Benefícios fiscais só chegam a 2% das empresas;

José Eduardo Carvalho, presidente da AIP, lamenta
Benefícios fiscais só chegam a 2% das empresas
“A política de incentivos deveria estar subordinada aos timings de decisão dos investimentos das empresas e não à data dos concursos”, afirma José Eduardo Carvalho.
A complexidade do sistema fiscal e a rigidez do mercado de trabalho são dois grandes obstáculos ao crescimento - considera José Eduardo Carvalho. Em entrevista à “Vida Económica” no 18º aniversário da AIP o presidente lamentou a carga fiscal excessiva sobre o trabalho e sobre as empresas. O setor produtivo está sujeito a cerca de 4300 impostos e taxas. Os benefícios fiscais para a capitalização apoiam apenas cerca e 10 mil empresas, ou seja, 2% das empresas em atividade.
Vida Económica - A AIP comemora 186 anos. O que explica esta longevidade?
José Eduardo Carvalho -
A longevidade da AIP reside na conjugação de três fatores: manter-se fiel aos princípios liberais na defesa da iniciativa privada, economia de mercado e do liberalismo económico, que estiveram na base dos ideais dos seus cerca de 800 fundadores; ter sido liderada por presidentes e direções empenhadas e comprometidas com a defesa dos interesses empresariais; apesar da diversidade dos contextos económicos que enfrentou, ao longo dos anos, soube conceber ações e programas e ajustá-los às necessidades das empresas.

VE - A AIP tem manifestado ao logo dos tempos uma luta acérrima contra os custos de contexto para as empresas e o investimento. Em sua opinião, quais são os maiores obstáculos atuais ao investimento?
JEC -
O investimento é uma componente fundamental para o crescimento da política económica de um país.
Todos achamos que a saúde da economia de um país avalia-se pela capacidade de atrair investimento estrangeiro, crescimento das exportações, e capacidade de reter ou atrair talento.
No caso particular do investimento, se não existir ambiente propício aos negócios, uma boa política de concorrência e se proliferarem fatores que condicionam a competitividade da economia e a produtividade das empresas, dificilmente haverá forte e significativo crescimento em Portugal.
Temos de nos preocupar com esses fatores e com a resposta que se tem de dar. E esses fatores são: melhoria da qualidade de gestão das empresas, excessivo endividamento e correspondente subcapitalização das empresas, déficit de capacitação de ativos em competências digitais, fraca intensidade e base exportadora, carência de mão de obra, excessiva especialização produtiva de baixa e média baixa tecnologia, colocar I&D nas preocupações de gestão operacional das empresas, redimensionamento empresarial, rigidez da legislação laboral e a excessiva carga fiscal.
A política económica através dos instrumentos de política pública tem de enquadrar a resposta a dar aos efeitos e constrangimentos provocados por estes fatores. Compete às associações empresariais definir no seu plano de atividades programas e ações para ultrapassar ou mitigar esses constrangimentos. Têm de assumir um papel supletivo às entidades públicas nesse objetivo e centrar a atividade nesse trabalho. É difícil, mas é imperioso.
Incompetitividade fiscal afeta atividade empresarial

VE - Ainda neste âmbito, o que deveria ser melhorado ao nível dos impostos em Portugal?
JEC -
Precisamos de uma profunda reflexão sobre uma política fiscal que penaliza lucro, poupança e trabalho. A concertação social devia ocupar-se desta matéria, mas que afeta tanto os rendimentos das empresas como do trabalho, e não andar tão entusiasmada em discutir tendências ainda não consolidadas na sociedade e na economia portuguesa.
Já é fastidioso enunciar os dados que comprovam a nossa incompetitividade fiscal, nomeadamente a que afeta a atividade empresarial. Mas há outros dados que atestam a necessidade de mudança. Somos o 10º país da OCDE com o peso mais elevado de carga fiscal sobre o trabalhador médio; a litigância fiscal ascende a 12 mil milhões; desde 2011, os governos têm lançado impostos para fazer face a conjunturas económicas adversas e de emergência nacional. Mas na fase de inversão desses ciclos recessivos, os impostos continuam imutáveis e cristalizados. A excessiva carga fiscal é suportada por 4300 impostos e taxas, mas ao mesmo tempo existem 453 benefícios fiscais. Exceto o SIFIDE, a sua atratividade é muito reduzida. Por exemplo, só 10 406 empresas (2% das sociedades comerciais) acederam aos benefícios fiscais contemplados no DLRR, contratos ao investimento produtivo, remuneração convencional de capital social.
Temos de dar prioridade a esta reflexão e trabalho.
Ainda bem que temos um Ministro da Economia que defende uma redução transversal do IRC. Não tem sido habitual ver posições saírem da Horta Seca. Mas temos de rejeitar que eventuais reduções de IRC possam ser feitas à custa do aumento dos custos de exploração das empresas.

VE - Como avalia o rumo que está a ser seguido ao nível da legislação laboral?
JEC -
Preocupante. A AIP, há duas semanas organizou um seminário sobre as alterações à legislação laboral contidas na agenda digna. Participaram 875 empresários e quadros superiores de empresas. É um indicador claro de preocupação.
Andamos durante anos a desvalorizar a necessidade de flexibilização da legislação laboral, afirmando que esta não constitui uma prioridade nas preocupações empresariais. E enfatizamos os licenciamentos, a morosidade da justiça, carência de mão de obra, etc. Obviamente que são importantes, mas aquela também o é.
Todos aceitamos que estamos a passar por uma revolução tecnológica provocada pelas TIC, que tal como anteriores provoca implicações na estrutura produtiva, modelos de negócio e formas de organização de trabalho. E quem está a liderar e a adaptar-se a essa revolução são os países que adaptaram o mercado de trabalho a essas ruturas, flexibilizando a contratação e o despedimento, conciliando com a segurança no percurso profissional através de um eficiente sistema de formação profissional decorrente da mudança de emprego. Os que estão a ficar para trás são os que apresentam rigidez na mobilidade, na legislação laboral e apresentam condicionantes ideológicas para enquadrar e gerir os fatores flexibilidade / segurança.
Todas as medidas até hoje aprovadas: prazos e custos de indemnização por cessão do contrato de trabalho, horas suplementares, caducidade das CCT, proibição de outsourcing para empresas que cessem contratos de trabalho, mobilidade e flexibilidade nos períodos e horários de trabalho, banco de horas individual, vão no sentido de rigidez e na reversão do que foi introduzido durante o período do resgate financeiro.
Acho interessante defendermos que a nossa entrada na economia do conhecimento tem de fazer-se com a inovação na gestão operacional das empresas, com uma educação com uma componente empreendedora, com universidades com uma cultura de investigação de produto, e depois evitamos dizer que a flexibilidade e mobilidade no mercado de trabalho é um fator decorrente desta revolução tecnológica.

VE - O programa Mais Habitação poderá afastar o investimento? Que avaliação faz deste programa?
JEC -
Acho que o programa está morto. Do ponto de vista sociológico, o povo português não é muito liberal mas quando se toca ou mexe com a propriedade há sempre fortes reações. Por alguma razão preferimos hipotecar-nos a um banco durante toda a vida e sentirmo-nos proprietários, do que viver numa casa arrendada.

PRR necessita de alongar prazos de execução

VE - O PRR tem sido alvo de várias críticas, tais como o atraso de execução e a demasiada concentração no setor público. Também pensa isso? O que deveria ser feito?
JEC -
Sobre a concentração do PRR no setor público, já não é tema para discussão. Mal ou bem, é um programa de alívio das contas públicas estimulando a economia. Agora a principal preocupação é a sua execução e esperar que os efeitos multiplicadores do capex público possam ter um efeito significativo na economia do país. Uns acreditam, outros são muito céticos.
No início do programa efetuou-se muita pressão sobre o controlo e o acompanhamento com o pressuposto que os utilizadores iriam enganar o sistema. Quem exerceu esta pressão, esqueceu-se que havia pouco tempo para preparar as condições para a sua célere execução: reforço de recursos humanos para aumentar a capacidade de avaliação das candidaturas; preparação cuidada e ponderada das condições dos avisos de forma a evitar litigância judicial sobre os mesmos; repensar a afetação dos recursos disponíveis à avaliação das candidaturas e à gestão permanente dos pedidos de pagamento; reduzir critérios de seleção para simplificar a avaliação de elegibilidade dos projetos; eliminar critérios de avaliação sujeitos a apreciação qualitativa e subjetiva de técnicos; flexibilizar procedimentos de contratação pública; simplificar procedimentos de autorização de despesas e respetiva delegação de competências; flexibilizar a tramitação de instrumentos de ordenamento territorial; simplificar exigências na constituição de consórcios de forma a tornar mais ágil o funcionamento dos mesmos, nomeadamente nas agendas mobilizadoras.
Enfim, criou-se um ambiente político e uma pressão mediática nada propícia a priorizar e assumir os procedimentos adequados para permitir a execução futura do programa. Agora é o inverso: contesta-se a falta de execução, atribuindo responsabilidades aos gestores e aos ministérios que os tutelam. Não posso concordar com isso. Dou-vos um exemplo: quanto tempo demorou o Banco de Portugal a autorizar os administradores do Banco de Fomento a iniciarem funções?
O que há a fazer para recuperar atraso é flexibilizar procedimentos, tramitação, regulamentos, onde tal for possível. E prorrogar o período de execução do programa. Por exemplo, nas agendas mobilizadoras a experiência de congregar grandes empresas, médias e pequenas, universidades e entidades de investigação não é grande. Planear, articular e gerir projetos de investimento com a dimensão que eles têm e com o envolvimento destes agentes, não vai ser fácil e é preciso tempo.

VE - O Portugal 2030 está prestes a arrancar. Na perspetiva da AIP, que caminho deve ser seguido ao nível da execução deste programa?
JEC -
Não será tão difícil de implementar dada a experiência de quadros anteriores. Esta experiência talvez tenha permitido encontrar procedimentos para reduzir prazos de abertura de avisos, de saída dos resultados das candidaturas e da validação dos pedidos de pagamento.
Em termos de execução, acho que a regra a alterar no PT2030 deve recair no acesso contínuo por parte das empresas aos incentivos.
A política de incentivos deveria estar subordinada aos timings de decisão dos investimentos das empresas e não à data dos concursos. Pelo que se sabe, mais uma vez, não vai ser possível implementar um modelo que permita a empresa apresentar uma candidatura única, integrada, enquadrada num planeamento onde evidenciasse as suas necessidades de investimento nas diversas áreas (internacionalização, inovação, formação, etc.). Continuar-se-á a apresentar candidaturas de forma dispersa de acordo com o timing dos avisos e não com a oportunidade de negócio das empresas.
Reconheço que saíram pessoas do governo anterior com longa experiência nesta área de gestão pública que devem estar a fazer muita falta.
VIRGÍLIO FERREIRA (virgilioferreira@grupovidaeconoica.pt), 30/03/2023
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