Produção de oxigénio nos hospitais reduz custos em mais de 60%
A empresa portuguesa Sysadvance está a aumentar a produção de equipamentos para fornecimento de oxigénio nas unidades hospitalares. “Estes sistemas desenvolvidos com tecnologia portuguesa substituem o fornecimento de gás que costuma ser produzido centralmente” – afirma José Vale Machado. Em entrevista à “Vida Económica” o fundador e CEO da Sysadvance refere que além da redução de custos superior a 65%, esta alternativa reduz a dependência dos hospitais de fornecimentos externos. Só hospitais do SNS a redução de custos pode rondar os 20 milhões de euros por ano.
Vida Económica - Há uma mudança de paradigma com a produção de oxigénio nos hospitais em alternativa ao fornecimento de gás liquefeito?
José Vale Machado - A tecnologia que era dominante até há pouco tempo era a tecnologia das empresas produtoras de gás.
Normalmente são empresas com a dimensão de multinacionais, e utilizam uma tecnologia que se baseia em liquefazer o ar.
Essa tecnologia é eficiente porque já existe, consistindo em comprimir, arrefecer, comprimir em várias fases até 70 atmosferas.
Nessas condições o ar liquefaz com uma destilação pressurizada, tipo a da gasolina. No mundo dos combustíveis os gases são separados em fase líquida. Mas é preciso elevar a pressão. Os gases líquidos, mesmo depois de separados, têm que ser mantidos e há perdas muito grandes em termos de energia.
Mas é uma tecnologia onde para 95% dos clientes que utilizam para fins industriais e médicos não é necessário o gás líquido. Gasta-se energia para liquefazer que é depois perdida ao vaporizar o gás para ser utilizado.
Essa é a grande diferença, porque enquanto eles têm que levar a pressão a 70 bar, nós só levamos a 8 bar para fazer a separação.
VE - Quais são as principais vantagens?
JVM - Na prática, nós conseguimos produzir muito mais barato do que as empresas com a tecnologia tradicional. Os sistemas tradicionais exigem investimentos grandes.
A produção de oxigénio com os nossos equipamentos permite obter grandes reduções de custos, podendo ultrapassar os 80%.
Por outro lado, existem outras vantagens consideráveis.
Os hospitais ficam independentes e só precisam de eletricidade para obter oxigénio.
De facto, há economias muito grandes para adoção da nossa tecnologia. É óbvio que quando nós começamos, há 20 anos, isto era algo muito novo. Havia muitas suspeições e suspeitas sobre os gases técnicos não só na parte hospitalar, onde obviamente é crítico para manutenção da vida, mas em qualquer indústria, onde o oxigénio não pode falhar como é o caso da aquacultura.
A nossa história não é uma história fácil de penetração contra as quatro grandes empresas mundiais de gases.
VE - Têm deparado com obstáculos no fornecimento de equipamentos?
JVM - As grandes empresas instaladas não queriam que nós entrássemos no mercado. Mas a verdade é que as vantagens ficaram demonstradas. A estabilidade da tecnologia, porque nós não somos os únicos fabricantes desta tecnologia a nível mundial, com certeza, mas a nossa é particularmente estável. Portanto, temos uma engenharia que foi bem pensada para sistemas que funcionam em contínuo e que não podem falhar. Os equipamentos têm provado ser muito resilientes.
A tecnologia em si é bastante simples do ponto de vista físico da arquitetura, daquilo que é uma central nossa.
Partimos com tecnologia inicial que depois aprimoramos. Houve muito desenvolvimento. Com o processo de gestão do ciclo, é tudo pneumático. O equipamento na sua raiz física e é um equipamento simples e que é extremamente resiliente.
A questão da entrada na área médica é que até 2000 não havia regulamentação destes equipamentos. Mas, em 2012 a Comissão Europeia e em particular a Comissão da Farmacopeia Europeia analisaram a questão porque o Canadá já utilizava equipamentos semelhantes.
E aqui na Europa começaram também a aparecer fabricantes.
O argumento que as empresas tradicionais de gases têm utilizado para tentar bloquear a entrada, é o facto de estes equipamentos terem uma limitação na sua versão normal. O nosso limite de pureza é 96% de oxigénio e 4% de ar, enquanto o sistema tradicional atinge 99,5%.
Mas, as várias aplicações, tratamentos, seja anestesia, seja nos cuidados intensivos ficam sempre abaixo desses níveis. O ser humano, normalmente respira com 21%. Nós desde sempre defendemos isso mesmo junto ao Infarmed, conforme referem as publicações internacionais.
A hiper oxigenação é muito mais perigosa do que hipóxia. Na área médica nunca se aplica oxigénio a mais de 60%. Mas o que é importante é que a farmacopéia foi promulgada e significa que todos os países europeus ou os operadores de saúde podem utilizar oxigénio de origem destes equipamentos.
VE - Essas restrições foram ultrapassadas?
JVM - Vários países, incluindo Portugal, passaram a exigir a certificação dos equipamentos enquanto dispositivos médicos. Ao ser iniciada em 2011 a divulgação destes equipamentos pelos hospitais em Portugal, o que é que acontece?
Há uma Associação Portuguesa das Empresas Químicas que envia ao Infarmed uma informação afirmando que
a farmacopeia tinha um texto que limitava a utilização, apesar de a farmacopeia não limitar. Esta associação tinha feito uma proposta de texto que foi recusada, que limitava a utilização e não foi aceite. Mas o que é mais incrível é que o Infarmed aceita que Portugal não tem um organismo oficial, ou seja, não tem uma entidade que é que controla e que certifica um produtor.
Nós já estávamos na altura certificados pela SGS no Reino Unido. Era quem avaliava e quem emitia o certificado. Mas nós somos obrigados enquanto fabricantes sob a lei nacional em Portugal de nos registarmos no Infarmed como fabricante.
Em dois meses emitem uma circular informativa a modificar o texto. É óbvio que depois se gera uma confusão num produto novo que as pessoas conhecem pouco. Depois há uma questão normativa porque o oxigénio medicinal a 99,5% produzido pelas grandes empresas configura o que dizem ser o medicamento porque é porque é produzido fora do controlo do hospital e sujeito a embalagem.
O nosso oxigénio tem uma certificação via dispositivo médico, o que fazia alguma confusão aos farmacêuticos nas unidades hospitalares.
VE - Qual é a avaliação dos hospitais que optaram pela produção de oxigénio?
JVM - Apesar da imensa dificuldade hoje temos 22 hospitais, incluindo a CUF que começou por equipar dois hospitais pequenos para testar. Confirmou-se tudo aquilo que nós dizíamos. A farmacêutica responsável do grupo era uma pessoa cheia de coragem e decidiu por instalar os nossos equipamentos em alternativa à compra de oxigénio líquido.
No imediato foi obtida uma redução de 71% nos custos.
Com base nos resultados obtidos, a CUF decidiu agora alargar a instalação aos outros hospitais do grupo, porque a economia é bastante elevada.
Nos Açores e Madeira a diferença de custo é ainda maior. O Hospital Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, que é o principal das ilhas, gastava há seis anos três milhões porque oxigénio chega lá caríssimo. Aqui no continente o oxigénio em líquido custa J0,65/m3. Lá são J3/m3, ou seja, quase cinco vezes mais.
No Hospital do Funchal também temos tentado entrar. E repare que há outra questão relevante. Ao ser transportado de barco e sujeito a atrasos provocados pelo mau tempo existe o risco de rutura no oxigénio. Com os nossos equipamentos esse risco deixa de existir.
Portugal tem 27 hospitais de média ou grande dimensão, o que representa uma despesa de cerca de 30 milhões de euros por ano em oxigénio.
Aplicando um coeficiente de 60% o Serviço Nacional de Saúde poderia poupar com estas soluções mais de 18 milhões de euros. De resto, é uma solução ao nível industrial, que está perfeitamente generalizada.
VE - Prevê o crescimento da produção de oxigénio nos hospitais em alternativa à compra de gás líquido?
JVM - Neste momento, o último obstáculo que existe está nos hospitais. Como não tinham outra forma de fornecimento, só abrem concursos desenhados para o fornecimento do oxigénio a 99%. Falta desbloquear através de uma diretiva para abrirem os concursos a 99,5% ou as centrais de produção, porque elas existem e estão sujeitas a processo de certificação e auditorias.
Até hoje, nunca nenhum hospital onde nós temos o equipamento, ficou sem fornecimento por causa das nossas centrais. E já são 170 na área médica, fora aquelas que nós vendemos a incorporadores que também utilizam os nossos geradores em sistemas próprios. Não temos informação de eventos adversos, o quer dizer que nunca houve falha de fornecimento.
VE - Esta mudança também acontece a nível internacional?
JVM - No estrangeiro já existem diretivas que preconizam a instalação deste tipo de equipamentos.
O governo francês, após a pandemia, fez um protocolo com um competidor nosso para promover a instalação deste tipo de centrais. Nós fornecemos mais de 80 hospitais para a Índia.
Também fornecemos o Brasil, e o Bangladesh, países que não tinham infraestrutura suficiente de oxigénio. A
própria Organização Mundial de Saúde tem neste momento um grupo de trabalho do qual nós fazemos parte para massificar a instalação de sistemas deste género em países onde não há consenso.
Qualquer vírus respiratório pode ter uma taxa de mortalidade muito grande, se não houver disponibilidade de oxigénio.
VE - Qual é o investimento mínimo necessário para estas centrais de produção?
JVM - Nós temos hospitais com sistemas que começam nos J35.000 a J40.000.
O Hospital da Misericórdia de Vila Verde, que está a operar há oito anos continuamente com o nosso oxigénio, tem dois blocos operatórios que estão quase 24 horas, sete dias por semana em operação, o que rentabiliza a sua utilização.
Em todos os processos de mudança a transição tem sido simples. Os profissionais continuam com os mesmos procedimentos, os andamentos, os ventiladores de anestesia, os melhores cuidados intensivos.
A mistura que vai para o paciente é exatamente a mesma e portanto nós temos o mesmo oxigénio a um custo muito inferior.
A utilização do ar engarrafado vai estar cada vez cara.
VE - A utilização de oxigénio em garrafa tende a diminuir?
JVM - Eu diria que todas as tecnologias têm o seu tempo.
A nível ambiental o oxigénio líquido faz pouco sentido com os camiões a transportar metal de um lado para o outro e a provocar uma pegada de carbono exagerada.
Esta é a terceira tecnologia que permite a separação de gás e, portanto, é a mais recente. O que nós fizemos foi a adaptação para a produção e purificação de gases com vantagens.
Muitas multinacionais, incluindo, por exemplo, a PepsiCo, que é um cliente âncora nosso, utilizam estes equipamentos.
Além da diferença de custo deixa de ser preciso controlar papéis, faturas, cargas. Existe um equipamento que é totalmente automático. Quando começam a consumir o equipamento, arranca e produz, deixam, consomem menos, o equipamento desacelera, e não consomem.
E, portanto, eu diria que é uma forma simples e muitíssimo eficiente do ponto de vista de custos. E nós temos sido responsáveis, por exemplo, na área do corte laser, por exemplo, onde custo do corte é muito elevado.
Portanto, nós estamos a fazer uma conversão generalizada dentro da nossa atividade. Nós estamos presentes em 55 países, agora contamos com um escritório de engenharia e em vendas e serviço na América do Norte. Temos em Vancouver para cobrir o Canadá.
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