Saldos e promoções não rimam com Covid-19;

Saldos e promoções não rimam com Covid-19
Em Portugal vigora a regra da liberdade de fixação do preço e da sua alteração. Sendo as práticas de concertação de preços, em regra, proibidas. O Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março, regula o anúncio da redução de preços, contendo um elenco taxativo das práticas comerciais com a sua redução, a saber, as promoções, os saldos e a liquidação.
A partir de 26 de dezembro e durante os meses de janeiro e fevereiro é tradicionalmente época de saldos de inverno em Portugal. Até 2015, apenas era possível realizar saldos nos períodos compreendidos entre 28 de dezembro e 28 de fevereiro e entre 15 de julho e 15 de setembro; entre 2015 e 2019 era possível realizar saldos a qualquer momento, no máximo de quatro meses por ano. Desde 2019, a venda em saldos pode realizar-se em qualquer período do ano, desde que não ultrapasse, no seu conjunto, a duração de 124 dias/ano.
Contrariamente àquilo que se possa pensar, as promoções, os saldos e a liquidação não são sinónimos. O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março define estes três tipos de atividades com redução de preço, assim:
Saldos: venda de produtos praticada a um preço inferior ao preço mais baixo anteriormente praticado no mesmo estabelecimento comercial, com o objetivo de promover o escoamento acelerado das existências;
Promoções: venda promovida com vista a potenciar a venda de determinados produtos ou o lançamento de um produto não comercializado anteriormente pelo agente económico no mesmo estabelecimento comercial, bem como o desenvolvimento da atividade comercial; e,
Liquidações: venda de produtos com um caráter excecional que se destine ao escoamento acelerado com redução de preço da totalidade ou de parte das existências do estabelecimento, resultante da ocorrência de motivos que determinem a interrupção da venda ou da atividade no estabelecimento.
Ao longo dos últimos meses o Governo tem vindo a adotar diversas medidas com o objetivo de conter a pandemia e reduzir o número de infeções pela Covid-19. As práticas comerciais com redução de preço foram visadas em várias dessas medidas. Em maio de 2020, quando o número de novas infeções pela Covid-19 era reduzido (comparativamente aos números das últimas semanas) e atravessávamos uma fase de reabertura da economia, de forma a incentivar as compras, o Decreto-Lei n.º 20-E/2020, de 12 de maio, estabelecia no seu artigo 3.º que “a venda em saldos que se realize durante os meses de maio e junho de 2020 não releva para efeitos de contabilização do limite máximo de venda em saldos de 124 dias por ano [...]”.
Hoje o cenário é, infelizmente, muito diferente. Por isso, o artigo 15.º-A do Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de janeiro, aditado pelo Decreto n.º 3-B/2021, de 19 de janeiro, veio estabelecer expressamente uma proibição geral da “publicidade, atividade publicitária ou adoção de qualquer outra forma de comunicação comercial, designadamente em serviços da sociedade da informação, que possam ter como resultado o aumento do fluxo de pessoas a frequentar estabelecimentos que, nos termos do presente decreto, estejam abertos ao público, designadamente através da divulgação de saldos, promoções ou liquidações”.
Ora, o que é proibido, de forma a evitar um maior afluxo de clientes às lojas, e por conseguinte aglomerados de pessoas, situações que devem ser evitadas neste período de crescente aumento de casos de infeção, é a publicidade e não as vendas com desconto.
Portugal não foi o único país a adotar medidas relativas às práticas comerciais com redução de preços durante a pandemia provocada pela Covid-19.
Em Espanha, em maio 2020, o Governo chegou mesmo a proibir as vendas com redução de preço.A “Orden SND/399/2020”, de 9 de maio, “para la flexibilización de determinadas restricciones de ámbito nacional, establecidas tras la declaración del estado de alarma en aplicación de la fase 1 del Plan para la transición hacia una nueva normalidad” estabelecia uma proibição de publicitar e levar a cabo ações comerciais que possam resultar em aglomerados de pessoas, quer dentro do estabelecimento, quer nas suas imediações. Esta medida, tal como a que ora foi adotada em Portugal, aplicava-se a todo o comércio. Esta proibição só não era aplicável às vendas nas páginas de internet dos estabelecimentos comerciais.
Acontece que esta medida era suscetível de ter um impacto negativo muito significativo na economia espanhola que já se debatia com as consequências de vários meses de confinamento, pelo que, volvidos alguns dias, o Governo decidiu permitir saldos e promoções, desde que os mesmos não gerassem aglomerados.
Saldos e promoções não rimam com Covid-19 quando as mesmas ocorrem em espaços físicos suscetíveis de provocar aglomerados de pessoas, mas tal não será o caso se pensarmos no e-commerce. O comércio eletrónico pode ser uma oportunidade não só para as grandes marcas que já tinham presença online, mas especialmente para o pequeno comércio que se vê mais uma vez obrigado a fechar portas. As redes sociais podem, por exemplo, constituir uma oportunidade nesta fase uma vez que os saldos e promoções não estão proibidos para os estabelecimentos que estão encerrados ao público. O revés da medalha é a necessidade de garantir que todas as normas relativas ao comércio eletrónico são cumpridas, nomeadamente no que respeita aos direitos dos consumidores.
Joana whyte Advogada Associada da Next-Gali Macedo e Associados, 11/02/2021
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