A obrigatoriedade do teletrabalho: “round” 2;

A obrigatoriedade do teletrabalho: “round” 2
Decorridos mais de oito meses desde que a Organização Mundial de Saúde reconheceu o surto de Covid-19 como uma emergência grave em matéria de saúde pública, que exigia a mobilização de esforços a nível mundial, a União Europeia – e o Mundo –, voltam a confrontar-se com números elevados de ressurgimento de casos, perante os quais, espera-se, os Estados-Membros estão mais bem preparados e coordenados do que nos primeiros meses da pandemia.
 
No que diz respeito a Portugal, o aumento do número de novos casos de infeção por Covid-19 tem quebrado “recordes”, tendo já ultrapassado a barreira dos mil novos contágios por dia. A este ritmo alarmante de crescimento do número de infetados, contrapõem-se os resultados económicos do último trimestre, já fortemente influenciados pelo impacto que o período de confinamento obrigatório teve na economia, em particular, no principal setor de atividade económica do país - o comércio e os serviços.
É neste contexto de ressurgimento de uma segunda vaga da pandemia que novas medidas são adotadas pelo Governo, nomeadamente em matéria de organização do trabalho, com o intuito de prevenção, contenção e mitigação da transmissão da infeção em contexto laboral, aliadas à necessidade de garantir que, dentro do possível, se mantenha a atividade dos agentes económicos, procurando-se ao máximo evitar o recurso a um novo estado de emergência com um dever geral de confinamento domiciliário. Portanto, o plano é controlar a pandemia sem matar a economia. 
Neste âmbito, o Governo optou pela criação de um regime excecional e transitório de reorganização do trabalho, através do Decreto-Lei n.º 79-A/2020, de 1 de outubro. No entanto, quanto ao teletrabalho especificamente, apesar de inicialmente ser uma mera recomendação, veio a tornar-se de aplicação obrigatória nas parcelas de território indicadas na resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 2 de novembro, às empresas independentemente do número de trabalhadores, bem como aos trabalhadores que aí residam ou trabalhem, por força das alterações ao mencionado diploma primitivo introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 94-A/2020, de 3 de novembro. De fora deste regime de obrigatoriedade ficam os trabalhadores de serviços essenciais, bem como os trabalhadores integrados no setor do ensino. 
Assim, o novo diploma veio aditar um artigo ao regime jurídico inicialmente instituído para o teletrabalho, passando a prever a sua obrigatoriedade, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer, sem necessidade de acordo escrito entre o empregador e o trabalhador. Ou seja, à primeira vista, parece que a decisão de aplicação ou não do regime do teletrabalho se assume como um novo “poder/dever” para o empregador. Mas será que o empregador é obrigado a aplicar o teletrabalho? Não necessariamente, já que o legislador prevê casos em que a obrigatoriedade do regime do teletrabalho pode ser afastada, nomeadamente quando as funções do trabalhador em causa não permitam o recurso ao teletrabalho, ou ainda quando o trabalhador não disponha das condições técnicas para as exercer em regime de teletrabalho. Nesses casos, o empregador deve comunicar ao trabalhador, fundamentadamente e por escrito, a sua decisão de não aplicação do regime de teletrabalho, competindo-lhe demonstrar concretamente que as funções do trabalhador em causa não são compatíveis com este regime, ou ainda comprovar a falta de condições técnicas adequadas para a sua implementação. De realçar, ainda, que o trabalhador pode, nos três dias úteis posteriores à comunicação da decisão do empregador, solicitar junto da Autoridade para as Condições do Trabalho a fiscalização dos requisitos acima previstos para a não aplicação do regime de teletrabalho, assim como a verificação dos factos invocados pelo empregador, a qual deve apreciar a matéria sujeita a verificação e decidir dentro no prazo de cinco dias úteis. 
Ora, se, por um lado, uma das condições para que o regime do teletrabalho não seja aplicado se verifica quando o trabalhador não disponha das condições técnicas necessárias para exercer as suas funções nesse regime, por outro lado, o Governo reforça o dever do empregador de disponibilizar ao trabalhador os equipamentos de trabalho e de comunicação necessários à prestação de trabalho em regime de teletrabalho. Importa, ainda, realçar que, além dos casos em que não seja possível ao empregador aplicar o regime de teletrabalho, o próprio trabalhador que não disponha de condições para exercer as funções em regime de teletrabalho, nomeadamente condições técnicas ou habitacionais adequadas, pode opor-se à aplicação do teletrabalho, invocando os motivos do seu impedimento, por escrito ao empregador.
Em matéria de fiscalização do cumprimento das regras de aplicação do teletrabalho e bem assim dos procedimentos de verificação das condições de impossibilidade de aplicação do mesmo, a competência cabe à Autoridade para as Condições do Trabalho. A violação das regras que resultam da obrigatoriedade do teletrabalho consubstancia uma contraordenação laboral grave, à qual é aplicável o regime das contraordenações em matéria laboral.
Por fim, uma breve nota quanto ao período de vigência do regime de obrigatoriedade de teletrabalho que, de acordo com o previsto, irá vigorar até março de 2021, na expetativa de que, por essa altura, todos os esforços tenham surtido efeito no controlo da pandemia
Este segundo “round” no recurso obrigatório ao teletrabalho demonstra bem que a pandemia serviu para operacionalizar este regime jurídico que, até há bem pouco tempo, era letra morta na lei laboral, e confia-se, até pelo modo exigente como está a ser aplicado, especialmente nesta segunda vaga, que seja um importante aliado no seu combate. 
Ana Francisca Brochado Associada na Next – Gali Macedo e Associados, SP RL, 13/11/2020
Partilhar
Comentários 0