PRR e Portugal 2030 estão a ser desperdiçados em despesa pública;

Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da AIMMAP, considera
PRR e Portugal 2030 estão a ser desperdiçados em despesa pública
“Os salários têm de aumentar. Se não conseguirmos atingir esse objetivo estratégico, o futuro de Portugal ficará comprometido”, afirma Rafael Campos Pereira.
A transição tecnológica é o maior desafio das empresas - afirma Rafael Campo Pereira. Em entrevista à Vida Economica, o vice-presidente executivo da AIMMAP considera que a transição tecnológica é decisiva para a atração de recursos humanos qualificados e motivados, para o crescimento da produtividade e para o aumento dos salários.
Em relação ao PRR e Portugal 2030, Rafael Campos Pereira refere que os fundos europeus  deveriam alavancar esta transição, mas estão a ser desperdiçados em despesa pública, “sem qualquer impacto positivo”. Como se não bastasse, a politização da contratação pública impede a criação de um pacto social benéfico para todos. Toda esta situação contribui para o atraso de Portugal face aos outros estados membros, incluindo a Roménia. 
Vida Económica - A indústria de metalurgia e metalomecânica continua a crescer em exportações?
Rafael Campos Pereira - Em 2023 as empresas do METAL PORTUGAL exportaram 24 017 milhões de euros, o que representou um crescimento de 4,1% face ao ano imediatamente anterior.
Sendo certo que 2022 havia sido até então o melhor ano de sempre, constata-se que foi batido em 2023 um novo recorde.
Os números foram especialmente notáveis no primeiro semestre do ano, o qual foi verdadeiramente extraordinário. No segundo semestre os valores não foram tão positivos face aos períodos homólogos, mas ainda assim os montantes absolutos foram muito interessantes.
Este desempenho foi conseguido apesar das dificuldades que as empresas tiveram de enfrentar, tanto a nível externo como internamente. A agressão russa à Ucrânia, a guerra no Médio-Oriente, os problemas no Canal do Suez, as disrupções nas cadeias de abastecimento, as situações difíceis de mercados importantes, as subidas das taxas de juro e a pressão inflacionista foram e são constrangimentos muito sérios que perturbam a atividade empresarial. A tudo isto acresce a situação difícil e instável em termos políticos e institucionais que o país atravessa. O reduzido investimento público e a dificuldade de execução dos programas europeus por parte de Portugal são igualmente obstáculos à atividade das empresas, num momento em que estas têm de se bater com sucesso em três grandes desafios: crescimento da produtividade, transição digital e transição energética.
 
VE - O aumento dos investimentos em defesa pode abrir oportunidades às empresas portuguesas?
RCP - É verdade que o aumento dos investimentos em defesa na União Europeia e também nos Estados Unidos da América fazem emergir oportunidades de negócio para as empresas do METAL PORTUGAL, particularmente nos domínios das tecnologias de produção e, mais ainda, na produção de componentes e peças técnicas com elevado valor acrescentado.
Com efeitos, as empresas do segmento da subcontratação industrial estão capacitadas para fornecer as grandes empresas nesse âmbito, com a mesma competência e sofisticação com que o fazem nos clusters automóvel, aeronáutico, ferroviário, energético ou alimentar.
 
VE - Quais são os mercados e os subsetores com maior dinamismo?
RCP - Os mercados em que as empresas do setor metalúrgico e metalomecânico português mais venderam continuaram a ser Espanha, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Estados Unidos da América.
A generalidade dos mercados europeus têm revelado grande dinamismo, numa lógica de globalização mais fragmentada e de busca pela qualidade e pela proximidade.
Os subsetores mais relevantes foram as tecnologias de produção, as peças técnicas e os produtos metálicos.
 
VE - Em que vertentes a Aimmap está a apoiar a atividade das empresas associadas?
RCP - A AIMMAP apoia fortemente as empresas associadas num vasto conjunto de áreas, sempre com o objetivo de acrescentar valor às empresas. Alguns exemplos de um trabalho muito relevante, entre vários outros que seria fastidioso enumerar, são a contratação coletiva, o apoio na área jurídica, a promoção da internacionalização, as compras de energia em grupo, a dinamização de ações de qualificação e formação profissional, a descodificação das normas de proteção ambiental e de segurança e saúde no trabalho ou a ligação às entidades públicas. Para além disso, a AIMMAP acompanha de muito perto a atividade das chamadas entidades de suporte ao setor, como o CENFIM, o CATIM, a PRODUTECH, o INEGI ou a CERTIF, estando envolvida na gestão de tais entidades tão importantes para o sucesso do setor.
Temos a noção de que as empresas do setor se reveem no nosso trabalho, sendo inclusivamente certo que o número de associados tem vindo a crescer de forma consistente.
 
VE - A indústria tem uma componente cada vez maior de serviço criando novos empregos e novas competências?
RCP - Sem dúvida que sim. As empresas portuguesas competem de forma crescente nos segmentos de maior valor acrescentado, estando a substituir postos de trabalho mais obsoletos e predominantemente manuais por perfis profissionais de maior densidade tecnológica. O sucesso de tal transição será fundamental para o sucesso do setor, sendo decisivo para a atração de recursos humanos qualificados e motivados, para o crescimento da produtividade e para o aumento dos salários.
 
A inexecução do PRR e do PT2030
 
VE - Ao nível dos incentivos ao investimento o atraso no arranque do Portugal 2030 está a ter consequências negativas?
RCP - Conforme já o disse em resposta a uma questão anterior, os atrasos e ineficiências na execução do PRR e no PT2030 são um sério constrangimento à dinamização da economia. O estado português tem gerido estes dois dossiers de forma muito negativa, podendo dizer-se que estamos na iminência de nos defrontarmos com uma enorme oportunidade perdida. O governo que teve ao seu dispor o maior envelope financeiro de sempre, não foi minimamente capaz de o colocar ao serviço da dinamização da economia, em prol da prosperidade e da felicidade dos cidadãos em geral e dos jovens em especial. Pelo contrário, canalizou esses fundos para a concretização de investimentos que já deveriam ter sido feitos e para despesa pública corrente. Consequentemente, os fundos que deveriam ajudar a catapultar a economia portuguesa estão a ser desperdiçados em despesa pública sem qualquer impacto positivo. Não é por acaso que estamos a ser ultrapassados por todos os restantes países da União Europeia, incluindo, pasme-se, a própria Roménia.
 
VE - Existe um relativo consenso sobre o aumento dos salários. Mas o centro do debate deve ser a produtividade e não as remunerações?
RCP - É óbvio que não pode haver aumentos salariais sem que previamente se aumente a produtividade. Também aqui é aplicável a máxima de que apenas se pode distribuir o que tiver sido previamente criado. E parece-me que também a esse propósito começa a haver consenso.
De todo o modo, é inequívoco que os salários têm de aumentar. Se não conseguirmos atingir esse objetivo estratégico, o futuro de Portugal ficará comprometido, até porque a capacidade de atração de recursos humanos por parte das nossas empresas será cada vez menor.
 
VE - O ritmo de aumentos do salário mínimo reduz o papel da Concertaçao Social limita o âmbito da contratação coletiva?
RCP - Independentemente do ritmo de crescimento do salário mínimo, a concertação social tem sido muito mal tratada pelos sucessivos governos. Os mais recentes, particularmente, têm um visão dirigista que em nada beneficia a concertação social. A apresentação de uma proposta de um Pacto Social por parte da CIP foi absolutamente disruptiva e uma verdadeira pedrada no charco. É fundamental que mais parceiros sociais acompanhem esta vontade reformista da CIP, para que exista verdadeiro diálogo social. A agenda deve ser o resultado da vontade das partes e não uma imposição por parte do poder político. Aliás, em minha opinião, o condicionamento da concertação social por parte do poder político é uma das razões do atraso português.
Quanto à contratação coletiva, é verdade que em alguns setores, os aumentos do salário mínimo limitam o âmbito da negociação. Esse não é porém o caso da contratação coletiva promovida no setor metalúrgico e metalomecânico pela AIMMAP e pelo SINDEL. 
Susana Almeida, 07/03/2024
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