Europa: Unidos Prevaleceremos;

Europa: Unidos Prevaleceremos
A União Europeia, na sua génese, foi criada para ser um espaço de paz, concórdia, liberdade, democracia e prosperidade. 
Com todos os seus defeitos e problemas pelo caminho, a União Europeia cumpriu com os objetivos traçados pelos seus pais fundadores, sofrendo igualmente, no processo de crescimento e de aprofundamento que se seguiu, as correspondentes “dores”, sendo que a mais difícil de suportar terá sido o “Brexit”, com a saída inédita da comunidade do Reino Unido. 
Em tudo o resto, descontando as “pedras no caminho” que qualquer processo de integração implica – basta pensar que os Estados Unidos da América tiveram uma guerra civil entre 1861 e 1865, menos de 100 anos após a sua independência, pela questão esclavagista -, a União Europeia é o único espaço de soberania que se expande sem ser pela conquista violenta, dependendo apenas da vontade de adesão dos países, desde que cumpram os requisitos para o efeito. Tirando a exceção do Reino Unido, já atrás aludida, a União Europeia continua a crescer, havendo diversos processos de pedido de adesão em curso, entre os quais a Turquia e a Ucrânia, que, hoje revestem uma importância acrescida em termos geopolíticos. E se os países europeus continuam a querer juntar-se à União Europeia alguma vantagem veem nela, que nós muitas vezes já não descortinamos.
Portugal aderiu à CEE, que depois redundou na União Europeia, em 1986, encetando a partir dessa data um gigantesco processo de transformação, que permitiu que o país consolidasse a sua democracia representativa e modernizasse a sua economia, com impactos profundos nos indicadores de bem-estar, de que a diminuição da mortalidade infantil, redução do analfabetismo, o acesso ao ensino superior e o aumento da longevidade, são apenas alguns, entre muitos que poderíamos citar, acrescentando a extraordinária melhoria das infraestruturas e acessibilidades, tornando Portugal um país mais desenvolvido sobre todos os ângulos que queiramos analisar.
A integração europeia marcou igualmente uma viragem de estratégia estrutural do país, que abandonou a sua relação atlântica ancestral, desde logo com as antigas colónias no mundo, para se voltar para o “inland” da Europa, estreitando relações com o eixo Paris-Berlim, e com a Espanha, que, apesar da vizinhança, não figurava sequer entre os primeiros cinco parceiros comerciais até 1986. Esta mudança de desígnio estratégico é hoje muito discutida, pois, para beneficiarmos dos fundos de coesão, abandonamos a nossa vertente atlântica, que nos poderia distinguir, além de que secundarizamos a economia do mar, cujo impacto no PIB deveria ser muito maior do que aquela que hoje conhecemos.
As mudanças que estamos a assistir hoje no mundo, especialmente depois da pandemia e das guerras, na Ucrânia e no Médio Oriente, a que podemos acrescentar a circunstância de termos tido o Presidente Trump nos EUA, com possibilidades de regressar no final do ano à Casa Branca, as guerras comerciais entre o EUA e a China e a União Europeia e a China, com impactos nas cadeias de fornecimento globais, que fragmentam a ordem internacional e fazem regressar novamente o espetro do protecionismo, trazem novos desafios à U.E., num momento em que as eleições para o Parlamento Europeu vão ter lugar.
As questões da defesa e da proteção, das fronteiras externas da União e controlo da imigração, a securitização alimentar ou as transições energéticas e digitais, são elementos novos que têm de ser considerados nos temas a debater pelos candidatos, mas, entre nós, os debates mal as afloram, preferindo centrar-se mais em temas de política doméstica, quase como se as eleições do próximo dia 9 de junho fosse uma segunda volta às do passado dia 10 de março para a legislatura nacional. É verdade que o são, mas era bom que os portugueses entendessem que a Europa é algo mais do que uma fonte de fundos comunitários, por vezes mal aplicados e que não tiveram os efeitos de reduzir as desigualdades económicas, sociais e regionais como era de esperar. A maioria dos candidatos dos partidos ora exibe a ignorância crassa sobre o tema da Europa ora tergiversa para as questões nacionais, misturando tudo numa salgalhada que só tem como resultado o afastamento dos eleitores das urnas. Também não deixa de ser interessante que partidos como o PCP, que sempre estiveram contra a Europa e o Euro, continuem a ter candidatos ao Parlamento Europeu, certamente para o desfazer por dentro, o que só a tolerância das democracias liberais, que os partidos da esquerda radical tanto abominam, pode permitir. E se a esquerda não democrática se comporta assim, a direita mais extremista não tem melhor desempenho, apesar de estar, dependendo dos países, muito dividida nas suas intervenções: ninguém pode acusar Meloni, na Itália, sobre o irrepreensível comprometimento europeu, mas já podemos dizer muito de Órban, na Hungria, na sua relação ambígua com a Rússia. A composição do próximo Parlamento Europeu pode surpreender, pois terá certamente um reforço da representação do populismo e da extrema-direita europeia, que poderá enfraquecer o apoio à Ucrânia, mas reforçar o controlo das fronteiras externas da União e os orçamentos de defesa, assim como a desregulamentação europeia e a desburocratização da máquina da União, o que, nestes últimos casos, não poderíamos deixar de considerar boas notícias.
A Europa vai ter de mudar e muito nos próximos anos se quiser sobreviver e ter futuro. Vai ter de encetar novos caminhos e prioridades, até agora nem sequer consideradas. A segurança e a defesa são uma nova vertente, que não pode depender só da NATO e menos ainda dos EUA, mas terá igualmente de se focar na sua capacidade de continuar relevante economicamente no mundo, o que só pode almejar se apostar na competitividade, na inovação e na internacionalização da sua presença. 
Temos, em qualquer caso, de contar mais connosco e menos com os outros, o que implica mais sacrifício, mais risco e mais determinação, não apenas em decidir consensualmente, mas aplicar essas mesmas decisões em tempo e com eficácia. 
Talvez tenha sido sempre assim, mas agora, mais do que nunca, sabemos que não teremos alternativa, pois só unidos prevaleceremos.
Paulo Vaz | Jurista e Gestor, 23/05/2024
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