AT recorre inutilmente ao litígio com os contribuintes;

Fiscalista Rogério Fernandes Ferreira considera
AT recorre inutilmente ao litígio com os contribuintes
A Autoridade Tributária e Aduaneira, muitas vezes, não valoriza as provas apresentadas pelos contribuintes em situações de litígio. A litigiosidade entre os contribuintes e a AT é excessiva, com base na suspeição que ainda prevalece por parte da administração fiscal e um formalismo excessivo. Ora, a relação entre as partes deveria ser construtiva e pedagógica, defende o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rogério Fernandes Ferreira, no âmbito da constatação que os contribuintes ganham 45% das ações fiscais movidas contra o Estado.
O que os resultados das análises quantitativas parecem apontar é que existe espaço de melhoria nos serviços e muitas vezes a AT não valoriza, ou pelo menos não valoriza adequadamente, os elementos e as provas apresentadas pelo contribuinte. “A verdade é que uma grande parte dos processos ganhos pelos contribuintes resulta de análise fatual das situações que é feita pelos tribunais e que a AT poderia ter feito previamente. Mas isso resulta também de um manifesto atraso na repercussão da jurisprudência – nacional e europeia – nos entendimentos seguidos pelos serviços, o que implica, muitas vezes a prática de atos de liquidação que, posteriormente são, efetivamente, anulados nos tribunais.”
A publicidade e o acesso, mais ou menos generalizado, das decisões judiciais e arbitrais também contribuem para que os contribuintes saibam o entendimento seguido pelos tribunais em situações paralelas e que não se inibam de recorrer aos mesmos. “Parece evidente que a obtenção de decisões arbitrais, no prazo máximo de seis a 12 meses que são públicas, potencia a rápida criação de correntes jurisprudenciais e doutrinais e, consequentemente, que os contribuintes recorram mais a tribunais para a resolução de questões idênticas”, adianta o fiscalista.

Suspeição por parte da AT

Há vários fatores que contribuem para que exista litigiosidade excessiva entre a AT e os contribuintes. É o caso da suspeição que a AT ainda tem dos contribuintes ou um excessivo formalismo na análise dos casos concretos. “Muitas vezes, o incumprimento de obrigações tributárias, declarativas ou documentais, pode dar lugar à aplicação de uma coima, mas não deve levar, necessariamente, à liquidação de imposto. Parece também haver alguma resistência dos serviços de contencioso em corrigir os serviços de inspeção, obrigando a que as peças a apresentar perante a AT tenham de ser preparadas com enorme rigor e documentalmente suportadas muito para além do que seria razoável, sob pena de serem indeferidas de forma quase liminar. “Naturalmente que os contribuintes não têm apetência para este tipo de interlocução com a AT, o que leva a que muitos processos tenham de seguir para tribunal.”
Rogério Fernandes Ferreira faz notar que a revisão das orientações genéricas na AT, que visam a uniformização da aplicação das leis fiscais, apenas podem ser revistas em situações muito específicas e quando já exista um acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo tribunal Administrativo ou cinco decisões de tribunais superiores no mesmo sentido. A obtenção de um acórdão de uniformização de jurisprudência sobre uma matéria nova pode demorar mais de 10 anos, bem como cinco decisões. Naturalmente que quando já se sabe que a doutrina e a jurisprudência dos tribunais apontam uniformemente no mesmo sentido, a AT deveria rever as suas orientações genéricas.”
Tendo especialmente presente a complexidade do sistema fiscal, a relação entre a AT e os contribuintes deve ser construtiva e pedagógica. Considera o antigo governante: “Seria bom recuperar algumas das boas medidas ainda não concretizadas que estão contidas no relatório do grupo de 2009 para o estudo da política fiscal, competitividade, eficiência e justiça do sistema fiscal e, sobretudo, é importante colocar o contribuinte em primeiro lugar, muito mais agora que os procedimentos estão informatizados e são cada vez mais rápidos e eficientes do ponto de vista da cobrança de receita fiscal. As mais das vezes, se se ouvisse os contribuintes e não se quedasse em leis complexas e em formalidades procedimentais excessivas, sem dúvida que a credibilidade da AT seria reforçada e o desempenho das suas funções seria facilitado.”
26/08/2022
Partilhar
Comentários 0