Querido, mudei a empresa!;

Querido, mudei a empresa!
Quando pensamos fazer uma mudança radical em nossa casa, sonhamos o estado futuro, idealizamos a utilização que vamos dar ao novo formato, damos-lhe voltas, validamos que dispomos dos recursos, saboreamos a ideia e quando estamos convencidos... avançamos! Certo? Não! Sabemos que não é bem assim.
Aquilo que o famoso programa “Querido, mudei a casa!” não nos mostra, é que, a menos que vivamos sozinhos, o melhor é não nospormos a fazer obras radicais e a mudar a mobília toda sem envolvermos a nossacara-metade e, já agora,os filhos.Caso contrário, a satisfação que sonhámos retirar dessa transformação será, na melhor das hipóteses, uma breve memória que contrasta com uma realidade bem mais dura. Transformar as nossas empresas tem algumas semelhanças,mas com nuances quesó pioram a situação. 
 
Na empresa, a nossa cara-metade pode ser mais do que uma pessoa, são os nossos pares na administração e as direções de primeira linha.Já os filhos, são todas as pessoas impactadas pela transformação que, também elas,estão bem convictasdassuas próprias opiniões. Extrapolando para uma empresa média, rapidamente teremos uma dezena de caras-metades e uma centena de filhos opinativos...o sonho pode virar umpesadelo.Nas empresas deparamo-nos com trêstipos de transformação, para os quais temos de encontrar respostas de gestão, a fim de garantir o seu sucesso. Por exemplo: mudar alguns processos e sistemas, para fazer mais depressa ou mais barato, é uma transformação operacional recorrente.Refiro recorrente porque,aos dias de hoje,acontece com grande frequência e tem de ser feita em simultâneo com todas as atividades de dia a dia.
 
A transformação core, como a que operou a Netflix quando deixou de enviar DVD’s para casa dos subscritores e começou a fazer streaming, já não é recorrente, mas é mais profunda e complexa, e continua a exigir o “runthe business” e o “changethe business” simultâneos. 
 
Já a transformação estratégica, como a que operou a Apple, que passou de fabricante de computadores para plataforma multiproduto com milhares de parceiros, tem contornos muito distintos e acontece, normalmente, “ao lado” do negócio corrente e por um período mais longo, o que facilita.
 
Voltando à imagem da mudança nas nossas casas: o estado futuro com que sonhámos são os objetivos que pretendemos atingir, para os quais formulamos estratégias que se consubstanciam em projetos. Desde logo, saber escolher a melhor combinação de projetos que permitem concretizar o sonho tem resposta nas modernas técnicas de gestão de portefólios e gestão estratégica. A segunda parte é matéria para a gestão de projetos, realizar bem os projetos selecionados, respeitando os constrangimentos (o âmbito, os prazos, os orçamentos e a qualidade)para entregar as mudanças físicas que perspetivámos.Mas a história não termina aqui.
 
Os projetos entregam resultados que têm de ser adotados por colaboradores, clientes, fornecedores, para se realizarem os benefícios. Exemplificando, não é porque entrego um software e um par de novos processos, que colho os benefíciosda transformação digital. É quando todas as pessoasimpactadas os usam de facto e com proficiência.
 
Então, a história não só não acabou, como se abre uma nova avenida, abordada pela gestão da mudançaque consiste em lidar com a transformação dos comportamentos de todas as pessoas impactadas pelos projetos que integram o nosso programa de transformação. E essas pessoas, tal como os filhos, pensam pela sua cabeça e decidem adotar os resultados dos projetos ou resistir às mudanças. Não se comportam todas da mesma forma, não reagem de forma síncronae são muito afetadas pelasrespetivas conjunturas pessoais e profissionais.Afinal, isto não é fácil.
Ou seja, para que a transformação ocorra, que é como quem diz, para que os resultados dos projetos sejam adotados, é necessário mexer na cultura empresarial.Então, o grande desafio da transformação é a mudança de cultura que lhe está associada.
 
Tal como em casa, a pedra angular é a liderança. Talvez não vista na perspetiva habitual, mas na da efetiva liderança da mudança: saber comunicar (que é como quem diz, falar e ouvir), saber mobilizar vontades, promover novos conhecimentos, remover barreiras e estimular a manutenção dos comportamentos adquiridos.Este é o papel do líder da mudança.Segundo o PROSCI®, organização que promove o standard mais relevante em gestão da mudança em todo o mundo, mais de 50% das chefias não sabem desempenhar este papel. Refiro-me às chefias de todos os níveis, em empresas de diversas geografias que variam entre mega e pequenas, e não me refiro a competências de gestão “geral”, mas concretamente às competências de gestão da mudança. 
 
Claro que tudo começa na liderança de topo do programa de transformaçãoque deve estar visível e ativo ao longo de todo o projeto. Mas não termina aí, recordo que na maior parte das transformações, os colaboradores impactados têm de conciliar o “runthe business” com o “changethe business”. Quem lidera o “runthe business”, o dia a dia de um qualquer colaborador impactado pela transformação? O patrocinador principal do programa de transformação? Provavelmente não. Provavelmente terá uma chefia intermédia que orienta o seu esforço diário, o avalia e promove. 
 
Então, consegue-se operacionalizar a transformação com um super-líder, superinteligente e todo-poderoso? É obvio que não! É preciso formar uma aliança de patrocinadores que inclua e alinhe todas as chefias intermédias dos colaboradores impactados e, por aí acima,até ao patrocinador principal.Segundo o PROSCI® as chefias intermédias são o grupo mais significativo de resistentes à mudança, por serem sistematicamente ignorados. É como se, lá em casa,mobilizássemos os filhos mais novos e nos esquecêssemos dos adolescentes. 
João Virott da Costa Docente da Universidade Europeia, ManagingPartner e fundador do grupo Bright Partners , 11/02/2022
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