PRR deveria aumentar fundos para as empresas;

Fernando Paiva de Castro, presidente da AIDA CCI, considera
PRR deveria aumentar fundos para as empresas
“A AIDA continua apostada em prestar o melhor apoio que lhe é possível ao tecido empresarial do distrito de Aveiro”, afirma Fernando Paiva de Castro.
“É notório que o eixo da Resiliência do PRR é, dos três, o que reserva directamente a menor quota para projetos a gerir pela iniciativa privada”, afirma Fernando Paiva de Castro, presidente da AIDA CCI.
“Por outro lado, os elevadíssimos montantes que irão ser alocados no âmbito dos outros dois eixos (da Transição Digital e das Alterações Climáticas), não há a garantia de que venham a ter o efeito de alavancar a economia nacional”, acrescenta.
A AIDA realiza hoje, no Centro de Artes e Espetáculos de Sever do Vouga o 7º Fórum Empresarial sobre o tema “Revitalizar a Indústria, Relançar a Economia”.

Vida Económica - A crise pode ter como efeito positivo a moderação do consumo e uma maior aposta na atividade produtiva?
Fernando Paiva de Castro - Absurdamente, a política governamental que vem sendo seguida desde 2015 assenta muito no aumento do rendimento de determinados estratos sociais para os apoiar no consumo em vez de estimular a atividade produtiva das empresas de bens e serviços transacionáveis, o que permitiria aumentar a nossa quota de exportações e substituir importações, de forma a tornar a nossa balança comercial menos deficitária e perspetivar a diminuição da elevadíssima dívida externa.
Apesar de o montante de depósitos bancários ter aumentado significativamente durante o período da pandemia, não me parece que tenha resultado de uma correção dos hábitos dos consumidores, mas antes das medidas restritivas impostas à circulação das pessoas e a algum receio destas quanto ao futuro incerto.
Mas este aumento de liquidez bancária não se tem traduzido em aumento de crédito às empresas, pois a banca tem continuado a adotar uma política defensiva desde a crise de 2011, por razões facilmente compreensíveis.
Por outro lado, os estímulos governamentais à atividade produtiva praticamente não existiram. As medidas aprovadas para apoiar a tesouraria das empresas foram mais direcionados para as facilidades de crédito do que propriamente para compensar a erosão provocada pelos encargos fixos e pela diminuição do volume de negócios. Como exemplo, cito o reduzido montante de apoios a fundo perdido, tão reduzido que Portugal foi o 3.º país da União Europeia que menos apoios concedeu às empresas. Outro exemplo foi no âmbito dos seguros de crédito, cujo alargamento simbólico só foi concedido ao fim de insistentes pedidos feitos durante meses.

Repartição desajustada de recursos no PRR

VE - Considera adequada a repartição dos recursos atribuídos pelo PRR ao Estado e às empresas?
FPC - É notório que o eixo da Resiliência do PRR é, dos três, o que reserva diretamentea menor quota para projetos a gerir pela iniciativa privada. É verdade que o montante ultrapassa a média que anualmente tem sido colocada ao dispor das empresas privadas no âmbito dos anteriores Quadros Financeiros Plurianuais, mas isso não significa que não haja carências para mais no tecido empresarial privado.
Por outro lado, os elevadíssimos montantes que irão ser alocados no âmbito dos outros dois eixos (da Transição Digital e das Alterações Climáticas), dos quais algumas empresas privadas nacionais deles poderão usufruir indiretamente, por não haver uma estratégia clara nos projetos a executar e porque muitos deles não terão efeitos diretamente reprodutivos, não há a garantia de que venham a ter o efeito de alavancar a economia nacional.
Não será por o volume dos fundos permitir muitos projetos que se alcançarão os melhores resultados. Como o Professor Luís Valente de Oliveira afirmou recentemente, “não se pode continuar a dar milho aos pardais”.

VE -Tendo em conta a situação difícil e os fatores de incerteza, seria necessária uma maior intervenção da sociedade civil, na preparação e execução do plano de recuperação?
FPC - Relembrando: a partir do momento em que o Governo encomendou o estudo do PRR ao Professor António Costa e Silva, de forma algo sigilosa, do momento em que o mesmo foi apresentado publicamente, à beira do período de férias do verão do ano passado, à falta de informação sobre as regras a que o PRR deveria obedecer, à forma enfática como desde logo foi elogiado e defendido por diversos governantes, e com um prazo para consulta pública escasso com o argumento de ser urgente a sua entrega em Bruxelas, desde logo deu para perceber que não estaríamos propriamente perante um estudo mas de um trabalho praticamente acabado. Mesmo depois de Bruxelas impor a sua revisão já este ano, a pressa em apresentar a versão final voltou a não dar grande espaço de manobra para introduzir mudanças mais significativas.
Por outro lado, dá bem para perceber que o Governo pretende aproveitar esta oportunidade para fazer muito do investimento público que não foi feito em anos anteriores, sobretudo desde 2015, com a nítida intenção de mitigar o défice real das contas públicas.
Além disso, tem sido evidente a pouca atenção que o Governo tem dispensado ao tecido empresarial privado, não aliviando a carga fiscal nem implementando reformas estruturais na Justiça e na Administração Pública, nem diminuindo a pesada burocracia e outros custos de contexto, nem reduzindo o prazo de pagamento aos fornecedores, nem acelerando o pagamento dos apoios dos projectos de candidatura aos  fundos comunitários.

VE- Qual é o balanço da aplicação do Portugal 2020?
FPC - Seria de todo interesse que estivesse mais adiantado. Convém recordar que o lançamento do Portugal 2020 já começou atrasadamente em meados de 2016, primeiro devido às eleições europeias e depois à mudança de Governo no nosso País em finais de 2015. Por outro lado, para além da pandemia surgida no início de 2020, várias outras causas podem apontar-se para justificar tal situação, nomeadamente: a grande instabilidade que nos últimos anos tem existido a nível internacional, tanto a nível político (Brexit, deterioração das relações entre EUA, UE, China e Rússia, principalmente) como a nível económico (nomeadamente a crise na Venezuela, no Médio Oriente e em Angola); a interferência das alterações climáticas em alguns grandes projetos internacionais de investimento (caso do setor automóvel).
Portugal, sendo uma economia pequena e muito dependente do exterior, facilmente se ressente das modificações que ocorrem além-fronteiras.

VE - Que prioridades devem ter as empresas industriais perante o desafio da transição digital?
FPC - O processo da transição digital numa empresa é irreversível, transversal e urgente. A crise pandémica veio demonstrá-lo com grande acuidade. As empresas não o podem negligenciar, sob pena de serem ultrapassadas na competição pelos mercados. A preparação de quadros devidamente habilitados é essencial, pois são as pessoas que asseguram o funcionamento dos sistemas em toda a linha, mesmo havendo tarefas que venham a ser desempenhadas por equipamentos de várias características.

VE - Em comparação com outros países, os trabalhadores portugueses revelam um nível elevado de desmotivação e existe um défice de formação profissional. O que pode ser feito para corrigir os dois aspectos?
FPC - Quanto à “desmotivação”, não tenho uma opinião assim tão afirmativa. O facto de a produtividade das empresas portuguesas ser muito inferior à média das empresas europeias terá mais a ver com problemas da sua organização, com o planeamento da produção, com a preparação deficiente ou desatualização profissional para absorver novas metodologias.
A formação e requalificação profissional são uma prioridade e têm de ser ministradas de forma continuada, face à evolução da ciência e da técnica. Além disso, deve envolver todos os níveis da organização.
A ligação das empresas aos centros de conhecimento tem de ser mais estreita, sem complexos de parte a parte. Não nos podemos esquecer que a investigação precede a técnica.

(Entrevista completa no site da VE)
Susana Almeida, 24/06/2021
Partilhar
Comentários 0