Incentivo fiscal à valorização salarial tem difícil aplicação prática

Andreia Júnior, da Dower Law Firme, e Abílio Sousa, da IVOJOMA, destacaram as principais alterações fiscais do OE2024.
O incentivo fiscal à valorização salarial é inacessível à maioria das empresas. Além das condições de aplicação muito difíceis de cumprir, o benefício fiscal torna-se insignificante para a generalidade das empresas porque é calculado sobre o valor dos aumentos e não sobre a massa salarial – considera Abílio de Sousa. O CEO da IVOJOMA e ex-quadro da AT interveio no seminário sobre o OE 2024 organizado pela Vida Económica e pela ANJE, com o apoio da Dower Law Firm e IVOJOMA.
O acesso das PME aos benefícios fiscais piorou no ano passado com a revogação da DLRR, Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos e o OE 2024 não prevê outros incentivos fiscais ao investimento – referiu Abílio Sousa.
Regime da Zona Franca da Madeira prorrogado por mais um ano
No plano dos incentivos fiscais, o orçamento de Estado para 2024 pouco ou nada contribui para o aumento da competitividade das empresas ou do país.
O novo incentivo fiscal à valorização em pouco ou nada estimula as empresas a aumentar os salários dos seus colaboradores.
Além de estar sujeito a certos condicionalismos apenas leva em conta a margem do aumento salarial.
De acordo com o OE 2024, os encargos correspondentes ao “aumento salarial” relativo a trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado são considerados em 150% do respetivo montante, contabilizado como custo do exercício, deixando de compreender apenas os aumentos determinados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmica relativos a trabalhadores (alteração do nº 1 do artigo 19º-B do EBF).
Mas, apenas são considerados os encargos relativos a trabalhadores abrangidos por instrumento e regulamentação coletiva de trabalho dinâmica, na parte que excedam a remuneração mínima mensal garantida, suja remuneração fixa tenha aumentado em pelo menos 5% (na redação anterior do nº 3 do artigo 19º-B do EBF o aumento tinha de ser de pelo menos 5,1%).
É ainda alterada a definição do “leque salarial”. Se, antes, correspondia à diferença entre os montantes anuais da maior e menor remuneração fixa os trabalhadores, agora o rácio passa a ser entre a parcela da remuneração fixa anual dos 10% dos trabalhadores mais bem remunerados em relação ao total e a parcela da remuneração fixa anual dos 10% dos trabalhadores menos bem remunerados em relação ao total.
Os membros dos órgãos sociais da empresa passam a ser considerados para efeitos do cálculo do benefício.
Segundo Abílio Sousa, “o incentivo fiscal à valorização salarial é de difícil aplicação, por força das condições impostas pelo benefício, fundamentalmente no que respeita à obrigatoriedade de existência de um IRCT dinâmico, bem como ao cumprimento do não aumento do leque salarial”, afirmou.
Incentivo à capitalização encurta prazo de aplicação
O OE 2024 efetuou também uma revisão do ICE [incentivo à capitalização das empresas], com a alteração à taxa de cálculo do benefício, a qual passa a depender da Euribor, o que poderá vir a ser prejudicial para os sujeitos passivos no futuro. A par disto o benefício foi reduzido de 10 para sete anos”, acrescentou o CEO da IVOJOMA.
Regime da Zona Franca da Madeira prorrogado por mais um ano
Na conferência “Orçamento de Estado 2024” foram destacadas mais alguns aspetos fiscais, como a prorrogação por mais um ano do regime fiscal da Zona Franca da Madeira, as alteração ao nível do incentivo fiscal à aquisição de participações sociais de startups, o incentivo à capitalização das empresas, o incentivo fiscal à investigação científica e inovação.
Ao nível do regime fiscal de apoio ao investimento, saliente-se o facto de passar a ser considerado investimento realizado os custos salariais incorridos com a criação de postos de trabalho, aqui se incluindo o salário bruto antes de impostos, as contribuições obrigatórias para a segurança social, o seguro de acidentes de trabalho, os encargos com a guarda de crianças, de ascendentes e encargos de origem legal ou decorrentes de regulamentação coletiva do trabalho.
Apoio às startups
Ainda relativamente à fiscalidade sobre as empresas, é de salientar a redução da taxa para startups (novo nº 8 do artigo 87º do CIRC). O OE2024 propõe a redução da taxa do IRC para 12,5% para os primeiros 50 mil euros de matéria coletável até aqui aplicável às micro, pequenas e médias empresas e empresas de média capitalização (Small Mid Caps), desde que sejam empresas com elevado potencial de crescimento, com um modelo de negócio, produtos ou serviços inovadores, tenham concluído, pelo menos uma ronda de financiamento de capital de risco por entidade legalmente habilitada, tenham recebido investimento do Banco Português de Fomento, ou de fundos geridos por este, ou por empresas suas participadas, ou de um dos seus instrumentos de capital ou quase capital.
A aplicação da taxa reduzida de IRC está sujeita às regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de minimis.
Relativamente às taxas de tributação autónoma de viaturas, baixam de 10% para 8,5% (valor de aquisição inferior a 27 500 euros), de 27,5% para 25,5% (VA igual ou superior a 27 500 euros e inferior a 35 mil euros) e de 35% para 32,5% (VA igual ou superior a 35 mil euros.
Exemplo:
A sociedade “Trabalhos Dobrados, Lda” adquiriu uma viatura ligeira de passageiros, movida a gasolina, em 2022, pelo valor de 30 mil euros. Tributação autónoma devida em 3023: 27,5%; tributação autónoma devida em 2024: 25,5%.
No que concerne aos encargos dos veículos movidos exclusivamente a energia elétrica, mantém-se a tributação autónoma de 10%, apenas caso o seu custo de aquisição exceda os 62 500 euros, prevendo-se agora, porém, a possibilidade de exclusão desta tributação em alguns casos, nomeadamente quando afetos à exploração de serviço público de transportes, quando se destinem a ser alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo ou quando o seu uso seja qualificado como rendimento do trabalho dependente.
Exemplo:
A sociedade “Luxus, Lda” adquiriu uma viatura movida exclusivamente a energia elétrica em 2022 pelo valor de cem mil euros com IVA incluído, a qual é usada pelo gerente da empresa. Tributação autónoma devida em 2022: 0; tributação autónoma devida em 2023: 10%. Em 2024 foi efetuado um acordo escrito com o gerente, conforme nº 9 da alínea b) do nº 3 do artigo 2º do CIRC. Tributação autónoma devida em 2024: 0.
O OE2024 cria também um regime extraordinário de apoio a encargos suportados com eletricidade e gás natural que prevê uma majoração em 20% dos gastos e perdas suportados referentes a consumos de eletricidade e gás natural.
Ao nível do IVA, a isenção nos serviços de explicações passa a aplicar-se quer as explicações sejam ministradas apenas a título pessoal ou em grupo.
Classe média “esquecida”
Andreia Júnior afirmou durante o debate que, ao nível do IRS, há uma descida generalizada do imposto, mas que beneficia em maior medida os contribuintes de rendimentos mais baixos e não tanto a classe média que tem sido mais sobrecarga de tributação em anos anteriores.
Ao nível da taxa social única (TSU), Portugal tem uma tributação elevada e superior a outros países europeus. Uma evidência constatada pala advogada da Dower Law Firm, reconhecendo inclusive existir no nosso país uma tributação geral elevada comparativamente a outros Estados membros, retirando-nos competitividade económica e empresarial. De facto, a carga fiscal sobre o trabalho é suscetível inclusive de penalizar o investimento direto estrangeiro em Portugal, sobretudo nos investimentos financeiros menores não abrangidos por regimes de tributação especiais de que podem gozar certos grandes investimentos estrangeiros.
Excesso de regulamentação penaliza empresas
O excesso de regulamentação, não só a nível fiscal mas também sobre diversas matérias com implicação na atividade económico, apontada por muitos com “custo de contexto”, é outro fator que penaliza as empresas e o investimento, tal como reconheceu Abílio Sousa, CEO da IVOJOMA. Conforme disse,” o decreto regulamentar é o sistema mais retrógrado que nós temos” porque muitas vezes não consegue acompanhar a realidade económica que evolui mais depressa do que o sistema normativo.
Benefício fiscal é insignificante para as PME
Além de ter condições difíceis de cumprir, o benefício fiscal atribuído aos empregadores é muito reduzido para a generalidade das empresas. A majoração do custo fiscal incide sobre o valor do aumento e não sobre a massa salarial.
Tomando como exemplo uma PME com 10 empregados e um salário médio de €1.200 mensais, a massa salarial anual seria €206 220 por ano, com TSU a carga da empresa incluída.. Se aplicasse um aumento médio de 5,5%, o valor de aumento da massa salarial representaria €11.341. Com a majoração de 50% a empresa teria um custo fiscal acrescido de €5 671. Se a empresa tiver resultados positivos e matérias coletável o benefício fiscal conseguido seria de €964,00 no caso de a empresa ter a taxa reduzida de 17% de IRC, ou de €1 190,00 no caso de a empresa pagar a taxa normal de 21% de IRC.
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