Comprei na Internet, e agora?;

Comprei na Internet, e agora?
Um dos efeitos mais marcantes da pandemia provocada pela Covid-19 nos hábitos das pessoas um pouco por todo o mundo foi o aumento do recurso às compras através da internet. Um estudo da OCDE publicado em outubro revela que, de facto, a atual pandemia acelerou a expansão do mercado digital e facilitou o acesso dos clientes a uma variedade significativa de produtos, no conforto e segurança de suas casas, permitindo que as empresas continuassem a operar apesar das restrições impostas.
 
Contudo, as compras através da internet tendem a gerar bastante confusão junto dos consumidores, principalmente no que respeita aos seus direitos. O Decreto-lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, relativo aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/83/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que por sua vez tutela, a nível europeu esses direitos.  
A referida diretiva garante os direitos dos consumidores (relações B2C e não B2B) em matéria de contratos de compra e venda e de prestação de serviços celebrados sem contacto pessoal com o consumidor e estabelece um nível de harmonização máxima. Quer isto dizer que os Estados-Membros não devem manter ou introduzir na sua legislação nacional disposições divergentes das previstas na diretiva, nomeadamente disposições que tenham por objetivo garantir um nível diferente de proteção dos consumidores. Este é o caso não só dos contratos celebrados através da Internet, mas também dos celebrados por telefone (com ou sem interação humana), correio eletrónico, fax ou correio postal, bem como os contratos celebrados fora do estabelecimento comercial habitual (por exemplo, as vendas porta a porta).
Estas regras abrangem, entre outros, a compra de vestuário e calçado, brinquedos ou eletrodomésticos. Porém, por exemplo, a compra de serviços sociais e de saúde, viagens organizadas e determinados serviços relacionados com férias (que se encontram sujeitos a regulamentação específica), não se encontram abrangidos por estas regras.
Um dos principais direitos que os consumidores europeus têm quando compram online é o chamado direito ao arrependimento. Este direito aplica-se a compras realizadas online ou por outro meio de venda à distância ou fora do estabelecimento comercial. Este direito garante ao consumidor a possibilidade de, no prazo de 14 dias seguidos contados da data de receção do bem ou produto, cancelar a sua compra, ou seja, devolver o bemou anular o serviço comprado, e de receber de volta o seu dinheiro, sem necessidade de apresentar qualquer justificação. Este período de 14 dias é o chamado período de reflexão ou de retratação, aplicando-se a compras feitas a vendedores profissionais de qualquer país da União Europeia (quer isto dizer que não se aplica a negócios entre particulares). Mais, no caso de o comerciante não prestar ao consumidor informação relativa a este direito, o prazo de retratação (ou arrependimento) expira passados 12 meses após o termo do prazo inicial de 14 dias.
Em termos da garantia dos produtos, a legislação europeia obriga a que, em toda a Europa, seja dada uma garantia mínima de dois anos (a chamada garantia legal, pois decorre da lei) que assegura uma proteção contra produtos defeituosos, que não estejam conformes com a descrição do vendedor ou que não correspondam ao publicitado. Isto sem prejuízo de o comerciante oferecer ao consumidor uma garantia comercial adicional que pode estar já incluída no preço do produto, ou pela qual pode ser cobrado um valor complementar.
O vendedor é legalmente obrigado a cumprir as declarações feitas acerca do produto em particular, na publicidade e na rotulagem do mesmo. No caso de o produto não corresponder à descrição, ter características diferentes das do modelo anunciado ou da amostra apresentada ao cliente, não ser adequado à utilização habitual dada aos bens do mesmo tipo, não ter as qualidades e o desempenho habituais dos produtos do mesmo tipo, o consumidor pode solicitar uma indemnização. Essa indemnização, sem custos suplementares, pode ser a reparação ou substituição do produto, a redução do preço ou a anulação do contrato e o reembolso total do preço pago.
Ainda assim, e muito embora o intuito da Lei seja a proteção do consumidor, visto ser a parte mais fraca e desprotegida na relação jurídica de consumo, a verdade é que a leitura cuidada dos termos e condições e/ou do contrato é fundamental para que seja possível ter uma perceção geral das consequências da sua celebração, assegurando uma plena eficácia da proteção que a Lei visa garantir ao consumidor. 
 
Joana Whyte Advogada na Next – Gali Macedo e Associados SP RL, 11/12/2020
Partilhar
Comentários 0