requerente exerce as atividades correspondentes aos Códigos de Atividade Económica (CAE): 46460 - “COMÉRCIO POR GROSSO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS” (Principal); 47784 - “COM. RET.OUTROS PROD. NOVOS, ESTAB. ESPEC., N.E.” (Secundário 1); 75000 - “ACTIVIDADES VETERINÁRIAS” (Secundário
2); 81291 - “ACTIVIDADES DE DESINFECÇÃO, DESRATIZAÇÃO E SIMILARES” (Secundário 3); 46690 - “COMÉRCIO POR GROSSO DE OUTRAS MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS” (Secundário 4); 46382 - “COMÉRCIO POR GROSSO DE OUTROS PRODUTOS ALIMENTARES, N.E.” (Secundário 5); 46750 - “COMÉRCIO POR GROSSO DE PRODUTOS QUÍMICOS” (Secundário 6); 46650 - “COMÉRCIO POR GROSSO DE MOBILIÁRIO DE ESCRITÓRIO” (Secundário 7); 46610 - “COMÉRCIO POR GROSSO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS, AGRÍCOLAS” (Secundário 8);
47730 - “COM. RET. PROD. FARMACÊUTICOS, ESTAB. ESPEC.” (Secundário 9); 47762 - “COM. RET. ANIMAIS COMP. E RESPECT. ALIMENTOS, ESTAB. ESPEC.” (Secundário 10); 47740 - “COM. RET. PROD. MÉDICOS E ORTOPÉDICOS, ESTAB. ESPEC.” (Secundário 11); 47192 - “COM. RET. OUT. ESTAB. N.E.., S/PRED. PROD. ALIM., BEBIDAS TABACO” (Secundário 12); 47761 - “COM. RET FLORES, PLANTAS, SEMENTES E FERTILIZANTES, EST. ESP.” (Secundário 13); 32502 - “FABR. MATERIAL ORTOP. PRÓTESES INSTRUMENTOS MÉDICO -CIRÚRGICOS” (Secundário 14); 32994 - “FABRICAÇÃO DE EQUIPAMENTO DE PROTECÇÃO E SEGURANÇA” (Secundário 15), e 46211 - “COMÉRCIO POR GROSSO DE ALIMENTOS PARA ANIMAIS” (Secundário 16).
9. Em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal por opção, registada como praticando operações que conferem o direito à dedução do IVA suportado nas suas aquisições, e praticando também operações que não conferem esse direito (sujeito passivo misto com afetação real de todos bens).
III – Análise da questão
10. O IVA, enquanto imposto geral sobre o consumo, incide sobre uma atividade económica, ou seja, sobre aquelas operações que tendo enquadramento nos critérios de incidência objetiva do imposto previstos no artigo 1.º do Código do IVA (CIVA), preenchem, ainda, os pressupostos do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, nomeadamente atividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as profissões liberais.
11. De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, são consideradas como prestações de serviços, as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, importações ou aquisições intracomunitárias de bens.
12. A qualificação de prestação de serviços é aqui de natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo artigo 1154.º do Código Civil, na medida em que abrange a transmissão de direitos, obrigações de conteúdo negativo e, ainda, a prestação de serviços coativa.
13. A tributação em sede de IVA de uma determinada operação é, deste modo, feita com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços, enquanto expressão da atividade económica de cada agente.
14. Tendo presente as caraterísticas do IVA, importa agora precisar o conceito de indemnização e as realidades que a mesma abrange.
15. O conceito de indemnização está associado à responsabilidade civil, uma das fontes de obrigações presentes no Código Civil, e constitui um pagamento que visa repor a situação patrimonial em virtude de uma lesão ou dano.
16. A responsabilidade civil tem duas vertentes, a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil extracontratual.
17. A responsabilidade civil contratual pressupõe a violação de obrigações que tenham a sua origem em contratos, negócios jurídicos unilaterais ou que resultam da própria lei, enquanto a responsabilidade extracontratual resulta da violação, ainda que lícita, de deveres de caráter genérico ou condutas que causam determinados danos a outrem.
18. O princípio geral da obrigação de indemnização enunciado no artigo 562.º do Código Civil determina que “(q)uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
19. Por sua vez o n.º 1 do artigo 564.º daquele código estipula que “(o) dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (lucros cessantes).
20. Nesse sentido, a doutrina distingue entre (i) danos emergentes, ou seja, prejuízos causados nos bens ou direitos já existentes à data da lesão, e (ii) os lucros cessantes que se traduzem numa valorização que abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.
21. Para efeitos do IVA, a tributação de uma determinada operação pressupõe a existência de uma contraprestação, associada a uma transmissão de bens ou a uma prestação de serviços, enquanto expressão da atividade económica de cada agente.
22. Para enquadramento da questão da sujeição ou não das quantias pagas a título de indemnização, há que ter em conta o princípio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde ao disposto na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA), no sentido de que o que o IVA pretende tributar é a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, quando estes não tenham caráter remuneratório.
23. Assim, se as indemnizações apenas sancionarem a lesão de um interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a ressarcir um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma operação tributável.
24. Também por força do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 16º do CIVA, as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial das obrigações são excluídas de tributação em IVA.
25. Pelo atrás exposto, as penalidades contratuais (indemnizações) que sancionam a não execução de uma obrigação contratual devida pelo cliente ao fornecedor, são tributáveis em IVA, salvo quando não tenham subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços, por força do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA.
26. No caso em apreço, quando ocorrem danos em mercadorias aquando do seu transporte para os clientes, a Requerente tem contratualizado com as transportadoras, “a título de indemnização, o pagamento de xx euros por kg de mercadoria danificada, independentemente do valor das mercadorias”, e questiona se tal valor está sujeito a imposto.
27. Face à descrição da operação apresentada pela Requerente, estamos perante uma indemnização por danos e, por conseguinte, não sujeita a IVA.
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