Que futuro para a moda numa Europa pós-“Brexit”?;

Que futuro para a moda numa Europa pós-“Brexit”?
A pouco menos de dois meses do fim do período de transição, a indústria da moda continua preocupada com aquele que será o seu futuro. Neste contexto, falamos obviamente não só da indústria britânica, mas também dos Estados-membros da União Europeia (UE), cujas relações comerciais poderão estar em causa ou ver-se negativamente afetadas especialmente num cenário de “no deal” Brexit.
 
É evidente que toda a indústria sairá prejudicada caso não seja celebrado um acordo de saída, no entanto, é manifesto que algumas indústrias sofrerão mais do que outras. É esse o caso da indústria da moda e do segmento do luxo. Um estudo do UK Trade Policy Observatory avançou que a produção têxtil, de vestuário e de calçado serão as que mais irão sofrer com o Brexit*.
No final do período de transição o Reino Unido deixará de fazer parte do Mercado Único, da União Aduaneira da UE, das políticas e programas da União, e deixará também de beneficiar dos acordos internacionais celebrados entre a UE e Estados terceiros.
A partir do dia 1 de janeiro 2021 serão aplicadas taxas de importação e taxas de exportação. Caso não seja celebrado um acordo, serão aplicadas às exportações as taxas da Organização Mundial do Comércio, o que levará, necessariamente, a um aumento de preços no consumidor. Para exportar para a União Europeia, todas as empresas deverão ter um Registo e Identificação dos Operadores Económicos (EORI). Os EORI emitidos pelo Reino Unido deixarão de ser válidos.
Considerando a estrutura fragmentada das “supply chains” na indústria da moda, um aspeto particularmente interessante será a aplicação das chamadas regras de origem. Fazer prova do país de origem de um determinado produto poderá ser um processo dispendioso e complexo. As referidas regras dizem respeito aos critérios que determinam a origem nacional de um produto e são usadas para decidir quais as taxas aplicáveis a esse produto.
A imigração é mais um tema sensível. Nesta matéria, quer os cidadãos nacionais do Reino Unido residentes em Estados-membros da UE quer os nacionais de Estados-membros da UE residentes no Reino Unido serão afetados por esta nova realidade. O Governo britânico já prometeu acabar com a liberdade de circulação de pessoas e introduzir um novo sistema de migração que afetará drasticamente a vida dos nacionais de Estados-membros da UE residentes naquele país. 
O fim da liberdade de circulação de pessoas e de trabalhadores trará dificuldades para marcas britânicas que queiram recrutar jovens talentos e profissionais qualificados nacionais de Estados-membros da UE, bem como dificultará o acesso de profissionais e recém-licenciados britânicos que queiram candidatar-se a postos de trabalho em grandes e conceituadas casas de moda com sede na UE. A necessidade de requerer visto vai acarretar não só custos adicionais, mas também atrasos que colocam o Reino Unido em desvantagem face a concorrentes nacionais de Estados-membros da UE que gozam de total liberdade de circulação. 
Um dos temas que sofrerão profundas mudanças é o da proteção dos direitos de propriedade intelectual, especificamente a questão da proteção dos Desenhos e Modelos Comunitários (DMC), tema que é particularmente caro à indústria da moda. Dentro da categoria de DMC temos os desenhos registados e os não registados. Os DMC não registados beneficiam de proteção pelo período de três anos sem necessidade de qualquer formalidade prévia. 
A partir do dia 1 de janeiro de 2021 os desenhos divulgados pela primeira vez no Reino Unido deixarão de beneficiar desta proteção. Enquanto nos restantes Estados-membros da UE qualquer peça que seja apresentada, por exemplo numa semana da moda, beneficiará imediatamente de proteção, porém o mesmo não irá acontecer se a peça for apresentada pela primeira vez no Reino Unido. Tendo em conta a rapidez com que a indústria da moda produz novos desenhos – especialmente se pensarmos no “fast fashion” –, esta mudança trará graves prejuízos aos “designers”, que terão de pensar duas vezes antes de revelarem pela primeira vez os seus desenhos em território britânico.
Considerando que estamos num cenário de total incerteza, a revisão de todos os contratos em vigor é recomendável para garantir que as empresas não terão surpresas desagradáveis a partir do dia 1 de janeiro 2021.
Nesta fase é fundamental perceber-se as implicações de um “no deal Brexit” para a indústria da moda, devendo as empresas começar a preparar-se para esse cenário.
*Estudo do UK Trade Policy Observatory: 
https://blogs.sussex.ac.uk/uktpo/publications/which-manufacturing-sectors-are-most-vulnerable-to-brexit/
Joana Whyte Advogada na Next – Gali Macedo e Associados SP RL, 06/11/2020
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