O Outono Europeu;

O Outono Europeu
O acaso fez coincidir a escrita destas linhas com o dia em que é apresentada uma visão estratégica sobre a competitividade da União Europeia (UE). O tão aguardado relatório, coordenado por Mario Draghi, reflete sobre os desafios de um mundo em acelerada transformação e alinha soluções para as “barreiras estruturais” que, desde o volver do milénio, limitam a competitividade da UE, destacando-se a cansada capacidade de inovação, o aumento dos preços da energia, o défice de competências e lentidão na transição digital, bem como a clara necessidade de fortalecer a defesa comum.
 
Progressivamente empurrada para papéis secundários no domínio da inovação tecnológica – posição com tendência para se agravar, tendo em conta o parco investimento face a EUA e China –, com um severo inverno demográfico à porta – que coloca as questões das migrações no topo da agenda –, e com feridas internas difíceis de cicatrizar – da coesão económica à inclusão social, passando pela difícil coordenação de prioridades –, como pode a Europa desbloquear o seu potencial e recuperar vantagens competitivas?
O investimento é uma das variáveis centrais desta equação. A descarbonização, a inovação digital e as infraestruturas comuns requerem avultado financiamento numa janela temporal estreita, o que implica combinar ambição privada e pública. A emissão de dívida comum e uma profunda reformulação do orçamento comunitário serão caminhos de conquista árdua numa União em crescente divisão política. 
A falta de investimento liga-se à baixa produtividade. O fraco desempenho da economia europeia face à americana é um problema estrutural que encontra parte da explicação na falta e no tipo de investimento em inovação. Para superar este fosso será preciso um esforço sem precedentes – a estimativa do relatório aponta para um investimento anual de cerca de 5% do PIB europeu, mais do dobro do esforço empregue no Plano Marshall (1948-51).
Ainda que maior aversão ao risco faça parte da sua matriz, a UE deveria assumir a sua estratégia tecnológica como grande pivot para uma dupla transformação: por um lado, trazer tecnologias de forma consistente para o mercado (com bons índices de I&D, o calcanhar de Aquiles europeu está na aplicação e consequente comercialização das inovações geradas); e, por outro, substituir os propulsores de crescimento, afastando-se das tecnologias maduras onde atualmente esgota a sua capacidade inovadora para apostar em tecnologias avançadas alinhadas com a revolução da inteligência artificial em curso. 
Ao transformar investigação em valor, a UE poderia reforçar o seu papel no comércio internacional, alargando parceiros e beneficiando da “guerra comercial” EUA/ China. Necessitará, contudo, de rever as políticas de livre-comércio que contrastam com a abordagem mais protecionista americana e chinesa e de refazer o complexo mosaico de opções que as dependências de matérias-primas e energia obrigam.
E já que falamos em escolhas difíceis, o modelo social europeu terá também que ser revisitado. Se não conseguir ser mais produtiva e crescer, nem obter ganhos expressivos com o comércio internacional, como será possível continuar a financiar valores tão caros à Europa como a igualdade social, a equidade e a qualidade de serviços públicos? O que nos leva a outra questão central: em que medida é que o conforto da prosperidade num ambiente sustentável, da liberdade e da paz nos embalam, frustrando, todavia, o futuro de novas gerações ao mitigar reformas e limitar o potencial competitivo? Necessitará a Europa de se libertar dos frescos sonhos de Verão, para reencontrar o vigor primaveril?
Luís Ferreira Docente do ISAG – European Business School, 12/09/2024
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