Mais habitação – arrendamento forçado de habitações devolutas;

Consultório Jurídico
Mais habitação – arrendamento forçado de habitações devolutas
A Proposta de Lei n.º 71/XV/1.ª (Programa “Mais Habitação”), visa estabelecer medidas que respondam às necessidades coletivas de habitação, em virtude da expressiva subida de preços e do valor das rendas, bem como, naturalmente, da taxa de inflação dos últimos anos e respetivo custo de vida.
De entre as várias medidas, linhas de financiamento e benefícios, deparamo-nos com uma Secção relativa à “Mobilidade de Imóveis Devolutos”, traduzindo-se a medida em concreto, no arrendamento forçado de habitações devolutas – não sendo, no entanto, as presentes medidas aplicáveis às Regiões Autónomas.
Em primeiro lugar, de dar nota que o conceito fiscal de “imóvel devoluto” se prende com os indícios de desocupação, relacionados com a inexistência de contratação de serviços e baixos consumos, ou, quando esta desocupação seja devidamente atestada mediante uma vistoria. Não obstante e, para efeitos das presentes medidas, refira-se desde já que pecou o Governo ao não densificar este conceito, deixando espaço a uma interpretação discricionária da norma e a alarmismos, fundamentados ou não, por parte dos proprietários.
Concretizando, vem o Governo propor um aditamento ao Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, passando este a prever que o arrendamento forçado é igualmente aplicável aos imóveis de uso habitacional, classificados como devolutos, que estejam há mais de dois anos com tal classificação, quando localizados fora dos territórios do interior.
Assim, findo o mencionado prazo de dois anos, o respetivo município poderá interpelar o proprietário no sentido de o mesmo promover as obras necessárias à conservação do imóvel ou, por outro lado e indo ao encontro do tema em apreço, pode o município apresentar uma proposta de arrendamento. Sendo que a renda a vigorar nesse arrendamento será igualmente definida pelo município.
Neste último caso, após a receção da notificação, caso o proprietário recuse a proposta ou não se pronuncie em noventa dias, mantendo-se o imóvel devoluto, pode o município proceder ao arrendamento forçado (não estando definido de que forma em concreto). E mais, se o município não pretender o arrendamento e o imóvel não careça de obras, remete a informação sobre o mesmo ao Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana para que possa ser este a proceder ao arrendamento forçado.
Ora, em nossa opinião, ainda que se verifiquem exceções como as casas de férias, de emigrantes, razões profissionais e/ou de saúde, somos a crer que a medida proposta poderá comportar uma ingerência do Estado no direito constitucional conferido aos proprietários, uma vez que à luz da aludida proposta, em sede de cálculo de ponderação entre o direito à propriedade e o direito à habitação, o primeiro possa, efetivamente, ceder perante o segundo.
De dar nota ainda que, o próprio Estado tem na sua propriedade diversos imóveis devolutos, bem como e, essencialmente, terrenos aptos nos quais poderia, eventualmente, promover a construção de habitação social, sem necessidade de intromissão no direito privado. Fica assim a dúvida, até à eventual aprovação, publicação e entrada em vigor do diploma definitivo, se o Estado irá avançar com as presentes medidas e/ ou, se irá dispor da própria propriedade para combater os problemas na habitação.
Raquel P. Rolo - Associada da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados – Sociedade de Advogados, 18/05/2023
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